outubro 31, 2009

Tranquilidade


Minhas preferências musicais se inclinam sempre na direção da música de câmara e dos lieder. Não que eu desgoste das grandes sinfonias, mas, antes, prefiro os concertos; e, em primeiro lugar, os pequenos grupos de executantes, que me proporcionam uma agradável sensação de aconchego, tranquilidade. No caso da música lírica ocorre o mesmo: aprecio a ópera, mas os lieder e os duetos, íntimos, breves e líricos, me cativam. Hoje, desde o início da manhã, escuto Marilyn Schmiege e Julie Kaufmann interpretando as deliciosas canções de Brahms, o que torna a vida, no mínimo, mais suportável.

outubro 30, 2009

Um aperitivo

A Editora Cosac Naify disponibilizou, no início deste mês, algumas páginas da tradução de Guerra e paz, de Liev Tolstói, que Rubens Figueiredo está produzindo.

Será terrível esperar até fins de 2010 pelo livro, mas, olhando para o que o tradutor nos ofereceu em Anna Kariênina, minhas expectativas serão plenamente recompensadas.

outubro 28, 2009

Narratofobia

No Rascunho deste mês, meu ensaio sobre a paúra de narrar:

[...] parte da produção literária distanciou-se radicalmente do receptor da mensagem, do leitor, transformando-o em um ser incapacitado para decodificar o texto, condenando-o a ler sem entender, ou ler defrontando-se com dificuldades sobre dificuldades.

outubro 24, 2009

A lucidez de Guilherme Valente

Um dos mais respeitáveis editores de língua portuguesa, Guilherme Valente, editor da famosa Gradiva, de Portugal, critica José Saramago. E o faz com extrema acuidade:

Saramago é, quanto a mim, um escritor engenhoso, mas elementar e habilmente lamecha, que, em termos de ideias, escreve e fala para um público pouco culto, cuja ignorância explora, para cujos juízos mal informados, ideológicos, sectários ou primários, apela, obscurecendo, em vez de (o) iluminar. [...]

Quando fala da Bíblia, de ciência, das viagens de exploração do Universo, ou de Castro, ou de tantas outras matérias sobre as quais regularmente diz, sempre no mesmo tom teocrático, enormidades, a minha dúvida é se ele é mesmo tão limitado intelectualmente como parece, ou se não se tratará de um sacrifício pulsional da inteligência e do conhecimento. [...]


Aqui, para aqueles que desejarem ler o texto na íntegra.

E aqui, para conhecer quem é esse perspicaz editor.

outubro 09, 2009

Simenon

Fui resgatado das brumas por um romance de Georges Simenon: Sangue na neve. A dura objetividade da narrativa – Simenon não admite volteios de espécie alguma – sequestrou-me ao mundo nevoso, quase espectral, em que a maldade surge sem qualquer objetivo claro. Graham Greene trata melhor do tema, em seu romance de estreia, O condenado, cujo fim, triste e impactante, concentra profunda reflexão não apenas sobre a relação entre Bem e Mal, mas principalmente sobre como o Mal pode nascer movido pela gratuidade insana. Mas Simenon, ainda que fique um pouquinho atrás, nos oferece seus parágrafos curtos, certeiros; Frank, o protagonista taciturno e infantil, para quem o mundo e as pessoas são personagens de um teatro de sombras; e trechos antológicos, como este, em que se revela o cinismo da caftina Lotte, mãe de Frank, que aluga meninas em seu apartamento, ao comentar sobre os fregueses:

[...] Cada aquecedor, cada fogo, tem seu odor particular, sua vida própria, seu modo de respirar, seus ruídos mais ou menos incongruentes. O do salão cheira a linóleo, evoca o próprio cômodo, com seus móveis encerados, seu piano de armário, seus bordados e paninhos de crochê em cima das mesas de pé de galo e nos braços das poltronas.

– Os mais viciosos – diz Lotte – são os burgueses. E os burgueses gostam de fazer as suas patifarias numa atmosfera que lembre a eles a de suas casas.

É por isso que as duas mesinhas de manicure são minúsculas, por assim dizer invisíveis. Por outro lado, Lotte ensina as meninas a batucar o piano com um dedo só.

– Como as filhas deles, entende?

O quarto – o quarto grande, como é chamado, no qual Lotte dorme nesse momento – é todo revestido de tapetes, de cortinas, e atochado de pequenos trabalhos de agulha.

É Lotte ainda que afirma:

– Ah, se eu pudesse ter o retrato do pai deles, da mulher, das crianças! Ficaria rica, milionária!