Livrei-me do
inverno de minha alma há dois anos. E da escuridão. E também de certa
perplexidade angustiada, de quem olha o mundo, as pessoas e diz a si mesmo que
não é possível que tudo seja, ao final, apenas vazio, apenas nada. E que
estrela após estrela, cada vez mais longe na viagem noturna, reste apenas um
antifinal, vazio ininterrupto. Noite após noite, com a insônia vencida graças à
antiga oração – a mesma que ouvia meu pai balbuciar em seu quarto –, desfolhei
as camadas do mistério, adentrei os cômodos empoeirados, subi a pequena escada
suja, repleta de insetos mortos, e encontrei meu coração. Inveni cor meum. Ele palpitava à minha frente, minúsculo, frágil,
infartado. Escondido na urna que queimava sem se consumir. Guardaste meu
coração, Senhor, em Teu coração. Guardaste meu segredo em Teu segredo.
Escondeste a minha dor na Tua imorredoura piedade pelos homens. Então me
ofereceste o centro da minha vida, que já não era mais meu, que já não batia
mais por minha vontade ou graças ao pulsar do meu sangue, mas era agora parte
de Ti. Ou me resignava ao vazio – ou aceitava o Teu dom, que ainda era eu, mas
estava longe de ser o que eu fora, pois já se consumia, sem que eu soubesse, no
fogo do Teu amor. E eu o aceitei, Senhor. O que me sustenta, então, agora
também me consome. Nada mudou. Tudo mudou. E meu coração, preso ao Teu, leva-me
para longe da infância, longe das “ondas agitadas por todo vento de doutrina,
pela artimanha dos homens e pela astúcia que conduz ao erro”. Leva-me sempre, a
cada manhã. E quando os ventos querem trazer-me de volta à praia repleta de
escolhos, vem o Sopro, o Murmúrio de uma brisa suave – e faço-me ao largo,
enquanto meu coração vibra no Teu coração, como nos dias da juventude, quando
lia o romance de Conrad e rezava, solitário, na capelinha do Carmelo. Vem a
cada instante, Senhor, com Teu coração que incendeia o meu, expulsando “o
sangue velho dos avós” e seduzindo-me a permanecer em Ti. Inveni cor meum, ut orem Deum meum. Et ego inveni cor regis, fratris et
amici benigni Jesu. Et nunquid non adorabo? Orabo utique. Cor enim illius mecum
est, audacter dicam, si, imo quia caput meum Christus est.
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junho 15, 2012
maio 01, 2012
O segredo do Papa Ratzinger
“À fé nula ou
escassa de tantos homens de hoje, nas missas banalmente reduzidas a abraços da
paz e assembleias solidárias, o papa Bento XVI oferece a fé substancial em um
Deus que se faz realmente próximo, que se deixa tocar e comer.”
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abril 28, 2012
A ditadura do pensamento débil e a Igreja
“Sua mera
existência [da Igreja Católica] como ‘metarrelato’, como visão densa do mundo, que utiliza ainda um
conceito forte de verdade objetiva, resulta
intolerável numa atmosfera intelectual presidida pelo pensamento débil, pela
desconstrução pós-moderna, pela ‘ditadura do relativismo’ e pela convicção de
que a crença em absolutos é sinônimo de fundamentalismo e intolerância.”
abril 24, 2012
Só uma coisa é sempre mortal
“Quando, depois
de muitas mortes, morremos pela última vez, então nesse ato de vida suprema a
existência deixou de morrer. Só uma coisa é sempre mortal: não querer morrer
enquanto se vive. Toda morte realizada voluntariamente é origem de vida.”
— Hans Urs von Balthasar
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abril 16, 2012
A reconquista da alegria
Pensamentos de
Bento XVI extraídos do excelente artigo de Andrea Monda, “Un Papa raro: con ‘sentido del humor’”:
“Toda a minha
vida está atravessada sempre por um fio condutor que é o seguinte: o
cristianismo da alegria alarga os horizontes.”
“Se hoje a
humildade foi desacreditada como virtude, não será de todo supérfluo observar
que esse descrédito coincide com a grande regressão da alegria na literatura e
na filosofia contemporâneas.”
“O elemento
constitutivo do cristianismo é a alegria. Alegria não no sentido de uma
diversão superficial, cujo fundo pode ser também a desesperação.”
