dezembro 31, 2013

Poema para 2014


Aos familiares, amigos, alunos e leitores, meu agradecimento por tudo que partilhamos no ano que termina. Agradeço a Deus por ter-me concedido a companhia e a amizade de pessoas valorosas, que me fizeram lembrar, a cada encontro, a cada diálogo, a cada mensagem recebida, a prece que Ortega y Gasset fazia ao acordar: “¡Señor, despiértanos alegres y danos conocimiento!”. A todos vocês, ofereço este poema de Antonio Machado, que me acompanha há muitos anos e sempre me inspira, nos bons momentos e nas dificuldades. Fraternal abraço e feliz 2014!
 
Consejos

Sabe esperar, aguarda que la mar fluya
– así en la costa un barco – sin que el partir te inquiete.
Todo el que aguarda sabe que la victoria es suya;
porque la vida es larga y el arte es un juguete.
Y si la vida es corta
y no llega la mar a tu galera,
aguarda sin partir y siempre espera,
que el arte es largo y, además, no importa.

dezembro 30, 2013

O prazer do fim esconde a alegria do reinício

Acabo de colocar o ponto final no livro que será publicado nos próximos meses, continuação de Muita Retórica – Pouca Literatura (de Alencar a Graça Aranha).

Constam, do novo volume, livros das duas décadas iniciais do século XX, período que nossos estudiosos se acostumaram a tratar como Pré-Modernismo, conceito impregnado de confusão, que se liquefaz quanto mais estudamos os escritores ali enfiados.

De Júlia Lopes de Almeida a Jackson de Figueiredo, passando por Euclides da Cunha, Coelho Neto, Simões Lopes Neto, Olavo Bilac, Lima Barreto e Monteiro Lobato, escrevo sobre autores injustamente esquecidos ou, pior, superestimados.

A tarefa, na sua totalidade, está longe de ser cumprida, pois o projeto de reler a prosa brasileira se estende até a década de 1970. Ou seja, dizer “ponto final” revela o prazer de uma parcela de trabalho concluída e a alegria do reinício. Para comemorar, abrirei uma lata de Irish Flake, guardada há meses para esta data, e encherei o fornilho do meu Savinelli Roma.

Feliz 2014, caros leitores!

dezembro 27, 2013

Tolkien e a alegria do cachimbo

Vários elementos me impressionam no vídeo abaixo, publicado por um amigo do Facebook: graças à intimidade que J. R. R. Tolkien alcançou com o cachimbo, acendê-lo é um conjunto de gestos descontraídos. São poucos segundos, mas o deleite — incontestável, estampado num crescendo de alegria — atinge seu máximo no olhar que brilha diante da delicada fumaça, na mão que se agita no ar com delicadeza, no sorriso final.

Contudo, quem conhece a vida e a obra de Tolkien sabe que há muito mais nesse início de fumada: vejo um homem que valoriza as pequenas coisas do cotidiano; um homem que descobriu a mais básica das lições: não fugir de nossos medos só aumenta a nossa própria força; um homem para quem viver pela fé inclui a chamada a algo maior do que apenas lutar, de forma covarde, pela autopreservação. 

Enquanto a fumaça teima em não se dissipar, como se partilhasse do sorriso de Tolkien, vejo a satisfação de um homem consciente de que nossa única tarefa é decidir, com sabedoria, o que fazer com o tempo que nos é dado — e o principal: que até mesmo uma pequena pessoa, aparentemente inútil, pode mudar o curso do futuro. Principalmente, é claro, se ela conceder a si mesma o prazer de fumar um cachimbo.

dezembro 20, 2013

Vejamos o Verbo

De todas as mensagens de Natal que tenho recebido, a do ilustrador, cartunista e autor de HQs João Spacca foi a que mais me emocionou. Com a inestimável ajuda do Padre Antônio Vieira, Spacca sintetiza o mistério e a novidade do Natal. O Verbo que se deixa ver ressurge no verbo desse orador sacro que repudiava a retórica vazia e pomposa, típica da literatura brasileira. O Verbo do Deus cujo dizer é fazer renasce, graças ao traço de Spacca, na “designação precisa e inconfundível das coisas” do estilo de Vieira, como bem o definiu Amadeu Amaral. Deixo vocês com as imagens e desejo a todos um Santo Natal.


