julho 31, 2013

“O centro do seu deserto” – Henry James e “A fera na selva”



Uma das principais características de Henry James é revelar o inusitado que se esconde sob o cotidiano. O que pode ser extraordinário em uma vida aparentemente banal? Haveria carga dramática suficiente em uma existência destituída de arroubos e gestos de heroísmo? E como escrever sobre essa vida comum, talvez quase estúpida, sem incorrer no erro fatal de utilizar uma linguagem medíocre ou um narrador que seja apenas o decepcionante espelho dos fatos; um narrador capaz somente de repetir, sem qualquer viço, perspicácia, inteligência ou ironia o cotidiano da personagem? Respostas a todas essas perguntas encontram-se na novela A fera na selva.

Esse delicado – e ao mesmo tempo terrível – estudo sobre a vida do irresoluto John Marcher e sua reticente amizade por May Bartram guarda uma história de silencioso sucesso no Brasil. Não, o livro não se tornou um best-seller, mas é promissor, em meio à barafunda de romancinhos kardecistas, livrecos de auto-ajuda e narrativas que se resumem a conversas de botequim ou do meretrício, que uma novela tão intrigante, plena de sutilezas – cujos temas abarcam expectativas que não se cumprem, a cegueira de um homem em relação ao seu destino e um triste amor –, tenha conseguido a façanha de merecer duas traduções.

A explicação para isso talvez resida no fato de Henry James ter, entre nós, um público fiel, apesar de diminuto, seduzido pela escrita tão cerebral quanto impressionista, capaz de profundas e embriagantes alusões, com alto poder evocativo e dotada de rara capacidade para analisar minuciosamente os processos emocionais que não só caracterizam os diferentes comportamentos humanos, mas direcionam ou intensificam cada uma das nossas atitudes, das nossas decisões. O que, convenhamos, não é pouco. Mesmo o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis, quem melhor analisa as motivações humanas entre nossos escritores, se comparado a Henry James, transforma-se num amador – com uma boa camada de sarcasmo e ceticismo, é verdade, mas sem o abissal aparato psicológico jamesiano.

Ao escrever sobre as bases necessárias à arte da ficção, Henry James legou às novas gerações a descrição da sua maneira peculiar de ver a realidade. E ela certamente explica, em parte, seu poder de extrair beleza de pormenores quase sempre desprezados pelos escritores. Ele afirma: “A experiência nunca é limitada e nunca é completa; ela é uma imensa sensibilidade, uma espécie de vasta teia de aranha, da mais fina seda, suspensa no quarto de nossa consciência, apanhando qualquer partícula do ar em seu tecido. É a própria atmosfera da mente; e quando a mente é imaginativa – muito mais quando acontece de ela ser a mente de um gênio – ela leva para si mesma os mais tênues vestígios de vida, ela converte as próprias pulsações do ar em revelações”.

Prova de amor

De fato, ler Henry James significa enredar-se na “teia de aranha” da consciência de narradores argutos e, ao acompanhá-los, descobrir “revelações” em “tênues vestígios de vida”. No caso específico de A fera na selva, o narrador nos apresenta John Marcher, homem sensível, apreciador de poesia e história, em seu hesitante percurso, iniciado ao reencontrar, inesperadamente, May Bartram, a quem confidenciara, dez anos antes, seu mais importante segredo. O reencontro tem glamour, mas está impregnado do sentimento de perda, conseqüência daquele dia distante, quando se viram a primeira vez: “Olhavam um para o outro com o sentimento de uma ocasião perdida; a atual poderia ter sido muito melhor se a outra, tão remota no passado, numa terra estrangeira, não tivesse sito tão absurdamente escassa”.

Quando May lembra que ele lhe confiou seu segredo, o interesse de Marcher por sua interlocutora cresce, fornecendo ao leitor o primeiro indício de egoísmo, marcante característica desse homem anódino. Em alguns momentos, Marcher quase se predispõe a, efetivamente, conhecer e compreender May, mas acabará sempre dominado por sua apreensão – o seu segredo –, aguardando “a fera que saltará da selva”. Pouco importa que os encontros tornem-se cada vez mais freqüentes: Marcher jamais deixará de ser o cavalheiro de “descoloridas” boas maneiras, ou de tratar May apenas como leal confidente. Em determinado momento, chega a pensar em matrimônio, mas com o objetivo de ter alguém para partilhar suas preocupações.

