agosto 31, 2005


Lições de Graciliano


Nos últimos dias tenho lido, com grande prazer, o romance Angústia, de Graciliano Ramos. Há muitos anos li Vidas secas e São Bernardo, este último, em minha opinião, superior ao primeiro. Mas Angústia, que comecei a ler influenciado por um ensaio de Antonio Candido, parece-me o melhor de toda a obra de Graciliano, e um dos mais significativos romances da nossa literatura. A narrativa em primeira pessoa é hipnotizante, não só pela personalidade mórbida do protagonista, mas, com certeza, graças ao jogo perfeito das diferentes linhas de tempo que se entrecruzam ao longo do livro, uma técnica que eu já encontrara em Nostromo, de Joseph Conrad, mas nunca em língua portuguesa.

Foi também uma agradável surpresa encontrar o sítio oficial de Graciliano na web. Naveguem com atenção pelas páginas e percebam como os breves textos têm uma simpatia rara, um agradável tom coloquial, destituído de qualquer empáfia. As informações são claras, a interface não agride o olhar. Enfim, um espaço semelhante ao estilo enxuto e preciso de Graciliano.

agosto 18, 2005


Quando o escritor é um transtorno


Em uma entrevista de julho de 2003, concedida a João Paulo Cuenca, no Portal Literal, o escritor e tradutor Rubens Figueiredo fala, com equilíbrio e sensatez, sobre a transformação do escritor em celebridade: "Conheci autores que são verdadeiros publicitários de si mesmos, eles vivem em campanha. Eu francamente acho isso uma tristeza."

Para Rubens, com quem concordo, "da maneira como costumamos tratar as coisas, tendemos a transformar o livro numa espécie de base para sustentar uma celebridade. A lógica da nossa sociedade depende muito dessa instituição que é o indivíduo de sucesso, e isso é uma deformação gritante, em face da experiência que a gente tem quando lê. Gostamos de ler porque descobrimos ali alguma coisa importante e verdadeira da vida. Isso não tem nada a ver com a pessoa pública do autor."

Em uma sociedade que privilegia o espetáculo em detrimento da arte, não poderia ser de outra forma, e a inversão de valores é completa: "O que ocorre é que essa lógica funciona de tal modo que esse estímulo, essa celebridade, começa a funcionar de uma forma independente daquilo que deveria ser a sua razão de ser, ou seja, o livro. Não importa mais o livro, importa a pessoa que os assina."

Rubens diz, com saboroso bom humor, que o escritor "é um transtorno", pois ele "é o que há de menos importante em todo o processo da literatura, em toda a experiência...". E salienta a importância do leitor, tão esquecido por certas vanguardas literárias, ao dizer que este "tem uma parcela tão grande de importância quanto o próprio livro".

Muito aquém do sonho...


Voltando ao nosso post anterior, e à fragilidade e imperfeição de que nos falava o amigo Erwin Maack em seu comentário, quero concluir com mais uma citação de Rubens Figueiredo, para quem "o que pesa menos é o escritor, porque, ao escrever o livro, ele quis alguma coisa, imaginou uma forma, vislumbrou um horizonte de perfeição, procurou aquilo e no fim sempre fracassa. Ele nunca consegue realizar aquilo." O sentimento final é mesmo sempre esse, o de estar aquém do que imaginei, muito longe de alcançar o sonho...