Vivemos numa época estranha, na qual, dentre outros fenômenos excêntricos, parte significativa da crítica literária demonstra receio de qualificar, de exercer um julgamento. Como escrevi certa vez, a maior parte dos críticos e resenhistas se protege atrás de um dialeto acadêmico que, ao fim e ao cabo, nada explicita. Há muito de covardia intelectual nesse comportamento – e, percebo, uma boa dose de esperteza macunaímica, que se utiliza da linguagem hermética para se arrogar uma suposta hegemonia científica, disfarçada de imparcialidade, mas que, no fundo, esconde o medo de desagradar, de ferir vaidades.
Nos últimos anos, todos esses sintomas pioraram, pois grande parte dos críticos e resenhistas, seguindo a tendência geral do país, prefere se colocar no papel de pajem da demagogia, do populismo. Assim, eles se esmeram em distribuir análises (sempre análises, nunca julgamentos!) e elogios, como se estes conformassem um tipo curioso de Bolsa Família, a Bolsa Escritor, esmola para agradar copistas que, talvez, preferissem receber sua parte na forma de papel-moeda.
Em épocas assim, o melhor que podemos fazer é nos dedicar à leitura dos melhores críticos, o que nos ajuda a estabelecer uma barreira de lucidez, um filtro capaz de separar a moda passageira daquelas produções que nunca morrerão, às quais a humanidade, de tempos em tempos, sempre retorna, sedenta de verdade, ciência e beleza.
É o caso de William Hazlitt, que tenho relido com imenso prazer, amigo de William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge, mas que não se furtou a criticá-los duramente quando considerou que abdicavam de seus princípios estéticos, aderindo ao fácil, ao senso comum.
Otto Maria Carpeaux considerava Hazlitt um dos três principais intérpretes românticos de Shakespeare, ao lado de August Wilhelm Schlegel e Coleridge. E os leitores de Harold Bloom certamente lembram das inúmeras referências que ele faz a esse crítico cujo valor se iguala ao de outro gênio, Samuel Johnson, do qual Hazlitt não gostava.
Esse inglês é um ironista formidável, cuja linguagem, refinada e sem afetação, nos prende desde a primeira linha. Jacques Barzun diz que Hazlitt só tem um desejo: “fazer-nos leitores tão bons quanto ele”. É a missão que todo verdadeiro crítico literário deveria impor a si mesmo; inclusive porque essa é a única tarefa – extremamente honrosa, essencial para a formação dos leitores e para a vida cultural do país – que lhe cabe. O resto são firulas que alimentam a jactanciosidade no presente, mas estão condenadas a, no futuro, serem completamente esquecidas.
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novembro 26, 2009
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