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fevereiro 04, 2015
fevereiro 02, 2015
Fluxo de consciência e discurso caótico
Muitos jovens escritores
se esforçam para levar o chamado “fluxo de consciência” — um aprofundamento da
técnica do “monólogo interior” — a níveis talvez nunca sonhados por James
Joyce.
O preço a pagar por essa
radicalização é mais do que a ruptura com a sintaxe, com a pontuação, ou o
exagero no uso da “escrita automática”, da livre associação de palavras.
Ao
abandonar qualquer possibilidade de discurso lógico — o que James Joyce não fez em Ulysses —, esses autores rompem todos os compromissos com o ato da
leitura, com a compreensão de suas narrativas. Ou seja, desprezam o leitor.
Alguns mantêm relativa
coerência no discurso de seus narradores, mas apelam a outro radicalismo: como
pretendem recriar a voz do inconsciente, pois acreditam que só dessa maneira
revelarão o que se passa no interior do homem, transformam o texto num despejo
das mais perversas patologias.
O resultado, ainda que não
seja incompreensível, é um texto quase sempre monocromático e tedioso, em que o
narrador apenas consegue repisar sua própria morbidez.
Ora, o “fluxo de consciência” não é, como alguns dizem, a
única linguagem sincera, a única linguagem verdadeira. E não é apenas por um
motivo: ele exige do autor esforço estilístico como qualquer foco narrativo. Dizendo
de outra maneira, seja qual for o narrador escolhido, o autor terá de mentir
bem.
Essa pretensão de
representar o inconsciente com absoluta fidedignidade nada mais é do que a
tentativa de recriar o que o autor acredita ser a voz do inconsciente, da forma como ele acredita ouvi-la — o que,
convenhamos, todos os escritores fazem com seus personagens e narradores.
Com uma diferença: é
impossível captar o fluir da consciência — ou o pensamento em estado puro, da
forma como ele brota a cada sinapse. E, repito, quanto mais nos aproximamos
disso, mais o discurso torna-se incompreensível, mais o discurso sepulta o
leitor.
Se não há naturalidade em
nenhuma narrativa, como muitos também afirmam hoje, então a artificialidade é a
senhora absoluta do “fluxo de consciência”.
Mas resta uma pergunta:
por que a voz interior, por que o fluxo do pensamento precisa ser necessariamente confuso ou expressar apenas o lado mórbido do narrador?
Respondendo, é curioso
como os escritores atuais preferem o monólogo da adúltera Molly Bloom e
desprezam a leveza de Clarissa Dalloway. Molly agrada mais ao freudismo que se
institucionalizou na ficção. Um freudismo que é não só endeusamento da libido,
mas principalmente banalização do homem.
No que se refere à confusão, quantas vezes não
conversamos com nós mesmos de forma ordenada, ainda que repisemos certos
pensamentos? Representar a voz interior, portanto, não significa,
obrigatoriamente, construir um discurso caótico. Como, aliás, Hermann Broch
mostrou em A Morte de Virgílio.
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