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setembro 30, 2011
O “nós” que não faz de nós mesmos o critério absoluto
Uma coisa é
estar pessoalmente com Cristo, com o Deus vivo; a outra é que temos
possibilidade de acreditar sempre e só no “nós”. Às vezes, digo que São Paulo
escreveu: “A fé vem da escuta”, não da leitura. Há necessidade também de ler,
mas a fé vem da escuta, isto é, da palavra viva, das palavras que os outros me
dirigem a mim e que posso ouvir; das palavras da Igreja através de todos os
tempos, da palavra que atualmente me dirige por meio dos sacerdotes, dos bispos
e dos irmãos e das irmãs. Faz parte da fé o “tu” do próximo, e faz parte da fé
o “nós”. E precisamente a exercitação no suportar-se mutuamente é muito
importante; aprender a acolher o outro enquanto tal na sua diferença, e
aprender que ele também deve suportar-me a mim na minha diferença, para nos
tornarmos um “nós”, a fim de podermos um dia também na paróquia formar uma
comunidade, chamar as pessoas para entrarem na comunhão da Palavra e caminharem
juntas para o Deus vivo. Faz parte disto o “nós” muito concreto que é o
Seminário, como o será a paróquia, mas sempre também o olhar para mais além do “nós”
concreto e limitado, ou seja, para o grande “nós” da Igreja de todo o lugar e
de todo o tempo, a fim de não fazermos de nós mesmos o critério absoluto.
Quando dizemos “nós somos Igreja”, dizemos certamente a verdade: somos nós, não
uma pessoa qualquer. Mas o “nós” é mais amplo do que o grupo que o está
dizendo. O “nós” é a comunidade inteira dos fiéis: os de hoje e os de todos os
lugares e de todos os tempos. E não me canso de repetir ainda: é verdade que,
na comunidade dos fiéis, existe por assim dizer o juízo da maioria efetiva, mas
não pode jamais haver uma maioria contra os Apóstolos e contra os Santos: isso
seria uma maioria falsa. Nós somos Igreja. Pois bem, sejamo-lo! Sejamo-lo
precisamente no abrirmo-nos ultrapassando-nos a nós mesmos e no estarmos juntos
com os outros.
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setembro 08, 2011
A bondade é mais interessante que a maldade
Uma frase da
escritora Anne Rice, publicada por certo amigo no Facebook, revela, de maneira
indireta, qual o senso comum destes dias, inclusive entre escritores. Para
Rice, “é triste que não possamos fazer a bondade ser tão interessante quanto a
maldade”. A autora, conhecida por suas tramas de vampirismo – e que teria voltado
à Igreja Católica em 1998 –, mostra-se melancólica em relação ao fato de a
temática do bem não produzir tantos adeptos quanto a literatura que narra o
mal. Teríamos nos acostumado à maldade? E estaríamos realmente impedidos de transformar
a bondade num tema capaz de despertar interesse?
Esse é o
problema da rápida reflexão de Anne Rice: ela só exprime o senso comum. Pois, como
respondi a meu amigo, a bondade é mais interessante que a
maldade. A verdade parece ser o contrário apenas porque somos massacrados – do
noticiário à literatura – por todas as formas de mal, dia após dia. Nossa
cultura niilista, devota do pessimismo, insiste em nos apresentar o mal como a regra
de todos os homens – e exatamente por esse motivo nada, absolutamente nada,
pode ser mais entediante do que a maldade.
Se o homem
contemporâneo é descrito por muitos como a figura do egoísmo, do vazio e da
frivolidade, se a vilania tornou-se vitoriosa na ficção, em parte da poesia e,
se acreditarmos no que diz a mídia, também na realidade, isto se deve ao
cinismo que a cultura erudita do século XX elevou à categoria de deus. Mas se
dermos ao homem enfadado pela maldade um só gesto, uma só página de bondade, ele
se sentirá renovado, quando não desorientado, pois a bondade – neste mundo que aparentemente
cultua o mal – inquieta, perturba, estimula.
junho 28, 2011
Muito além do falso humanismo
Às vezes tenho a alegria de encontrar um texto que, por suas inúmeras qualidades, gostaria de ter escrito. Raras pessoas apresentam, nos dias de hoje, lucidez para abandonar a lógica do senso comum. Aliás, na maioria dos casos, desconfio que não se trata de falta de inteligência, mas, sim, de covardia mesmo. Poucos têm coragem de se contrapor às mentiras, aos chavões e à soberba epistêmica que dominam os discursos na mídia, na política e nas universidades. E se não há coragem, a inteligência também claudica, fraqueja – e torna-se mais cômodo pensar como todos pensam, seguir a torrente de sofismas chamada, com doçura hipócrita, de “politicamente correto”.
Não é o caso do artigo que publico a seguir. Ele rompe com os artificialismos da lógica atualmente hegemônica, vira-a pelo avesso, e mostra como um pensamento limitado pode ter um discurso convincente – mas jamais, jamais representará a verdade. Ele denuncia a mediocridade e a pequenez do humanismo que hoje encontramos na mídia, na Web, nos chamados movimentos sociais e nas rodinhas de intelectuais; e mostra como a mais execrada das mensagens – execrada por ser radicalmente libertadora – recusa as soluções simplistas e superficiais, guarda uma universalidade insuperável e permanece incólume através dos séculos.
O texto foi publicado no blog Contos do Átrio. Ao seu perspicaz e, infelizmente, anônimo autor, ofereço minha sincera admiração.
Se é “católico”, dispensa adjetivos
A tendência secular hoje é celebrar a diversidade por si só, como se a existência das diferenças fosse por ela mesma algo a se comemorar, e não uma obviedade da raça humana.