Marcher também mostra-se cego em relação aos sentimentos de May, pronto a conceder migalhas de atenção à amiga, frio – acreditando-se, contudo, generoso –, incapaz de qualquer gesto arrebatador, de qualquer mínimo ato de coragem, e aferrado às próprias idéias. Nem mesmo quando ela adoece gravemente Marcher demonstra desvelo, ainda que se angustie, mas por antever a possibilidade de ficar sem a confidente. Próxima do fim, a própria May o adverte, num tom de leve ironia: “Você confia plenamente nas suas ‘sensações’”.

Depois que a amiga morre, ele viverá longo processo de auto-análise, ainda hesitante, preso às conjecturas que controlam sua vida. O homem que não conseguiu amar, a não ser a si mesmo, pagará alto preço: a fera escondida na selva se manifestará com a violência aguardada, mas permitindo-lhe, antes, a visão do que não pôde concretizar, do que perdeu.

Contrapondo-se a este personagem, temos May Bartram, uma das mais instigantes personagens femininas do universo jamesiano. Lúcida, serena, amando John Marcher incondicionalmente, ela manifesta inacreditável respeito pelos limites desse homem infeliz. Em pelo menos três oportunidades, inclusive quando já se encontra devastada pela doença, tomará a iniciativa de se aproximar dele, de tentar acordá-lo para a realidade. Na verdade, May Bartram devotou sua vida a proteger Marcher dele mesmo. Foi sua prova de amor.

Amizade e estilos

Muito já se disse sobre o estilo de Henry James, elíptico e de contrastes às vezes quase imperceptíveis, com longos parágrafos, meticulosamente compostos, nos quais todos os elementos são indispensáveis. Um dos melhores comentários, no entanto, coube a Robert Louis Stevenson, com quem James trocou cartas entre 1884 e 1894. Logo na primeira resposta, a 8 de dezembro de 1884, Stevenson escreve, compondo uma imagem em negativo, de refinado humor: “[...] Não sou tolo a ponto de lhe pedir que abandone seu estilo, mas você não poderia, em um romance, para ganhar o agradecimento de um sincero admirador, não poderia fundir seus personagens em um molde um pouco mais abstrato e acadêmico [...], e afinar os incidentes, não digo em uma tonalidade mais forte, mas ligeiramente mais enérgica, como se fosse um episódio de um dos velhos romances chamados de aventuras? Temo que você não o fará, e suponho que devo admitir, suspirando, que você tem razão”.

As palavras de Stevenson revelam o que muitos sentem diante do estilo de James. No entanto, o texto no qual, para alguns, talvez falte energia, para outros jamais faltará agudeza de espírito. E o próprio Stevenson, na mesma carta, admite: “Cada um de nós prefere seu próprio objetivo, e eu prefiro o meu; mas quando passamos a falar de execução, reconheço que sou, comparado a você, um grosseiro e um descuidado de primeira ordem”.

As cartas de James e Stevenson merecem análise à parte, não só pelas questões literárias de que tratam, mas por representarem magnífico exemplo de civilidade, algo em falta nos dias de hoje. Há sincera relação cordial nessa correspondência. Os dois escritores falam o que sentem, mas não querem provar coisa alguma. Ao contrário, são movidos pelo desejo do diálogo sincero, pelo prazer de se comunicar e de fruir uma relação amigável que independe de se conhecer quem é o melhor ou quem está certo. Estão acima dessas questões fúteis.

Design e desencontro

Voltando ao livro, é uma pena que a edição da Cosac & Naify tenha um projeto gráfico que se sobrepõe ao texto. A idéia, apesar de louvável, comprometeu a legibilidade da obra, conferindo um quê de tortura ao exercício que deveria ser exclusivamente prazeroso. A imaginação da designer deu vida a um livro que não almeja ser lido, mas apenas admirado numa vitrine.

Vale a pena, contudo, esforçar-se para superar tais dificuldades, pois a recompensa brilha a cada página dessa história de amor cujo tema central é o desencontro. John Marcher passou a vida cumprindo o destino da maioria das pessoas – ou seja, sem perceber o mais importante. E quando consegue abandonar o que Henry James chama de “o centro do seu deserto”, acorda a tempo de, tão-somente, descobrir que é tarde demais.

julho 29, 2013

Conselhos e reflexões de Anton Tchekhov


 
Não se faz literatura com sociologia

Tudo aquilo que possui um caráter temporário, todas essas alfinetadas dirigidas aos críticos e aos liberais da época, todas as observações críticas que se pretendem certeiras e atuais, e todos os assim chamados pensamentos profundos, plantados aqui e ali – como tudo isso é insignificante e ingênuo hoje em dia! Pois aí é que está o busílis: o bom romancista deve passar ao largo de tudo o que tenha significado transitório.

