fevereiro 26, 2014

Um tesouro na Feira da Ladra

O universo dos cachimbos é repleto de itinerários sinuosos. Mas nenhuma cilada espera o fumante, a não ser aquelas que ele próprio, por inexperiência, pressa ou desconhecimento, arma contra si mesmo. E à medida que superamos os passos iniciais, os cuidados básicos que cachimbos e tabacos necessitam para nos recompensar – muitas vezes, com um prazer inesperado, surpreendente –, podemos educar nossa sensibilidade dando atenção a detalhes não menos importantes.

Um campo sempre aberto a investigações é o dos acessórios indispensáveis. Todo fumante conhece e usa, por exemplo, a famosa ferramenta tríplice, sem a qual a arte de cachimbar retrocede aos gestos grosseiros e hesitantes do primeiro homem que decidiu saborear fumaça. E uma rápida pesquisa na Web pode mostrar como o design dessa ferramenta básica evoluiu e se diversificou, adquirindo camadas de beleza e funcionalidade que, em muitos casos, transformaram a pipe tool num objeto artístico.

Como afirmei no início, o fumante, com alguns poucos cuidados, pode evitar ciladas. Mas ele jamais conseguirá prever as surpresas que o aguardam – principalmente se, ao seu lado, existe alguém disposto a tornar seu ritual diário ainda mais prazeroso.

Foi o que ocorreu comigo há algumas semanas.

Minha esposa, a principal responsável por eu ter começado a fumar cachimbo, esteve em Lisboa durante alguns dias e, nos intervalos do trabalho, visitou a conhecida Feira da Ladra, cujas origens remontam ao ano de 1272, reunião de vendedores dos mais variados tipos, incluindo os que se dedicam ao comércio de antiguidades. Num tapete estendido sobre a calçada, repleto de quinquilharias, depois de muita insistência e repetidas perguntas ao comerciante idoso, ela encontrou, no fundo de uma caixinha em que se aglomeravam os mais diferentes objetos, esta bela ferramenta:



Nem o próprio vendedor sabia qual a utilidade do estranho conjunto de peças. E quando recebi o presente, recorri, para ter certeza, a alguma pesquisa e a dois experientes amigos da Confraria do Cachimbo, Cláudio Carvalho e Luiz Leal.

Esse instrumento incomum, tão diverso dos tipos que encontramos atualmente, representa uma época em que a pressa e a economia de gestos ainda não eram exigências urbanas. Só o fumante talvez do início do século XX teria uma corrente presa ao colete, na qual poderia levar o relógio e este artefato indispensável ao seu prazer; só esse homem – com tempo disponível para desatarraxar calmamente a tampa, liberar a ponteira em espiral, afofar o tabaco, recolocá-la no interior do socador e fechar o conjunto – disporia de longuíssimos segundos e estaria pronto a gastá-los com prodigalidade.

Mas o inusitado presente não consegue apenas me transportar ao passado. Não. Ele me confirma que o ato de fumar cachimbos é um exercício de paciência no qual a afobação não tem lugar – uma cerimônia que me liberta da azáfama cotidiana, da pressão dos prazos, do atropelo de São Paulo, e me conduz a um espaço de calma e silêncio sem o qual é impossível pensar. Ou melhor, é impossível viver.

fevereiro 24, 2014

Por que estudar a “História da Literatura Ocidental” de Otto Maria Carpeaux?

Carpeaux recusava a história literária que fosse um “mausoléu de falsas celebridades” e pretendia recriar a proposta dos grandes pensadores românticos, como Friedrich Schlegel, partindo do princípio de que “nada do que o tempo criou jamais perde o valor; continua a agir em nós, de modo que o fio cronológico dos fatos é, ao mesmo tempo, a árvore genealógica das obras do Espírito”.

Contra o “mausoléu”, contra uma história literária que fosse apenas recuperação dos acontecimentos literários segundo um fio cronológico e biobibliográfico, Carpeaux propôs um trabalho de síntese que estudasse “a literatura como expressão estilística do Espírito objetivo, autônomo, e ao mesmo tempo como reflexo das situações sociais”. Ele desejava manter a ordem cronológica, mas “só de maneira muito geral”, e apresentar a literatura “conforme os grandes movimentos estilísticos e ideológicos da história espiritual européia”.