dezembro 13, 2013

A hora para reler Eliot

Por que voltar aos ensaios de T. S. Eliot? Foi o que me perguntei quando selecionava os textos que pretendia analisar no curso “A Descoberta do Ensaio”. Os trechos abaixo, retirados de “O que é um clássico?” – originalmente escrito como um discurso à Virgil Society, proferido em 1944 –, respondem à pergunta; e também corroboram o que Russell Kirk disse a respeito de Eliot: “É possível que em uma distante época futura, quando a história do século XX parecer bárbara e desconcertante como as crônicas da Escócia medieval, a aguda perspicácia de Eliot deva ser lembrada como a luz mais clara que resistiu às trevas universais”. Pensamento que me leva a repetir o que afirmo a alguns amigos: esta é a hora para reler Eliot.

Evolução da língua e maturidade da literatura

A maturidade de uma literatura é um reflexo da sociedade dentro da qual ela se manifesta: um autor individual – especialmente Shakespeare e Virgílio – pode fazer muito para desenvolver sua língua, mas não pode conduzir essa língua à maturidade a menos que a obra de seus antecessores a tenha preparado para seu retoque final. Por conseguinte, uma literatura amadurecida tem uma história atrás de si – uma história que não é apenas uma crônica, um acúmulo de manuscritos e textos dessa espécie, mas uma ordenada, embora inconsciente, evolução de uma língua capaz de realizar suas próprias potencialidades dentro de suas próprias limitações.

Criatividade

A persistência da criatividade em qualquer povo consiste [...] na manutenção de um equilíbrio coletivo entre a tradição no sentido mais amplo – a personalidade coletiva, por assim dizer, consubstanciada na literatura do passado – e a originalidade da geração que se encontra viva.

Presente, passado e futuro

[...] Enquanto estivermos dentro de uma literatura, enquanto falarmos a mesma língua e tivermos fundamentalmente a mesma cultura que produziu a literatura do passado, desejaremos conservar duas coisas: o orgulho de que nossa literatura já se cumpriu e a crença de que pode ainda cumprir-se no futuro. Se deixássemos de acreditar no futuro, o passado deixaria de ser plenamente o nosso passado: tornar-se-ia o passado de uma civilização morta.

Nefasto provincianismo
Em nossa época, quando os homens parecem mais do que propensos a confundir sabedoria com conhecimento, e conhecimento com informação, e a tentar resolver problemas da vida em termos de engenharia, começa a emergir na existência uma nova espécie de provincianismo que talvez mereça um novo nome. É um provincianismo, não de espaço, mas de tempo, aquele para o qual a história é simplesmente a crônica dos projetos humanos que têm estado a serviço de suas reviravoltas e que foram reduzidos à sucata, aquele para o qual o mundo constitui a propriedade exclusiva dos vivos, a propriedade da qual os mortos não partilham.

dezembro 05, 2013

Equívocos e retórica – Jackson de Figueiredo e “Literatura reacionária”

No Rascunho deste mês, analiso a coletânea de artigos publicada por Jackson de Figueiredo (acima, na ilustração de Leandro Valentim) em 1924: Literatura reacionária. Descontados os equívocos estéticos e políticos, além do texto muitas vezes enfadonho, é possível encontrar, com uma pinça, trechos atuais e instigantes. Para quem se interessar, meu ensaio está aqui. A análise sobre Jackson de Figueiredo encerra a segunda parte da minha revisão dos prosadores brasileiros, iniciada com a esquecida romancista Júlia Lopes de Almeida. A primeira já está publicada, no livro Muita retórica - Pouca literatura (de Alencar a Graça Aranha).