janeiro 04, 2010

O mito da participação política

O professor Desidério Murcho nos oferece novas reflexões provocadoras. Em seu mais recente artigo, Murcho pergunta se não estaríamos chegando ao fim da política, um tempo no qual as sociedades mais evoluídas – o professor não se refere, portanto, aos países que vivem sob os regimes populistas de Lula, Chávez e Morales, por exemplo – começam a perceber que os processos democráticos são apenas grandes ilusões. O que vocês acham?

Este é um dos bons trechos do artigo:

Um interesse intenso pela vida política só faz sentido para a generalidade das pessoas quando o conforto da sua vida privada está em risco, ou quando têm a esperança de que uma mudança política terá resultados importantes para a qualidade da sua vida privada. A partir do momento em que o barco está no bom caminho, digamos assim, as pessoas desinteressam-se. E penso que se não fosse a retórica da cidadania a generalidade das pessoas assumiria o seu interesse meramente instrumental na política. A questão é: o que há de errado nessa atitude? Usando a metáfora da República de Platão, defender a democracia é defender que toda a gente num navio deve ir dar dicas ao capitão sobre a maneira de manobrar o navio. Platão argumentava que isto é uma tolice porque a generalidade das pessoas não sabe manobrar navios. O pensamento democrático fica horrorizado com isto e insiste na rotatividade política e na participação aristotélica de todos nas manobras, ainda que indirectamente, através do voto e da imprensa livre. Mas aparentemente Platão conhecia melhor a natureza humana; não se trata de impedir toda a gente de mandar bocas sobre as manobras do navio. Trata-se, ao invés, de a generalidade das pessoas não estar interessada nisso — desde que o capitão demonstre a sua competência.