Ao seguir esse método, Carpeaux criou a obra paradigmática que analisarei, a partir do próximo dia 12 de março, em meu novo curso: História da Literatura Ocidental — o magnum opus de Otto Maria Carpeaux”. As inscrições estão abertas e todas as informações estão neste link ou diretamente com o Cedet On-line (neste e-mail: livros@cedet.com.br ou neste telefone: 19-3249-0580).

fevereiro 13, 2014

Friedrich Schlegel, o pensador ao qual devemos sempre retornar

Imperativo categórico da genialidade

Gênio não é certamente questão de arbítrio, mas de liberdade, como chiste, amor e crença, que um dia terão de se tornar artes e ciências. Deve-se exigir gênio de todo mundo, mas sem contar com ele. Um kantiano chamaria isso de imperativo categórico da genialidade.

Aprender com os clássicos

Um escrito clássico jamais tem de poder ser totalmente entendido. Aqueles que são cultos e se cultivam têm, no entanto, de querer aprender sempre mais com ele.

Diálogos socráticos

Os romances são os diálogos socráticos de nossa época. Nessa forma liberal, a sabedoria da vida se refugiou da sabedoria escolar.

Limites

Quem ainda não chegou ao claro conhecimento de que, inteiramente fora de sua própria esfera, ainda pode haver uma grandeza para a qual lhe falta completamente o sentido; quem nem ao menos tem pressentimentos obscuros da região cósmica do espírito humano onde essa grandeza pode aproximadamente ser localizada: este é ou sem gênio em sua esfera, ou ainda não chegou, em sua formação, até aquilo que é clássico.

Escritor x autor

Quantos autores há entre os escritores? Autor quer dizer criador.

fevereiro 12, 2014

Saramago, o escritor predileto dos doutrinadores esquerdistas

Um amigo me conta que, na escola em que seu filho estuda, no 3º ano do Ensino Médio, os professores de Filosofia, Sociologia e Literatura solicitaram obras de José Saramago. Ao questionar a coordenação pedagógica — por que tantas obras de um mesmo autor exatamente no ano que antecede os vestibulares? —, meu amigo escutou a mais esfarrapada das respostas: “Foi tudo coincidência, devido à pouca comunicação entre os professores que elaboraram o currículo deste ano”.

Três professores, de três matérias, escolhem livros de um autor sem nenhuma preocupação metafísica, anti-religioso, anticatólico, marxista de carteirinha, defensor de ditaduras comunistas e de regimes populistas e demagógicos — e a coordenação da escola quer que um pai preocupado com a educação do seu filho acredite numa “coincidência”?

A mentira e a doutrinação esquerdista são evidentes. Escancaradas. E meu amigo é um pai solitário, sozinho a gritar num oceano de pais desavisados, ignorantes ou irresponsáveis. Um rebanho de pais ingênuos que entregam a inteligência e o espírito de seus filhos nas mãos de militantes petistas cuja última preocupação é ensinar.

Quanto à qualidade literária de Saramago, fico com a avaliação do editor português Guilherme Valente: “Saramago é, quanto a mim, um escritor engenhoso, mas elementar e habilmente lamecha, que, em termos de idéias, escreve e fala para um público pouco culto, cuja ignorância explora, para cujos juízos mal informados, ideológicos, sectários ou primários apela, obscurecendo, em vez de iluminar”.

fevereiro 05, 2014

Desejo de ficção – Oliveira Vianna e “O Ocaso do Império”

Na edição deste mês do jornal Rascunho escrevo sobre esse ensaio histórico que não idolatra o povo, as instituições, os partidos ou as personagens, mas nos apresenta uma trama desafortunada, retrato da imaturidade de um país que ainda cambaleia sob o peso de instituições frágeis e políticos oportunistas. Com ironia e cultura, sem a linguagem hermética e pedante dos que se apóiam em academicismos, Oliveira Vianna nos faz desejar que tudo, incluindo o presente, seja apenas ficção.