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novembro 20, 2014

O pessimismo, remédio ideal para o populismo

O ensaio de Paulo Prado é, como dizia Ortega y Gasset, "uma pupila vigilante aberta sobre a vida"
No Jornal Rascunho deste mês, escrevo sobre Retrato do Brasil — ensaio sobre a tristeza brasileira, de Paulo Prado, livro que pertence à tradição montaigniana, isto é, anseia examinar as questões da realidade filtrando-as numa visão pessoal, repleta de associações inesperadas e problematizadoras.

Como afirmo em meu texto, não se deve esperar, portanto, desse trabalho, interpretações que se pretendam definitivas — mas, sim, intuições capazes de produzir no leitor o mesmo desejo que motivou o ensaísta: não aceitar passivamente sua realidade; ou, como dizia Ortega y Gasset ao comentar as características do ensaio, ser “uma pupila vigilante aberta sobre a vida”.

O pessimismo de Paulo Prado, é verdade, vibra em todo o livro. Mas, hoje, passadas quase duas décadas de governos populistas prontos a comemorar a ignorância e tratar vícios como virtudes heróicas, uma boa dose de visão pessimista poderia garantir um mínimo de realismo ao Brasil.

novembro 16, 2014

Existe felicidade em escrever?

"Minhas dúvidas formam um círculo em torno de cada palavra." — Franz Kafka
O trabalho diário com as palavras não é fácil. Em abril de 1852, enquanto compõe Madame Bovary, Flaubert escreve a Louise Colet: “Estou mais cansado do que se empurrasse montanhas. Há momentos em que tenho vontade de chorar. É preciso uma vontade sobre-humana para escrever e eu sou apenas um homem”.

Esse tormento renasce, maior ou menor, no coração de cada escritor. Kafka anota, em novembro de 1910: “Quando sento-me diante da escrivaninha, meus ânimos não são melhores do que os do indivíduo que cai no meio da ‘Place de l’Opéra’ e quebra as duas pernas”.

Mas por que Kafka insistiu, ainda que escutasse “as consoantes se chocando com ruído metálico”? “Minhas dúvidas formam um círculo em torno de cada palavra; vejo-as antes que a palavra […]”, ele afirma e prossegue, cheio de incertezas. Sentindo-se “estéril como uma pedra”, Flaubert também foi adiante. E hoje, quando lemos o resultado dessas angústias, perguntamos qual o motivo de terem feito o que não é prazeroso.

Para um tempo como o nosso, em que o hedonismo quase sempre dita as escolhas, é difícil compreender. Mas o escritor sabe a resposta. Sabe que o prazer é o que menos importa na felicidade — como lembra Ortega y Gasset em seu ensaio “Sobre la caza” —, porque a felicidade consiste sempre “numa atuação, numa energia e num esforço”.

outubro 18, 2012

Marisa Lajolo resenha meu livro, “Muita retórica – Pouca literatura”

Marisa Lajolo faz, neste texto publicado inicialmente no Facebook, um interessante diálogo com meu livro. Uma leitura que aponta discordâncias, mas de maneira ética, equilibrada, sábia. Leitura lobatiana, com aquela argúcia que Monteiro Lobato nunca deixou de lado – e que Marisa Lajolo, decana dos estudos lobatianos, não poderia deixar de ter.

BOA RETÓRICA E BOA LITERATURA

Marisa Lajolo

Nas cores sóbrias da capa de Muita retórica – Pouca literatura (Campinas, SP: Vide Editorial) uma figura de rosto borrado parece escrever em folhas que levantam voo e transformam-se em pássaros. A capa é sedutora. O título intrigante provoca o leitor. Mas o suspense se desfaz no subtítulo: De Alencar a Graça Aranha.

E é efetivamente pela prosa brasileira que Rodrigo Gurgel – o autor do livro – passeia, compartilhando com seus leitores juízos sobre escritores e obras do século XIX e comecinho do XX. Leitor rigoroso, de dedo em riste e olhar severo, o crítico aponta e discute cochilos e acertos – de diferentes ordens de grandeza – de nossos escribas.

É claro que o leitor não precisa concordar com Gurgel. Eu, por exemplo, acho que Lucíola e O cortiço são grandes obras. Gurgel não acha, mas ele expõe seus argumentos com tanto talento (a boa retórica!) que fico obrigada a ir buscar os meus para discordar dele. O que é uma bela forma de a crítica cumprir sua função de aprimorar a leitura.

Aprimorar a leitura literária não é concordar com nosso interlocutor. Seja ele quem for. É respeitar leituras alheias, pois literatura é um entrelaçamento de obras e de leituras que as obras receberam. O leitor que decida em qual malha desta rede quer meter sua colher torta.