E muito menos com política

[...] Os grandes escritores e os grandes artistas devem se ocupar da política apenas na medida em que é preciso defender-se dela. [...]

Busca contínua da verdade

Nunca se deve mentir. A grandeza da arte reside no fato de que ela não admite a mentira. É possível mentir no amor, na política, na medicina; é possível enganar as pessoas e até mesmo Deus, mas na arte é impossível mentir.

Reler, reler...

Acordo toda noite e leio Guerra e Paz. A gente o relê com tanta curiosidade e ingênua admiração, como se fosse a primeira vez.

Não engrandecer o que é pequeno; não falsear a realidade

Sou repreendido por escrever apenas sobre acontecimentos medíocres, por não ter heróis positivos. [...]
Levamos uma vida provinciana, as ruas de nossas cidades nem sequer são pavimentadas, nossas aldeias são pobres, nosso povo vive num péssimo estado. Na juventude, chilreamos feito pássaros em cima de um monte de esterco; aos quarenta já somos velhos e começamos a pensar na morte. Que espécie de heróis somos nós? [...]
Gostaria apenas de dizer com toda a honestidade às pessoas: reparem, reparem como vivem mal, e que vida enfadonha estão levando. O importante é que as pessoas compreendam isso; se compreenderem, inventarão uma vida diferente e melhor. O homem torna-se melhor quando lhe mostramos como ele é.

Abandonar a retórica

[...] Ao fazer a revisão, corte, onde possível, os atributos dos substantivos e dos verbos. Você coloca tantos atributos que fica difícil para a atenção do leitor não se perder, e ele se cansa. É compreensível quando escrevo: “o homem sentou-se na grama”; é compreensível por ser claro e não reter a atenção. Ao contrário, é pouco inteligível e pesado para o cérebro, se escrevo: “um homem alto, de peito cavado, porte discreto e barbicha ruiva sentou-se na grama verde, já pisoteada pelo transeuntes; sentou-se sem fazer ruído, olhando tímida e temerosamente à sua volta”. Isso demora um pouco a entrar no cérebro, e a literatura deve entrar imediatamente, num átimo.

Repugnantes panelinhas

[...] Não é o escrever em si que me causa repugnância, mas esse entourage literário do qual não se pode escapar e do qual se é portador em todo lugar, assim como a terra é portadora da atmosfera.

[Do livro Sem trama e sem final – 99 conselhos de escrita.]

julho 27, 2013

O que salvou Edmund Wilson da falácia milenarista

Acabo de ler o ensaio de Paul Johnson – em Os intelectuais – sobre Edmund Wilson. Texto lúcido, apresenta o homem escondido sob o intelectual e as contradições típicas do esquerdista que defende o Estado absoluto mas não aceita quando o mesmo Estado decide sugar seus lucros com direitos autorais. Mas Johnson percebe a sinceridade que impulsionava Wilson, virtude que acabou por libertá-lo do comunismo. Aliás, uma boa dose de realidade pode ser, em alguns casos, um antídoto poderoso: o período que passou internado num hospital soviético, pobre e decadente, ajudou-o a acordar para a verdade escondida sob o brilho sedutor da ideologia. A seguir, coloco o belo trecho final do ensaio:

“Wilson, na melhor das hipóteses, teve como diretriz de seu pensamento a compreensão de que os livros não são entidades desencarnadas mas nascem dos corações e cérebros de homens e mulheres vivos e que o segredo para compreendê-los está na interação entre o tema e o autor. A crueldade das idéias está na suposição de que os seres humanos podem ser modificados para se adequar a elas. O benefício da grande arte consiste na maneira como ela surge a partir da iluminação individual para a generalidade. Comentando a respeito de Edna St. Vincent Millay, sobre quem ele escreveu com um brilhantismo renovado, Wilson deu a definição perfeita de como um poeta deve atuar:

Ao dar expressão suprema a uma experiência pessoal sentida em profundidade, ela foi capaz de se identificar com a experiência humana mais geral e se mostrar como um porta-voz para o espírito humano, anunciando seus impasses, suas vicissitudes, porém, como um mestre da expressão humana, pelo esplendor da própria expressão, colocando-se mais além dos embaraços comuns, das opressões e dos pânicos comuns.

