novembro 22, 2007


O fetichista e a adúltera


Na edição do jornal Rascunho deste mês, escrevo sobre Flaubert e seu Madame Bovary:

Flaubert não estabeleceu apenas um método de trabalho. Sim, ele sabia que "todo talento de escrever não consiste senão na escolha das palavras. É a precisão que faz a força" - diz a Louise Colet, a 22 de julho de 1852. Mas não se tratou somente de disciplina. Flaubert tinha consciência das correntes que o prendiam, maiores que os seus próprios limites. Sabia que a expressão humana é claudicante, falha, imperfeita; que há um abismo separando a idéia e o discurso, a emoção e a palavra. O narrador de Madame Bovary conclui em certo trecho que "a palavra humana é como um caldeirão rachado, no qual batemos melodias próprias para fazer dançar os ursos, quando desejaríamos enternecer as estrelas". Ter a clara consciência da imperfeição, da rudeza dos meios humanos, do idioma, e ainda assim persistir, demanda mais que obediência a um método: exige obsessão, exige viver em um mórbido estado de vigilância e pesquisa, cuja primeira conseqüência é a solidão, e, logo a seguir, a visão fatal de seus semelhantes como uma horda de estúpidos e insensíveis.

novembro 15, 2007

Obscurantismo


Apenas para ratificar o que publiquei ontem neste espaço, reproduzo uma nota presente na edição de hoje do jornal Folha de S. Paulo:

LITERATURA: IRÃ VETA PUBLICAÇÃO DE LIVRO DE GARCÍA MÁRQUEZ
A reedição da novela "Memórias de Minhas Putas Tristes", de Gabriel García Márquez, foi proibida pelo governo iraniano. Um funcionário do Ministério da Cultura local disse que "a publicação do livro foi um erro". O último livro de Márquez foi traduzido para o persa e lançado no Irã há três semanas. A versão traduzida substitui a palavra "prostituta" por "minha beleza".

novembro 14, 2007

Terrorismo e religião


Coloco, a seguir, um trecho do livro As religiões assassinas, de Eli Barnavi, infelizmente ainda não traduzido no Brasil. Poucas vezes encontrei tanto equilíbrio ao tratar de um tema que costuma despertar paixões radicais. Ler não só o trecho abaixo, mas o longo excerto disponível na web, nos faz entender por que os valores da civilização fundada na Velha Europa, da qual somos herdeiros, são, no mínimo, imprescindíveis:

Cuanto más envejezco, más me convenzo de que la verdadera infraestructura de las sociedades es mental – ése es el caso del Islam, o más bien de la versión cerrada, exclusivista y autocentrada del Islam que acabó por imponerse en la Edad Media. La lectura de los informes anuales del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), redactados por intelectuales árabes, es literalmente asombrosa. Por ejemplo, nos enteramos de que, en diez siglos, el mundo árabe-musulmán ¡ha traducido menos obras extranjeras que la España de hoy en en un solo año! Censura política y religiosa, falta de curiosidad, desprecio por lo que se hace en otras partes, todo se combina para transformar a una civilización antaño brillante y dominante en un vasto gueto libremente elegido y desgajado del resto del mundo. En torno al año 1000, el árabe era la lengua científica por excelencia, hasta el punto de que el filósofo y sabio judío Maimónides decía estar persuadido de que únicamente se podía razonar en esa lengua. Hoy, prácticamente ya no se pueden enseñar las ciencias en árabe y los diplomas de las universidades del mundo musulmán no valen ni el papel en el que están impresos. Esto es lo que dice de las universidades de su país Pervez Hoodbhoy, profesor de física nuclear en la universidad Quaid-e-Azam de Islamabad, en el Global Agenda 2006, el boletín del último Foro de la economía mundial de Davos: “Las universidades públicas de Pakistán y, con alguna excepción las privadas, son ruinas intelectuales y sus diplomas carecen prácticamente de valor. Según el Consejo pakistaní para la Ciencia y la Tecnología, los pakistaníes únicamente han logrado registrar ocho patentes internacionales en cincuenta y siete años”. Claro está, Pakistán sólo es un ejemplo entre otros, y no forzosamente el peor: “Es casi imposible”, prosigue el sabio pakistaní, “encontrar un nombre musulmán en las revistas científicas. La contribución de los musulmanes a la ciencia pura y aplicada, medida en términos de descubrimientos, de publicaciones y de patentes, es insignificante. La cruda realidad es que hace siglos que la ciencia y el Islam van cada uno por su lado. En resumen, la experiencia científica musulmana consiste en una edad de oro desde el siglo IX hasta el siglo XIV, a la que sigue un largo eclipse; en un modesto renacimiento en el siglo XIX; por último, en los últimos decenios del siglo XX, en un foso aparentemente infranqueable entre Islam de un lado, ciencia y modernidad del otro. Este foso, así lo parece, no deja de acrecentarse”.

novembro 10, 2007


Um final farsesco


Acabo de ler As Benevolentes, de Jonathan Littell. Decepcionante, para dizer o mínimo. O autor consegue destruir, nas páginas finais, um belo romance. Da página 882 em diante, até a última linha, na página 896, o castelo que ganhou o Goncourt de 2006 desmorona. A weltanschauung do jurista e oficial da SS Maximilian Aube, sua formidável personalidade, dividida entre o cinismo, a culpa, a neurose, a obediência cega, a paixão pela irmã e uma rara capacidade de auto-análise, tudo vem abaixo, num formidável e inesquecível gesto de desrespeito pelo leitor, que se vê transportado, subitamente, a uma verdadeira farsa. Assim, as quase 900 páginas tornam-se uma ardilosa mentira, um embuste. E a obra que poderia ser, como apregoaram os exaltados de sempre, um novo Guerra e paz, transforma-se numa estupidez pueril, numa pilhéria. Se há, como propôs Wayne Booth, uma "ética da ficção", ela deveria ser esfregada nas fuças de Littell. Aliás, agora percebo que 99% do que li sobre o livro na imprensa brasileira e internacional foi escrito por pessoas que não leram a obra até o fim. Ou seja, o autor é só o primeiro agente desse engodo editorial.

novembro 08, 2007


Sêneca


Argumentum pessimi turba est.