Este livro tem bastidores muito interessantes: ele nasce de ensaios que seu autor publicou inicialmente no excelente jornal Rascunho, de Curitiba. E tem suas primeiras discussões em formato bastante original. Gurgel lança o livro fazendo uma palestra no YouTube e disponibilizando em seu blog longa entrevista que deu ao jornal santista A Tribuna.

Claro que nas respostas à entrevista e no calor da hora da gravação vêm à tona detalhes do livro, outras opiniões de seu autor, enfim, aquele making off que tanto delicia fãs (como eu) de filmes em DVD. É aí, nestes bastidores e no day after, que Gurgel aponta, de forma explícita e direta, um tópico que, no seu livro, é reafirmado ao longo dos vinte ensaios que o compõem: a pluralidade dos domínios do conhecimento necessários ao discurso que fala de literatura.

Filosofia, História, Sociologia, Retórica... muitos são os sotaques que podem entrecruzar-se na fala do crítico e vários deles, efetivamente, comparecem à fundamentação da crítica de Gurgel. E alguns outros ele expulsa definitivamente, como os pobres linguistas estruturalistas, por si mesmos afastados do palco (!) mas imediatamente substituídos por outros fundamentalismos.

Vem da filosofia – do espanhol Ortega y Gasset – um dos pressupostos do pensamento de Gurgel. A ideia de que eu sou eu + minha circunstância inspira a amplificação que o crítico faz de uma obra para além das palavras que seu autor escreve, e permite a ele (crítico) discutir a obra entendendo-a como amplificadora da experiência humana.

Foi aí que Gurgel me pegou.

E a circunstância do leitor? E a circunstância do momento de cada uma de suas leituras? Não seriam determinantes de sua compreensão da obra e de sua valorização?

Eu, por exemplo, gosto de Inocência, livro que Gurgel considera um romancinho sentimental, onde o diminutivo desqualifica. Lembro de ter lido o livro com onze para doze anos. Lição de escola, de Dona Maria Luíza. Mas... havia uma menina na minha classe chamada Inocência, chata como a peste.  Petulante e convencida. Fui ler o livro com a maior má vontade inspirada na homônima da heroína. Mas o livro me emocionou: me comoveu a subalternidade da menina ao pai autoritário, a confiança dela no padrinho, a delicadeza da homenagem representada por dar o nome dela a uma borboleta...

Vinguei-me de minha colega apelidando-a de papilosa e acho que foi aí que me tornei leitora de romances e aprendi a lidar com leituras alheias, matéria-prima de professores de literatura.

Ou seja: como lidar com as infinitas circunstâncias em que leitores leem o que leem? Este livro de Gurgel sugere várias destas maneiras. Ele nunca se esquece, por exemplo, de que está falando em público de suas leituras privadas. Franqueia, pois ao leitor sua circunstância de leitura, atribuindo a seus leitores reações que bem podem ter sido as suas: se você, leitor, teve vontade de rir, não se sinta constrangido (115). Ou justificando suas decisões discursivas: ideia sobre a qual nem me darei ao trabalho de comentar, tamanho o seu despropósito (143).

Ou ainda, mencionando outros críticos e pensadores com os quais concorda ou dos quais diverge. Ou transcrevendo os textos dos romances nos quais se apoiam suas observações, ou tirando da estante prosadores que têm passado em branco na história canônica da literatura brasileira. Desta lista de prosadores brasileiros do B que Muita retórica – Pouca literatura apresenta, destaco a agradável surpresa que representa a leitura que Gurgel faz de João Francisco Lisboa e de Joaquim Felício dos Santos.

Ou seja: todas aquelas folhas em revoada na primeira capa do livro voltam obedientes à escrivaninha do crítico e compõem um livro extremamente corajoso e provocador.
 
Vamos a ele!

outubro 05, 2012

“A obra literária se completa quando nós completamos a sua leitura”, diz Ortega y Gasset


Acima, o vídeo de minha palestra sobre o livro que acabo de lançar: Muita retórica – Pouca literatura (de Alencar a Graça Aranha). Olavo de Carvalho diz, com acerto, que “a crítica literária é a primeira disciplina filosófica, porque a crítica é a expressão intelectual mais imediata da própria experiência literária”. E a experiência literária, por sua vez, nada mais é que uma abertura à variedade da experiência humana. Ler literatura, portanto, é alargar a imaginação, ampliar nossa visão sobre as possibilidades da existência, inclusive sobre as possibilidades éticas ou morais da existência. Se entendemos a literatura assim, então a função do crítico é mostrar essas possibilidades, tomar o leitor pela mão e mostrar a ele um dos inúmeros caminhos possíveis. Para fazer isso, ele precisa recusar a arrogância epistêmica e o monismo de julgamento que imperam hoje. Ele deve ler a obra literária perguntando também até que ponto ela realmente responde ao que pretendeu ser, se ela realmente consegue ser uma estrutura coerente.