Foi esse humanismo de Wilson que, permitindo-lhe compreender tais processos, o salvou da falácia milenarista.”

julho 26, 2013

Um diálogo sobre liberdade, esquerdismo e universo cultural brasileiro

Estive com Bruno Garschagen recentemente, no encontro de intelectuais organizado por Olavo de Carvalho em Richmond (Virgínia). Após uma semana de amplas discussões sobre a vida cultural brasileira, voltei para São Paulo, mas Garschagen permanece nos EUA, agora pesquisando, no Russell Kirk Center, em Mecosta, para sua tese de doutorado. Lá, participou da Acton University e, no próprio Russell Kirk Center, do seminário Russell Kirk and the Six Canons of Conservatism, onde proferiu a palestra “The Freedom and the Property: The Kirk’s Fourth Canon of Conservative Thought”.
 
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Oxford (visiting student), Garschagen é autor do texto de apresentação de Os Caminhos para a Modernidade: os Iluminismos Britânico, Francês e Americano, da historiadora Gertrude Himmelfarb, e escreveu o prefácio de O que é o Conservadorismo, do filósofo político inglês Roger Scruton (no prelo).
 
É com esse intelectual de grande talento – cujo livro sobre utopia política será publicado ainda este ano pela É Realizações – que converso no programa semanal que ele mantém no site do Instituto Ludwig von Mises – Brasil, o Podcast Mises Brasil. O resultado, vocês podem acompanhar na gravação abaixo:
 

julho 22, 2013

“Surda ao implacável relógio da atualidade” – a crítica literária segundo Milan Kundera

“Nunca falarei mal da crítica literária. Pois nada é pior para um escritor do que se defrontar com sua ausência. Refiro-me à crítica literária em seu aspecto de meditação, de análise; da crítica literária que sabe ler várias vezes o livro do qual quer falar (como uma grande música que podemos reescutar infinitamente, também os grandes romances são feitos para leituras repetidas); da crítica literária que, surda ao implacável relógio da atualidade, está pronta a discutir as obras nascidas há um ano, trinta anos, trezentos anos; da crítica literária que tenta captar a novidade de uma obra para deste modo inscrevê-la na memória histórica. Se uma tal meditação não acompanhasse a história do romance, hoje nada saberíamos sobre Dostoiévski, sobre Joyce ou sobre Proust. Sem ela, toda a obra está entregue aos julgamentos arbitrários e ao esquecimento rápido. [...] A crítica literária, imperceptivelmente, inocentemente, pela força das coisas, pela evolução da sociedade, da imprensa, transformou-se em uma simples (muitas vezes inteligente, sempre apressada) informação sobre a literatura da atualidade.” (Milan Kundera, em Os testamentos traídos.)

julho 15, 2013

Grandiosa epopéia – Fernández-Armesto e “Os desbravadores”


“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” O verso de Fernando Pessoa poderia servir de epígrafe a Os desbravadores – uma história mundial da exploração da Terra, escrito pelo historiador britânico, descendente de espanhóis, Felipe Fernández-Armesto, livro que se propõe a estudar esses filhos da quimera, da ambição, da coragem, do auto-engano – e também da necessidade. Nele, os exploradores surgem envolvidos na emaranhada trama com que a geografia limita ou amplia a saga da nossa espécie. E, algo mais do que elogiável, baseando-se em indícios arqueológicos, suposições ou fatos, Fernández-Armesto jamais submete as respostas que encontra à esfarrapada camisa-de-força do reducionismo econômico.
 
Para leitores acostumados a pensar na conquista dos mares tomando como pontos de partida portugueses e espanhóis, ou para aqueles que se deliciam com narrativas sobre a exploração das fronteiras recônditas da Terra, e concentram seu interesse nos aventureiros modernos, a obra de Fernández-Armesto guarda inúmeras surpresas. Dentre elas, outro mérito: incorporar à história universal, sempre tão centrada na história do ocidente – ou, para ser mais preciso, na história européia –, civilizações esquecidas pelos livros escolares. Também aqui, no entanto, o autor não faz concessões. Chineses, mongóis, lápitas, polinésios, maias, árabes, japoneses, thules, nórdicos, irlandeses e russos são incorporados à aventura da humanidade não para satisfazer à ideologia do multiculturalismo, mas apenas porque, realmente, foram protagonistas da exploração do planeta.

Sem dar espaço a endeusamentos, o ponderado historiador destaca a incrível capacidade de adaptação do homem, mas com uma ressalva: se “hoje consideramos que os pioneiros são revolucionários e inovadores, é provável que subestimemos a força do conservadorismo para induzir algumas comunidades a pôr-se em marcha”. Mantendo seu olhar atento ao pluralismo das experiências humanas – “o único grande valor comum a que não ousamos renunciar” –, Fernández-Armesto analisa desde as primeiras explorações até os dias atuais, quando a superfície do globo encontra-se mapeada.

