novembro 28, 2012

A ilha no Lago de Innisfree

Sim, partirei já, partirei para Innisfree,
E aí uma pequena cabana edificarei, uma cabana de argila e canas:
Plantarei nove renques de feijão e haverá uma colmeia,
E solitário entre o rumor das abelhas viverei.

E alguma paz desfrutarei, porque como lenta gota é a paz,
Desprendendo-se dos véus da manhã até ao lugar onde o grilo canta;
Eis aí a meia-noite de esplendor, o meio-dia de fulgurante púrpura,
E uma plenitude de asas cantantes o entardecer.

Ergo-me e vou, parto com a noite, parto com o dia,
Ouço as águas do lago, o seu murmúrio junto à costa;
Seja pelos caminhos, seja pelas sombrias ruas,
Ouço esse murmúrio no mais fundo do coração.

W. B. Yeats
(tradução de José Agostinho Baptista)

novembro 25, 2012

O “Cogito” Agostiniano

Pois nós somos e sabemos o que somos, e amamos o nosso ser e o nosso conhecimento. E estamos seguros da verdade destas três coisas. Pois não é como os objetos de nossos sentidos que podem nos enganar por uma noção falsa. Estou absolutamente certo por mim mesmo que eu sou, que eu conheço e que eu amo meu ser. Não temo tampouco aqui os argumentos dos Acadêmicos, mesmo que me digam: Mas vós vos enganais! Pois se me engano é porque existo, pois ninguém pode se enganar se não existe. E uma vez que eu exista, eu que me engano, de que maneira eu posso me enganar crendo que eu existo, visto que é certo que eu existo se me engano? Assim dado que seria sempre eu que estaria enganado, quando fosse verdade que eu me enganasse, é indubitável que eu não posso me enganar quando creio que existo.
 
A Cidade de Deus XI, 26

novembro 19, 2012

“O ensaísta que queria ser mágico”

Há alguns dias, fui entrevistado, para o portal de notícias Oa Jundiaí, por Ricardo Nassif, amigo do meu tempo de ginásio no Colégio José Romeiro Pereira (carinhosamente chamado de Geva por todos que ali estudaram e pelos moradores de minha cidade natal, Jundiaí). Ricardo hoje é gerente de projetos em instrumentação astronômica no Laboratório Nacional de Astrofísica, mas, graças à Internet, seguimos conversando, exatamente como nos tempos de colégio. A entrevista – em que falamos sobre meu livro, Muita retórica – Pouca literaturasaiu hoje, com edição de outro grande amigo, Flavio Gut, que também estudou conosco no Geva e, anos mais tarde, foi meu diretor de Redação durante o período em que o Jornal de Jundiaí (JJ) fazia, com inusitada coragem, jornalismo independente. O resultado pode ser lido aqui: “Rodrigo Gurgel, o ensaísta que queria ser mágico”.

novembro 18, 2012

O que importa é ser “cool”

Pessoas que chegam à maturidade e lutam para não ter certezas destilam melancolia. Encontro-as sempre – e quanto mais intelectualizado o grupinho, mais estão presentes, sorrisos largos, abertos em exagero, semelhantes a um decalque pronto a descolar, incapaz de suster os olhinhos reluzentes que imploram um tiquinho de atenção. São quarentonas, as rugas em volta dos olhos não enganam, mas vestem-se como crianças, eternas escolares. Há o tipo básico feminino: cabelo mal penteado, sapatinho boneca, saia acima do joelho – e o discurso relativista, a cansativa repetição das fórmulas que todos encontram, com uma passada de olhos, em Sartre, Foucault e Deleuze. Mas sob as palavras, só angústia. A cada noite, o vazio que defendem em seu blá-blá-blá decorado esmaga-as sem dó nem piedade. No dia seguinte estão lá, um pouco trêmulas, sempre incapazes de pensar contra a corrente. A verdade pode fazê-las tropeçar na próxima esquina, mas não importa. O que importa é ser cool.

