dezembro 31, 2012

O lugar seguro

A meus amigos, colegas, alunos e leitores, este belo poema de Czeslaw Milosz – para fechar 2012 e abrir 2013 com as mesmas chaves: a da humildade do escritor diante da vida e a do carinho pelas coisas aparentemente triviais:

A condição poética

Como se tivesse em vez de olhos binóculos ao contrário, o mundo
se distancia e pessoas, árvores, ruas, tudo diminui, mas nada,
nada perde a clareza, fica mais denso.

Já tive antes momentos assim, escrevendo poemas; conheço então
a distância, a contemplação desinteressada, sei assumir
um eu que é não-eu, mas agora é sempre assim e me pergunto
o que significa isso, se entrei numa permanente condição poética.

As coisas difíceis antes, agora são fáceis, mas não sinto desejo
forte de transmiti-las por escrito.

Só agora estou sadio, e era doente, porque o meu tempo
galopava e afligia-me o medo do que viria.

A cada momento o espetáculo do mundo é para mim de novo
surpreendente e tão cômico que não entendo como a literatura
podia querer dominá-lo.

Sentindo fisicamente, ao alcance da mão, cada momento, amanso
o sofrimento e não suplico a Deus que queira afastá-lo de mim:
por que o afastaria de mim se não o afasta dos outros?

Sonhei que me encontrava numa estreita borda sobre o oceano
onde se viam nadando enormes peixes marítimos.
Tive medo que, se olhasse, cairia. Virei então,
agarrei-me nas asperezas da parede rochosa,
e movendo-me lentamente, de costas para o mar, cheguei
a um lugar seguro.

Eu era impaciente e irritava-me a perda de tempo com coisas triviais
incluindo entre elas a faxina e a preparação da comida. Agora
corto com cuidado a cebola, espremo os limões, preparo
vários tipos de molho.
 
(Tradução de Ana Cristina César e Grazyna Drabik)

dezembro 29, 2012

“Onde a moderação é um erro, a indiferença é um crime”

A síntese da ética jacobina – e, portanto, da ética esquerdista – foi elaborada por Sébastien-Roch-Nicolas de Chamfort e permanece insuperável até hoje: “Seja meu amigo – ou eu te matarei”. Pude experimentar o acerto dessas palavras nos últimos três meses, período em que lutei, apesar da má vontade de uma minoria, pela prevalência do verdadeiro.

Graças à lucidez da Folha de S. Paulo, os fatos começaram a ser esclarecidos antes mesmo que eu pudesse me manifestar, em dois textos: “Crítico tido como severo é jurado ‘C’ do Jabuti” e “Rodrigo Gurgel, o jurado ‘C’, pagou o pato das gambiarras do regulamento”.

Quando, finalmente, encontrei-me livre para falar, expus meus critérios, também na Folha de S. Paulo, no texto “Depoimento: Jurado ‘C’ explica nota zero dada no Jabuti”.

Logo depois, numa breve entrevista – “Jurado C do Jabuti: ‘Não tentei manipular o resultado’” –, detalhei algumas questões.

Mas nas duas entrevistas seguintes – “‘Meu voto não foi maquiavélico nem quixotesco’, diz Rodrigo Gurgel” e, principalmente, “‘O sistema literário brasileiro está doente’, afirma jurado ‘C’ do Jabuti”, diálogo mantido com o editor do Caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo, jornalista Paulo Werneck – é que pude ir além da questão das notas, à qual se apegaram alguns, para falar dos problemas e deficiências subjacentes em nosso sistema literário, parcialmente revelados pela polêmica.

 
O melhor fecho à polêmica foi publicado em 23 de dezembro, na Folha de S. Paulo: “A luta de James Joyce para reter o presente”, ensaio no qual pude não apenas colocar em prática minha hermenêutica – como faço desde 2006 no Rascunho e, em algumas oportunidades, na Revista Sibila –, mas defender, novamente e de maneira incansável, o que Georg Christoph Lichtenberg afirma: “Onde a moderação é um erro, a indiferença é um crime”.

dezembro 07, 2012

Através da densa névoa...

“Assim, através da densa névoa das dúvidas obscuras do meu espírito, vez ou outra surgem intuições divinas, iluminando-me a neblina com um raio celestial. Agradeço a Deus por isso; pois todos têm dúvidas; muitos negam; mas entre dúvidas e negações, poucos têm ainda intuições. Dúvidas sobre todas as coisas terrenas e intuições de algumas coisas celestiais; essa combinação não faz de ninguém nem crente nem infiel, mas um homem que a ambas estima com os mesmos olhos.” – Moby Dick, Herman Melville

dezembro 06, 2012

Para os meus verdadeiros amigos

“É difícil contentar aqueles que desconhecem o que exigem ou aqueles que exigem propositalmente o que julgam impossível obter.”  Doutor Samuel Johnson