novembro 16, 2014

Existe felicidade em escrever?

"Minhas dúvidas formam um círculo em torno de cada palavra." — Franz Kafka
O trabalho diário com as palavras não é fácil. Em abril de 1852, enquanto compõe Madame Bovary, Flaubert escreve a Louise Colet: “Estou mais cansado do que se empurrasse montanhas. Há momentos em que tenho vontade de chorar. É preciso uma vontade sobre-humana para escrever e eu sou apenas um homem”.

Esse tormento renasce, maior ou menor, no coração de cada escritor. Kafka anota, em novembro de 1910: “Quando sento-me diante da escrivaninha, meus ânimos não são melhores do que os do indivíduo que cai no meio da ‘Place de l’Opéra’ e quebra as duas pernas”.

Mas por que Kafka insistiu, ainda que escutasse “as consoantes se chocando com ruído metálico”? “Minhas dúvidas formam um círculo em torno de cada palavra; vejo-as antes que a palavra […]”, ele afirma e prossegue, cheio de incertezas. Sentindo-se “estéril como uma pedra”, Flaubert também foi adiante. E hoje, quando lemos o resultado dessas angústias, perguntamos qual o motivo de terem feito o que não é prazeroso.

Para um tempo como o nosso, em que o hedonismo quase sempre dita as escolhas, é difícil compreender. Mas o escritor sabe a resposta. Sabe que o prazer é o que menos importa na felicidade — como lembra Ortega y Gasset em seu ensaio “Sobre la caza” —, porque a felicidade consiste sempre “numa atuação, numa energia e num esforço”.

2 comentários:

Fábio Fiore disse...

Hemingway tem uma visão parecida, voltada ao esforço, e a felicidade nasce desse prazer.
"Você começa às seis da manhã, digamos, e pode continuar até o meio-dia ou seguir após isso. Quando você termina, está tão esgotado e ao mesmo tempo tão carregado, que é como se estivesse feito amor com alguém que você ama. Nada pode machucá-lo, nada pode acontecer, nada importa até o próximo dia quando você faz isso de novo. A espera até o próximo dia que é a parte difícil.” Hemingway

digo disse...

Grande Hemingway!