Assim, viajando das culturas coletoras à globalização, o historiador revisita os primórdios da cartografia – diagramas cósmicos, mapas orais (decorados e repetidos de geração em geração, como nos ritos de iniciação dos lubas, no Congo) e marcadores de rotas dos povos ágrafos – até chegar às observações de Galileu sobre as luas de Júpiter (que se tornaram, “graças à regularidade de seus movimentos, uma referência confiável para medir a passagem do tempo”) e ao trabalho dos renomados cartógrafos Jean Picard, Jean-Dominique Cassini, Guillaume de L’Isle, Jean-Baptiste Bourguignon d’Anville e Nicolas Sanson. Nenhuma invenção, nenhum avanço tecnológico passa despercebido. Mas Fernández-Armesto lhes concede seu verdadeiro lugar na aventura comandada, principalmente, pela intuição e pelo arrojo. Os navegantes polinésios, por exemplo, “literalmente achavam o caminho pelo tato – ‘pare de olhar para a vela e pilote pela sensação do vento no rosto’, era um tradicional conselho de navegadores, registrado ainda na década de 1970. Alguns marinheiros costumavam deitar-se no flutuador lateral para ‘sentir’ as vagas”.

Oriente e Ocidente

O autor dá vida aos mais inusitados viajantes: Zhang Qian, emissário chinês que partiu, no ano de 139 a. C., em direção a Báctria, um dos reinos da Ásia Central criados depois das conquistas de Alexandre, o Grande; Kan Ying, outro emissário da China, que visita Roma em 79 d. C.; Faxian, o explorador budista que partiu de Xian em 399 d. C. e, percorrendo a Rota da Seda, alcançou a Índia; e o almirante Zheng He, que, obedecendo ao imperador chinês Yongle, realizou, entre 1405 e 1433, sete grandes expedições através do Oceano Índico.

Segundo Fernández-Armesto, os chineses não só podem ter “dobrado o cabo da Boa Esperança, de leste para oeste, durante a Idade Média” – pois “um mapa chinês do século XIII mostra a África de maneira bastante próxima da realidade” e “um cartógrafo veneziano de meados do século XV relatou ter visto um junco chinês ou, talvez, javanês, na costa sudoeste da África” –, como também influenciaram, “graças ao desenvolvimento das rotas que cruzavam a Eurásia”, a sensibilidade européia: “É difícil imaginar a grande descoberta da beleza do mundo natural que ocorreu [...] no Ocidente – e que associamos principalmente a são Francisco de Assis – sem a fertilização cruzada com a civilização chinesa, que já tinha uma notável tradição de apreço pela paisagem”.

Na verdade, essas influências são mais amplas – e a conclusão do autor é de que, sob “determinado ponto de vista, os ocidentais são o resíduo da história da Eurásia, e a projeção onde vivemos é o sumidouro para onde essa história escoou”. Ou seja, “a propagação da agricultura e da mineração, a chegada das línguas indo-européias, as colonizações de fenícios, judeus e gregos, o advento do cristianismo, as migrações de germânicos, eslavos e dos povos da estepe, a aquisição do conhecimento, o gosto, a tecnologia e a ciência da Ásia: tudo isso representou influências exercidas do Oriente sobre o Ocidente”.

Em busca da verdade

Se Fernández-Armesto relembra, por exemplo, os Irmãos Vivaldi, de Gênova, “que se anteciparam em quase dois séculos ao projeto de Colombo e cujas informações se perderam quase que na totalidade”, também redimensiona outros personagens, nossos velhos conhecidos. Dom Henrique, o Navegador, ganha a figura de “um arrivista – um príncipe real não primogênito com ambições acima de sua condição. [...] Membro de uma dinastia de modestos recursos e recém-chegada ao poder – detinha a coroa portuguesa desde 1385, somente –, ansiava pelo tipo de riqueza que o controle sobre o comércio do ouro prometia. Para compensar a ausência de uma ‘antiga fortuna’, que Aristóteles definia como indicador da verdadeira nobreza, Henrique impregnou-se dos valores aristocráticos dominantes em sua época – o ‘código’ cavalheiresco”. A corroborar essa descrição, lembremos de Charles Ralph Boxer, que, em seu clássico O império marítimo português, já qualificava dom Henrique de “monopolista e açambarcador”.

