maio 17, 2007


Efêmera felicidade


Na edição deste mês do Rascunho, escrevo sobre o romance A trégua, de Mario Benedetti (foto). Um belo romance, sob vários aspectos, do qual recomendo a leitura.

maio 12, 2007

Não é um pesadelo


A situação absurda, na qual o desfecho favorável torna-se cada vez mais impossível, não é privilégio da literatura. O cotidiano está repleto de acontecimentos destituídos de sentido, verdadeiros despautérios. Talvez por essa razão as obras de Franz Kafka – escritor judeu tcheco que escrevia em alemão, falecido aos 40 anos, em 1924 – estejam publicadas em centenas de línguas: lemos nessas histórias muito do que enfrentamos em nossas vidas. São, guardadas as devidas proporções, espelhos do nosso dia-a-dia.

Eu próprio vivo uma situação kafkiana há vários anos. Moro defronte aos fundos de uma tradicional escola paulistana, o Colégio Santa Amália, cuja mantenedora é a conhecidíssima Liga das Senhoras Católicas. Quando decidi mudar-me para este apartamento, levei em consideração a proximidade do metrô, a padaria da esquina, o relativo silêncio do prédio – habitado por uma maioria de idosos – e, claro, os valores do aluguel e do condomínio, que me pareceram baixos, se comparados aos preços de mercado. Lembro-me de, em minha primeira visita, ter observado as crianças correndo e gritando no pátio e nas quadras, mas considerei a cena e o barulho perfeitamente aceitáveis. Contudo, antes de assinar o contrato, deveria ter me lembrado daquele sábio provérbio popular: “O barato sai caro”.

Não era à toa que o apartamento estava sem inquilinos há anos. O barulho produzido pela escola vai muito além dos gritos infantis durante os intervalos. As atividades cívicas, as festas, as gincanas, os campeonatos – tudo transcorre sob a minha janela. Às quintas-feiras, pontualmente às 7 horas, canta-se o hino nacional. Ou melhor, toca-se o hino, numa gravação que deve ter um coral de mil vozes, no último volume, enquanto as caixas acústicas da quadra repercutem a música por todo o quarteirão. Trata-se de um amanhecer forçadamente cívico, que me transforma num patriota mal-humorado. A saída dos alunos – no final dos períodos da manhã e da tarde – é comandada por funcionários que, no portão, usando um microfone, avisam as crianças, uma a uma, sobre a chegada dos pais. Assim, diariamente, sou obrigado a acompanhar duas fastidiosas ladainhas, declamadas pelas vozes enfadonhas dos funcionários e repercutidas pelas mesmas caixas acústicas. Há também a campainha estridente, que marca, a cada 40 minutos, o final da aula, inclusive no período noturno e nos finais de semana, pois nunca é desligada. Há as torcidas organizadas durante os campeonatos, com suas cornetas e seus gritos de guerra. E os discursos monótonos da diretora, as orientações do professor de educação física, as festinhas de final de ano, as formaturas, os ensaios de quadrilha para as datas juninas... Enfim, a escola vive dentro do meu apartamento. Ou melhor: vibra no interior do meu cérebro.

No entanto, acreditem, sou um homem magnânimo. Compreendo que vivemos em um país subdesenvolvido, onde os princípios da cidadania e do respeito aos direitos em geral inexistem. Se não estivesse no Brasil, mas em um país no qual as pessoas se preocupam em não incomodar a vida alheia, esse tipo de problema já estaria solucionado.

Minha capacidade de ser indulgente termina, entretanto, quando, em pleno sábado, às nove da manhã, o amplificador é ligado e um funcionário irresponsável passa meia hora fazendo testes de som e provocando uma intermitente microfonia. E me revolto ao telefonar para a escola e ser atendido por um rapaz muito despachado, que ri da minha reclamação. E sinto nascer em meu peito uma fúria desagradável ao descobrir, em certo domingo, logo cedo, que a quadra foi cedida para um grupo religioso e serei forçado a participar, durante todo o dia, de um culto maçante, ouvindo cânticos que nada me dizem e o longo sermão de um padre cuja melhor característica está longe de ser a inteligência.

Não, não é um pesadelo nem um conto de Kafka, mas apenas o desvelo da Liga das Senhoras Católicas com a educação brasileira – acompanhado de um estranho menosprezo pelos vizinhos da escola.

(Crônica publicada na edição de 20 de abril de 2007 do jornal Bom Dia Jundiaí.)

maio 11, 2007


Blanca Varela


Vencedora do Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, a poeta peruana Blanca Varela (foto) talvez nem chegue a ter consciência de que foi a ganhadora, pois, infelizmente, sofreu um acidente vascular cerebral há alguns meses. Blanca recebeu, em 2001, o Prêmio Octavio Paz de Poesia e Ensaio, e, em 2006, o Prêmio Cidade de Granada. Abaixo, três de seus poemas:

ASÍ SEA

El día queda atrás,
apenas consumido y ya inútil.
Comienza la gran luz,
todas las puertas ceden ante un hombre
dormido,
el tiempo es un árbol que no cesa de crecer.

El tiempo,
la gran puerta entreabierta,
el astro que ciega.

No es con los ojos que se ve nacer
esa gota de luz que será,
que fue un día.

Canta abeja, sin prisa,
recorre el laberinto iluminado,
de fiesta.

Respira y canta.
Donde todo se termina abre las alas.
Eres el sol,
el aguijón del alba,
el mar que besa las montañas,
la claridad total,
el sueño.


EN LO MÁS NEGRO DEL VERANO

El agua de tu rostro
en un rincón del jardín,
el más oscuro del verano,
canta como la luna.

Fantasma.
Terrible a mediodía.
A la altura de los lirios
la muerte sonríe.
Sobre una pequeñísima charca,
ojo de dios,
un insecto flota bocarriba.
La miel silba en su vientre
abierto al dedo del estío.

Todo canta a la altura de tu rostro
suspendido como una luz eterna
entre la noche y la noche.

Canta el pantano,
arden los árboles,
no hay distancia,
no hay tiempo.

El verano trae lo perdido,
el mundo es esta calle de fuego
donde todas las rosas caen y vuelven a nacer,
donde los cuerpos se consumen
enlazados para siempre
en lo más negro del verano.

En un rincón del jardín
bajo una piedra canta el verano.
En lo más negro,
en lo más ciego y blanco,
donde todas las rosas caen,
allí flota tu rostro,
fantasma,
terrible a mediodía.


ESCENA FINAL

he dejado la puerta entreabierta
soy un animal que no se resigna a morir

a eternidad es la oscura bisagra que cede
un pequeño ruido en la noche de la carne

soy la isla que avanza sostenida por la muerte
o una ciudad ferozmente cercada por la vida

o tal vez no soy nada
sólo el insomnio y la brillante indiferencia de los astros

desierto destino
inexorable el sol de los vivos se levanta
reconozco esa puerta
no hay otra

hielo primaveral
y una espina de sangre
en el ojo de la rosa.

maio 08, 2007


Bungaku!


Aceitei, com prazer, o convite para participar de um blog - Bungaku! - dedicado à literatura do Japão. O espaço foi idéia do Prof. Dr. Tsuyoshi Takamatsu e de sua aluna, Sara F. Costa, ambos do Centro de Estudos Orientais da Universidade do Minho, em Portugal.

Minha primeira contribuição foi uma resenha sobre o romance "Adeus, Tsugumi", da escritora Banana Yoshimoto, que ainda não foi lançado no Brasil.

O blog, que dá os primeiros passos, oferece vários artigos interessantes, além de links inusitados, verdadeiras surpresas. Vale conferir.