Há poucos meses, uma declaração de George Steiner provocou polêmica na Europa. Steiner teria dito que “é muito fácil sentar-se aqui, nesta casa, e dizer: ‘– O racismo é horrível!’. Mas pergunte-me o mesmo se uma família de jamaicanos se mudar para a casa ao lado com seis filhos que escutam reggae e rock and roll o dia inteiro [...]”. O grande ensaísta terminava a afirmação salientando o fato de que, caso tal família se tornasse sua vizinha, seu próprio imóvel perderia, com certeza, grande parte do valor.
Vivendo sob o império do politicamente correto, Steiner foi acusado, é claro, de racismo. Os intelectuais de esquerda ficariam felizes se ele tivesse dito que, no caso de um dia ter vizinhos desse tipo, se submeteria de bom grado à barulheira, recusando o direito de desfrutar do silêncio em nome de viver uma inusitada experiência multicultural. E que, quando fosse avisado sobre a deterioração do valor de seu imóvel, o transformaria, com prazer, num abrigo para imigrantes desempregados.
São tempos estranhos e inseguros os nossos, pois, segundo a opinião de muitos, deveríamos nos dar por felizes quando temos o bem-estar e o silêncio violentados – ou quando a propriedade que adquirimos com imensos sacrifícios é desvalorizada da noite para o dia. No entanto, sabemos que todo o problema nasceu do exemplo citado por Steiner: se, no lugar de “jamaicanos”, tivesse dito “portugueses” ou “austríacos”, sem citar nenhum estilo de música em especial, poucos reclamariam.
David Hume não sofria esse tipo de patrulhamento. Em seu ensaio Da simplicidade e do requinte na maneira de escrever pôde afirmar, sem receio, que “os gracejos de um aguadeiro, as observações de um camponês e a linguagem confusa de um carregador ou de um cocheiro de praça são coisas naturais e desagradáveis, simultaneamente”. O exemplo não foi gratuito. Hume o utiliza para defender uma tese simples: a literatura que apenas reproduz a realidade, que é uma cópia fiel do real, é, no mínimo, insípida.
Ele também critica o oposto: os escritores que recorrem a ornamentos estilísticos quando o assunto de que tratam não comporta tais maneirismos. Buscando um “meio termo justo entre os excessos de requinte e de simplicidade”, ele afirma, no entanto, “ser difícil, senão impossível, explicar por palavras” como chegar a tal equilíbrio. Mas salienta que o “exagero do requinte, além de ser o extremo menos ‘belo’, é o mais ‘perigoso’”.
Suspeito, entretanto, que o filósofo escreveria de outra forma se vivesse hoje no Brasil. Imagino-o suplicando aos escritores para que parassem de escrever como aguadeiros, camponeses, carregadores e cocheiros. E, repetindo novamente a lição de Joseph Addison, diria: “Escrevam com sentimentos naturais, mas que não sejam óbvios”.
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maio 11, 2009
George Steiner e David Hume
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