É evidente que somos diferentes e que a possibilidade de expressarmos nossas diferenças é uma coisa boa. Mas isso é muito mesquinho e pequeno perto da proposta do cristianismo, que se propõe católico, isto é, universal. E exigir do cristianismo que ele também celebre essas diferenças é podar o cristianismo, tirando sua radicalidade. Transforma-o numa carta de boas intenções que qualquer ONG ou instituição humanitária teria, com suas propostas geralmente óbvias como é óbvia a diversidade humana.
O cristianismo só pode ser universal, logo o único adjetivo que suporta é “católico”. Celebrar diferenças é exatamente o que não pode acontecer no cristianismo. Se o cristianismo olhar para as diferenças, ele simplesmente desaba.
Foi precisamente essa a discussão no Concílio de Jerusalém, narrado nos Atos dos Apóstolos. No começo do cristianismo, contrapunham-se as tendências judaizante – centrada na manutenção de algo da lei judaica, com destaque para a circuncisão – e helenizante, que igualava judeus e estrangeiros e tirava a importância da circuncisão. Segundo o historiador Daniel-Rops, esse debate moldou o cristianismo como ele é logo no primeiro século. Enquanto se diferenciavam os judeus dos gentios, o cristianismo não alcançava seu potencial inicial.
O desafio do cristão não é acolher o homossexual, o negro, o pobre. É acolher o próximo independentemente de ele ser homossexual, negro, pobre ou estrangeiro. Há aí uma diferença sutil, que passa batida, na palavra “independentemente”: se esse rótulo não importa, ressaltá-lo é justamente o que lhe dá importância.
É por isso que o cristianismo é mais feminista do que as feministas, mais “homossimpatizante” do que os LGBTTT, mais social do que os socialistas, mais libertador do que os libertários, mais avançado do que os progressistas, muito mais humano do que os humanistas. O cristianismo é próximo. Rebaixou Deus à dignidade do homem e elevou o homem à proximidade de Deus. Colocar qualquer outro adjetivo que ressalta diferenças – feminista, dos pobres, dos negros, sertaneja, campesina ou o que seja – mutila o cristianismo.
E isso é bíblico. Há uma pilha de tradições cristãs e passagens bíblicas que elimina qualquer diferenciação no cristianismo e chama todos à unidade, porque a verdade só pode ser uma só.
Também é repleto de fundamento bíblico o fato de que o cristianismo aceita a todas as pessoas porque rejeita todos os vícios. Os vícios acentuam a cegueira que leva as pessoas a ab-rogarem a autoridade – de Deus – para dizerem quando e em quê devem fazer o bem aos outros, o que é de uma ingenuidade tremenda. Mal sabemos quando fazemos o bem a nós mesmos; imagina se vamos saber se fazemos o bem aos outros. O cristianismo que aceitasse vícios não reuniria comunidades, só seria um fingimento, um engodo de união entre as pessoas.
Por isso, a invenção de um cristianismo que aceita o pecador sem rejeitar seu pecado – invocando aquela famosa passagem bíblica da pecadora que seria apedrejada – não tem qualquer lógica. É a ridicularização do cristianismo. Se os vícios não forem abandonados, não é possível amar o próximo sob um dos maiores mandamentos, como escrito em Mateus 22, 36, Marcos 12, 28 e João 14,15, e em tantos outros textos bíblicos. Não existe cristianismo sem eles.
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maio 16, 2011
Cultura, tradição e cristianismo
“Desde suas origens, o cristianismo – a experiência do encontro com Cristo vivo e ressuscitado, e da redenção – se relacionou, de maneira estreitíssima, com a cultura, com a criação e a articulação da cultura. Não poderia ser de outro modo: se Jesus é o Senhor, e se a comunhão com Ele, vivida como experiência humana na comunhão da ekklesia, é o início do Reino dos Céus – ou seja, o cumprimento de todas as promessas que Deus fez ao homem e de todas as esperanças do coração humano –, então quem se encontra com Cristo adquire, na experiência mesma desse encontro e de vir a ser ‘igreja’, uma certeza que afeta decisivamente a compreensão de si mesmo e dos demais, de todas as relações e de todas as atividades humanas. Essa certeza também afeta, decisivamente, a compreensão e a configuração do tempo e do espaço, afeta a relação com toda a realidade. E a cultura é precisamente isso: o modo como os homens – o sujeito da cultura é sempre uma comunidade, um povo – compreendem, vivem, articulam e expressam, em textos de diversos tipos (textos escritos, cantados ou esculpidos, ou textos configurados na criação de liturgias e instituições, na práxis da vida cotidiana), a experiência e a compreensão que têm da realidade e de sua própria relação com a realidade. Outro nome para designar a cultura assim compreendida é a palavra ‘tradição’. Uma cultura é sempre uma tradição, e uma tradição se expressa sempre culturalmente.” – Dom Javier Martínez Fernández, Arcebispo de Granada
“Uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada e nem com fidelidade vivida.” – Beato João Paulo II
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