setembro 30, 2010

A arte da leitura

"É preciso ler num estado de espera, como se acompanha com os olhos, na saída de uma estação ferroviária, a leva de passageiros em que se funde um amigo."

- A vida intelectual - seu espírito, suas condições, seus métodos, de Antonin-Dalmace Sertillanges (É Realizações Editora).

"Leio de tudo e, seguindo o conselho básico de Nabokov, também releio"

Colhi no sempre ótimo Não gosto de plágio esta entrevista com Jorio Dauster, um dos nossos principais tradutores. Um trechinho:

Eu tenho amor às letras. Ao contrário de Castro Alves, que num poema afirmou “eu sinto em mim o borbulhar do gênio”, nunca me subiu das entranhas a ânsia de dizer algo novo ou de forma diferente, a meu juízo a única boa razão para alguém desejar ser escritor. Sendo assim, adotei com muito orgulho o prazer vicário de trazer para o vernáculo aquilo que alguém produzira de modo notável em outro idioma – gente como Vladimir Nabokov, J.D. Salinger, Thomas Pynchon, Philip Roth e Ian McEwan, que devem figurar em qualquer seleção dos maiores das últimas décadas.

Inconsistência

Brincadeiras desse tipo podem ser definidas com uma só palavra: bobagem.

Neste momento, somos 57.640

O número de pessoas que assinaram o Manifesto em Defesa da Democracia continua crescendo. Se você, caro leitor, ainda não assinou, clique aqui.

setembro 25, 2010

Desmando e autoglorificação

Nada tenho a acrescentar ao editorial de O Estado de S. Paulo, a não ser o que afirmou meu amigo Jonas Lopes: "comemoremos a honestidade e o bom senso" do Estadão.

O mal a evitar

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

setembro 23, 2010

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos



Manifesto em Defesa da Democracia

Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o Presidente não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

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Caro leitor: se você, como eu, defende as mesmas ideias, assine a petição online.

setembro 03, 2010

Recado de Borges aos críticos e escritores herméticos

Quando comecei a escrever, pensei que tudo devia ser definido pelo escritor. Dizer, por exemplo, «a lua» era estritamente proibido; era necessário encontrar um adjectivo, um epíteto para a lua. (Claro que eu estou a simplificar as coisas. Sei disso porque escrevi por diversas vezes La luna, mas isto é uma espécie de símbolo que eu fazia.) Bem, eu pensava que tudo tinha de ser definido e que não podiam ser usadas frases com fórmulas comuns. Eu nunca teria dito; fulano de tal entrou e sentou-se, porque isso era demasiado simples e demasiado fácil. Pensei que tinha de encontrar uma forma interessante de o dizer. Agora, descobri que esse tipo de coisas, em geral, é um aborrecimento para o leitor. Mas julgo que a raiz da questão reside no facto de que quando um escritor é jovem sente, de certa forma, que aquilo que vai dizer é bastante tolo ou óbvio, um lugar-comum, e por isso tenta escondê-lo sob uma ornamentação barroca; ou, se não for isso, caso ele se mostre moderno, faz o contrário: põe-se permanentemente a inventar palavras ou a referir-se a aviões, a comboios ou ao telégrafo e ao telefone porque está a fazer tudo o que pode para ser moderno. Depois, à medida que o tempo passa, sentimos que as nossas ideias, boas ou más, devem tentar passar essa ideia ou esse sentimento ou esse estado de espírito para o leitor. Se, ao mesmo tempo, estamos a tentar ser, digamos, um Sir Thomas Browne ou um Ezra Pound, então é impossível. Por isso acho que um escritor começa sempre por ser demasiado complicado – está a jogar diversas partidas em simultâneo. Quer proporcionar um determinado estado de espírito; ao mesmo tempo tem de ser contemporâneo, e se não for contemporâneo, então é um reaccionário e um clássico. Quanto ao vocabulário, a primeira coisa que um jovem escritor decide fazer, pelo menos neste país, é mostrar aos seus leitores que possui um dicionário, que conhece todos os sinónimos de uma palavra […]

Jorge Luis Borges em Entrevistas da Paris Review

(Do ótimo Pó dos Livros.)