Quanto a Hernán Cortés, apenas para citar mais um exemplo, Fernández-Armesto considera-o “superestimado como conquistador”. Contrariando as versões que se popularizaram entre nós graças ao panfleto As veias abertas da América Latina, os astecas na verdade foram derrubados por “uma coligação de povos indígenas [...], o mais feroz bolsão de resistência [...] entre o México e a costa”.

É pena que o mundo seja vasto demais para permitir ao historiador uma visão pormenorizada do bandeirismo. Ele cita, claro, esses corajosos aventureiros, detendo-se em Raposo Tavares, que, no ano de 1650, chegou até a “vertente oriental dos Andes, e a seguir desceu pelo rio Amazonas”. Mas um estudo detalhado certamente despojaria os bandeirantes da aura, apenas parcialmente verdadeira, de criminosos, assassinos e escravizadores, versão divulgada por parcela dos estudiosos brasileiros há décadas, num verdadeiro processo de achincalhação desses paulistas que, sofrendo de “paixão ambulatória” – segundo o feliz comentário de Charles Ralph Boxer –, em nada se assemelhavam às outras populações do Brasil litorâneo, as quais, “durante mais de um século, fizeram poucos esforços, relativamente débeis e esporádicos, para a profunda penetração nas terras do interior”. (As citações de Boxer estão em A idade de ouro do Brasil; obra, aliás, que oferece amplo panorama do bandeirismo e da personalidade dos paulistas no capítulo “O ouro das Minas Gerais”).

Coragem intelectual

Voltando à conquista do Atlântico, se é possível sintetizar as causas da vitória ibérica sobre os mares, devemos seguir Fernández-Armesto em duas brilhantes conclusões.

Ele considera “tentador [...] atribuir a penetração do Atlântico, com todas as suas conseqüências, a algo de especial na cultura da região onde ela teve início”. Contudo, sua avaliação é de que “a maioria dos aspectos culturais comumente alegados em nada ajuda, porque não eram exclusivos da costa ocidental da Europa, por serem falsos ou porque não estavam presentes no momento certo”. Investigando todos os ângulos da questão, o historiador consegue, no entanto, discernir um elemento cultural particular e, se não exclusivo do mundo ibérico, extremamente difundido na região: a literatura de cavalaria. Na opinião de Fernández-Armesto, aqueles exploradores estavam “impregnados da idealização da aventura” e “muitos abraçavam ou procuravam personificar o eminente éthos aristocrático da época – o ‘código’ da cavalaria. Os navios eram seus corcéis, e eles singravam as ondas como ginetes”. Só uma “estratégia psicológica de escapismo” poderia “enobrecer atividades que em outras partes do mundo representavam um ônus para a carreira ou um obstáculo para a mobilidade social”. Foi essa “atmosfera romântica” que, segundo o dizer irônico de Fernandez-Armesto, fez o sonho e a ambição triunfarem “em meio aos ratos e às agruras da vida a bordo”.

A segunda conclusão do historiador é também um emblema de sua coragem intelectual. Em uma historiografia dominada por concepções que obedecem cegamente ao materialismo histórico, Fernandez-Armesto recupera a importância das características geográficas: “Durante toda a era da vela – vale dizer, ao longo de quase toda a história – a geografia teve um poder absoluto para limitar o que o homem podia fazer no mar. Em comparação com a geografia, pouco significavam a cultura, as idéias, o talento ou o carisma individual, as forças econômicas e todos os demais motores da história”. E fornece ao leitor uma explicação tão clara quanto elucidativa sobre o comportamento dos ventos que favoreceram os navegantes de Portugal e Espanha, explicando o predomínio dos alísios, “uma configuração regular em que os ventos dominantes sopram na mesma direção, qualquer que seja a estação”. De maneira incessante, “partindo mais ou menos do noroeste da África, os alísios atravessam o oceano, descrevendo uma curva que passa poucos graus acima da linha do Equador e prossegue em direção às terras em torno do Caribe. Graças aos alísios do nordeste, as comunidades marítimas em torno das desembocaduras do Tejo e do Guadalquivir tinham acesso privilegiado a grande parte do resto do mundo. [...] No hemisfério sul, repete-se mais ou menos a mesma configuração, com ventos que sopram do sul da África para o Brasil”.