novembro 08, 2012

Jacques Barzun e as convenções do Intelecto

Graças ao meu caro amigo Bruno Garschagen, que disponibilizou hoje em seu blog a resenha de João Pereira Coutinho sobre Jacques Barzun, falecido no último 25 de outubro, fui rever os livros que tenho desse grande ensaísta, magnífico historiador das ideias e da cultura. Lá está, sublinhado em minha edição de A Casa do Intelecto:

O Intelecto é o grande unificador da mente consigo mesma e com a mente dos demais. Na arte, é o Intelecto que, implícita ou explicitamente, alça a obra da delicadeza ou do virtuosismo para o que os pósteros chamam de profundidade ou grandeza. Na sociedade, são as convenções do Intelecto que permitem a discussão – e não a luta; a reciprocidade – e não o capricho infantil; a tradição – e não o perpétuo começar de novo.
 
Verdades para as quais parcela da nova geração de escritores e intelectuais – principalmente aqueles que, sabiamente, se distanciam do marxismo e do niilismo – começa, ainda bem, a acordar.

novembro 07, 2012

Simões Lopes Neto: o narrador ideal de Walter Benjamin


A “Mboitatá” é a narrativa mais admirável. Simões Lopes Neto conseguiu criar um exemplo perfeito de sintetismo, construindo-o por meio de elementos que, de forma reiterada, transportam-nos ao universo mítico. Numa cosmologia primitiva, a longa noite está instaurada — e o que veio antes dela permanecerá incógnito. O homem, anulado diante do cosmo que se desorganizou, encontra-se no anti-gênesis. Estamos in illo tempore: um passado indefinido, em meio ao caos. A desordem absoluta, que enche de pavor homens e animais, favorece o surgimento do prodígio maléfico: a serpente que devora olhos.

– Este é um trecho do ensaio que publiquei na edição deste mês do jornal Rascunho, em que analiso a obra Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto.

novembro 03, 2012

À disposição do fogo

“Sei o quanto é árduo. Para alcançar um estado de ânimo profundo e sincero há necessidade de algo. São tantas as pequenas cruzes que nos impedem de alcançar a nudez e a verdadeira essência da nossa visão. Parece bobagem, não? Penso com frequência que se deveria poder rezar antes de trabalhar, e depois confiar tudo à graça de Deus. Que coisa árdua, realmente, que difícil trabalho conseguir chegar ao corpo a corpo com a própria imaginação, lançar tudo ao mar! Sinto-me sempre como se estivesse nu e à disposição do fogo que o Onipotente fará fluir através de mim: sensação um pouco assustadora. Deve-se possuir tal religiosidade para ser artista! Penso muitas vezes no meu caro São Lourenço, preso à sua grelha, quando disse: ‘Virem-me para o outro lado, pois este já está cozido’.”

– De uma carta de D. H. Lawrence a Ernest Collings

novembro 02, 2012

Poema para Finados

Era un niño que soñaba
un caballo de cartón.
Abrió lós ojos el niño
y el caballito no vio.
Con un caballito blanco
el niño volvió a soñar;
y por la crin lo cogía...
Ahora no te escaparás!
Apenas lo hubo cogido,
el niño se despertó.
Tenía el puño cerrado.
El caballito voló!
Quedóse el niño muy serio
pensando que nos es verdad
un caballito soñado.
Y ya no volvió a soñar.
Pero el niño se hizo mozo
y el mozo tuvo un amor,
y a su amada le decía:
Tú eres de verdad o no?
Cuando el mozo se hizo viejo
pensaba: todo es soñar,
el caballito soñado
y el caballo de verdad.
Y cuando vino la muerte,
el viejo a su corazón
preguntaba: Tú eres sueño?
Quién sabe si despertó!

Antonio Machado (Campos de Castilla, CXXXVII, Parábolas, I)