setembro 21, 2007


A descoberta


O céu da manhã está encoberto. A primeira percepção é de que não há sol. Vejo-me, ainda criança, no quintal da casa de minha bisavó, à procura de algo. Ela, no seu imutável vestido negro, altiva, orgulhosa, pronta a educar-me nas mínimas oportunidades, me observa, de pé no alto da escada que leva à cozinha. A cena tem tantos detalhes – o tanque em desuso à direita; o canteiro circular no centro, com as roseiras; o corredor lateral que leva à entrada –, tantas recordações miúdas, observadas enquanto vejo a criança brincar, que imediatamente penso se não seria esse o melhor início para um livro de memórias. Há um único gesto surpreendente, no final: arranco, de sob a soleira da porta do porão, um ramo seco, semelhante a uma forquilha. Experimento um júbilo incontrolável, pois se trata de um tesouro, sem dúvida, cujos poderes não posso conceber. Ergo os galhos retos, compridos, pálidos e pontiagudos, balanço a descoberta no ar, pleno de satisfação – e minha bisavó sorri, não de qualquer jeito, mas tenho certeza que ela pensa: "Finalmente, ele encontrou. Agora tudo está bem". De sonhos assim, nos quais me sinto recompensado pelas matriarcas que me educaram, eu jamais deveria acordar.

setembro 19, 2007

Adriana Lisboa e Santiago Roncagliolo


Na edição deste mês do jornal Rascunho, publico duas críticas: analiso a delicada noveleta de Adriana Lisboa, Rakushisha, e o thriller Abril vermelho, de Santiago Roncagliolo; ambos boas surpresas.

Mas há outras ótimas resenhas no especial dedicado à literatura latino-americana, entre elas, "Do amor e outros demônios", de Gregório Dantas, sobre o romance O passado, de Alan Pauls, e "Ponto de harmonia", de Jonas Lopes, sobre A cidade e os cachorros e Pantaleão e as visitadoras, de Mario Vargas Llosa.

setembro 06, 2007

Luciano Pavarotti


Rendeu-se ao show business, é verdade, e transformou sua arte, muitas vezes, num arremedo de canto lírico. Mas deu o melhor de si a centenas de platéias, emocionou multidões e tornou a vida um pouco mais suportável. Sua voz tinha rara abrangência de tons, o que lhe permitiu manter um diversificadíssimo repertório. No futuro, a aura de canastrão que o mercado lhe pespegou desaparecerá - e ele terá um lugar entre os grandes.







setembro 05, 2007

Anna Bessonova


Não se trata apenas de técnica, músculos ou preparo físico. Aqui, falamos de harmonia, graciosidade, leveza, ritmo, equilíbrio, porte, elegância. Ou seja, falamos de cultura, civilização. Talvez, um dia, cheguemos perto disso. Talvez, um dia, deixemos de ser um arraial de tropeiros, um clube de escroques. Um dia, com certeza ainda muito distante.