A Terra inteira

O destemor e a ambição encontraram, assim, dois apoios fundamentais: o sonho alimentado pela literatura e a benevolência dos ventos. Essas condições favoráveis, entretanto, não se repetiram a todos os aventureiros. A história da exploração da Terra é um somatório de erros, desastres, tragédias. Os desbravadores que ousaram enfrentar climas inóspitos e relevos traiçoeiros também são protagonistas da obra de Fernandez-Armesto. Alessandro Malaspina e seu infortúnio, John Cook, Richard Burton, David Livingstone, Henry Morton Stanley, Bering e suas terríveis viagens transiberianas, Ernest-Marc-Louis de Gonzague, Robert Peary, Roald Amundsen, Robert Scott e Ernest Shackleton – todos comprovaram na própria carne os versos de Fernando Pessoa: “Os deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça”. Eles se reúnem nessa “marcha da insensatez, na qual quase todo passo adiante representou o resultado fracassado de um salto que pretendia ir bem mais longe”. Graças a eles – e a tantos outros, que jamais emergirão do anonimato – podemos ler o poema de Fernando Pessoa não como um vaticínio, mas como o relato de um prodígio que se concretizou:

Deus quis que a terra fosse toda uma,
[...]
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até o fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo. 
 
Sim, foram “excêntricos, visionários, românticos arrivistas, marginais, fugitivos da limitação e da rotina, com uma visão de mundo suficientemente distorcida a ponto de serem capazes de reinventar a realidade”. Contudo, graças a tais homens, Felipe Fernández-Armesto elaborou não apenas um volume de histórias – que lemos na tranqüilidade e na proteção de nossos lares, talvez invejando a ousadia e o vigor desses heróis –, mas pôde resumir a grandiosa epopéia cujos resultados seguem produzindo frutos – e da qual temos obrigação de nos orgulhar.

julho 11, 2013

Como o rumor


Como o rumor do mar dentro de um búzio
O divino sussurra no universo
Algo emerge: primordial projecto
 
Sophia de Mello Breyner Andresen (in O Nome das Coisas, 1977)

julho 06, 2013

“A língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois”

Quando a sociedade reencontra sua própria tradição – verdade que pode permanecer esquecida por gerações –, tem início a mudança de rota, longa curva histórica, que a levará rumo à sua própria identidade.

É um processo difícil, mas não impossível. Como afirmou Edmund Burke – faço uma tradução livre –, “uma nação não é só uma ideia de extensão geográfica e de momentânea acumulação de indivíduos, mas uma ideia de continuidade que se prolonga no tempo, em números, no espaço. E não se trata da eleição de um dia ou de um grupo de pessoas, nem de uma eleição tumultuada e inconstante. É uma deliberada seleção de tempos e gerações; uma constituição feita pelo que é dez mil vezes melhor que certa mera eleição; porque está formada por circunstâncias peculiares, por ocasiões, temperamentos e disposições, por costumes morais, civis e sociais das pessoas, que se vão revelando ao longo do tempo. É uma vestimenta que se adapta por si só ao corpo. Não é um preceito de governo fundamentado em prejuízos cegos e sem sentido. Porque o homem é, ao mesmo tempo, o ser mais sábio e mais ignorante. O indivíduo pode ser idiota; a massa é idiota também, quando age sem deliberação. Mas a espécie é sábia; e quando, como espécie, se concede a ela o tempo necessário, quase sempre atua de maneira adequada”.

Refletindo sobre essas questões, sobre como nosso país, engolfado pela demagogia e pelo populismo, agarrou-se à certeza mentirosa de que é possível construir uma verdadeira nação apenas com discursinhos repletos de logorréia e promessas fantasiosas, reencontrei este artigo que Olavo de Carvalho escreveu em 2003 e que coloca a única lei que pode nos arrancar da idiotia, da manipulação demagógica: “A língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois”.

O ORGULHO DO FRACASSO

Olavo de Carvalho

[O Globo, 27 de dezembro de 2003]

“O world, thou choosest not the better part!” – George Santayana

Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.

Mas, se esses elementos podem servir à humanidade, é porque serviram eminentemente ao povo que os criou; e lhe serviram porque não traduziam somente suas preferências e idiossincrasias, e sim uma adaptação feliz à ordem do real. A essa adaptação chamamos “veracidade” – um valor supralocal e transportável por excelência. As criações de um povo podem servir a outros povos porque elas trazem em si uma veracidade, uma compreensão da realidade – sobretudo da realidade humana – que vale para além de toda condição histórica e étnica determinada.

Por isso esses elementos, os mais distantes de todo interesse econômico, são as únicas garantias do êxito no campo material e prático. Todo povo se esforça para dominar o ambiente material. Se só alguns alcançam o sucesso, a diferença, como demonstrou Thomas Sowell em Conquests and Cultures, reside principalmente no “capital cultural”, na capacidade intelectual acumulada que a mera luta pela vida não dá, que só se desenvolve na prática da língua, da religião e da alta cultura.

Nenhum povo ascendeu ao primado econômico e político para somente depois se dedicar a interesses superiores. O inverso é que é verdadeiro: a afirmação das capacidades nacionais naqueles três domínios antecede as realizações político-econômicas.

A França foi o centro cultural da Europa muito antes das pompas de Luís XIV. Os ingleses, antes de se apoderar dos sete mares, foram os supremos fornecedores de santos e eruditos para a Igreja. A Alemanha foi o foco irradiador da Reforma e em seguida o centro intelectual do mundo – com Kant, Hegel e Schelling – antes mesmo de constituir-se como nação. Os EUA tinham três séculos de religião devota e de valiosa cultura literária e filosófica antes de lançar-se à aventura industrial que os elevou ao cume da prosperidade. Os escandinavos tiveram santos, filósofos e poetas antes do carvão e do aço. O poder islâmico, então, foi de alto a baixo criatura da religião – religião que seria inconcebível se não tivesse encontrado, como legado da tradição poética, a língua poderosa e sutil em que se registraram os versículos do Corão. E não é nada alheio ao destino de espanhóis e portugueses, rapidamente afastados do centro para a periferia da História, o fato de terem alcançado o sucesso e a riqueza da noite para o dia, sem possuir uma força de iniciativa intelectual equiparável ao poder material conquistado.

A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas.

O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas – a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados – são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.

As escolhas, dizia L. Szondi, fazem o destino. Escolhendo o imediato e o material acima de tudo, o povo brasileiro embotou sua inteligência, estreitou seu horizonte de consciência e condenou-se à ruína perpétua.

O desespero e a frustração causados pela longa sucessão de derrotas na luta contra males econômicos refratários a todo tratamento chegaram, nos últimos anos, ao ponto de fusão em que a soma de estímulos negativos produz, pavlovianamente, a inversão masoquista dos reflexos: a indolência intelectual de que nos envergonhávamos foi assumida como um mérito excelso, quase religioso, tradução do amor evangélico aos pobres no quadro da luta de classes. Não podendo conquistar o sucesso, instituímos o ufanismo do fracasso. Depois disso, que nos resta, senão abdicarmos de existir como nação e nos conformarmos com a condição de entreposto da ONU?

julho 03, 2013

Ideologia e azedume em Lima Barreto


No Rascunho deste mês, analiso Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto. Leiam um trecho:

O que ressalta é o abismo a separar a vontade da ação, o projeto de “literatura militante” das obras em que amor, compreensão entre os homens e felicidade nunca se concretizam. O que sobressai é o iniludível vitimismo, no qual as personagens às vezes até conseguem captar a medida de responsabilidade que tiveram em seus destinos, mas sem jamais lograr verdadeiras mudanças.
 
Para os que desejarem, a íntegra do texto está aqui. A ilustração é de Carolina Vigna-Marú.

julho 02, 2013

Olavo de Carvalho e a síntese do marxismo enquanto ciência e técnica revolucionária

Quem acredita que, no vídeo abaixo, Olavo de Carvalho faz apenas uma análise da atual conjuntura política brasileira, se surpreenderá agradavelmente. Os 64 minutos da aula conformam uma síntese do que representa o marxismo enquanto ciência e técnica revolucionária, bem como da evolução do pensamento revolucionário marxista até, pelo menos, Ernesto Laclau. Mas não só. Olavo de Carvalho também mostra:

a) por que o marxismo deve ser estudado como uma cultura – e não como simples escola de princípios econômicos;

b) por que o comunismo é o único movimento político mundial que, apesar de diferenças internas, permanece unificado há mais de um século;

c) quais os pontos essenciais para se compreender a ação política da esquerda;

d) quais os objetivos genéricos da esquerda – e por que eles permanecem genéricos;

e) quais as possibilidades de ação revolucionária que estão colocadas pela esquerda hoje no Brasil, das mais simples às mais radicais;

f) como as lideranças esquerdistas se incluem na classificação de patologias psíquicas elaborada por Andrzej M. Lobaczewski em seu livro Political Ponerology (A Science on the Nature of Evil Adjusted for Political Purposes);

g) de que forma os discursos esquerdistas podem ser intelectualmente desprezíveis (a “estupidez astuta”) mas eficazes enquanto estímulo à militância;

h) e, nos dez minutos finais, quais passos devem ser seguidos por quem realmente deseja se contrapor à esquerda.
 
Aprendam: