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novembro 22, 2014

O bom escritor sabe que é impossível ser genial o tempo inteiro

O que move o bom escritor é apenas o desejo de contar sua história da melhor forma possível
Em Os Testamentos Traídos, Milan Kundera conta a história do seu professor de música, um judeu perseguido pelos nazistas que, antes de partir para o Campo de Concentração de Terezin, é obrigado a mudar de uma residência a outra, sempre levando consigo seu pequeno piano.

Esse professor, certo dia, no final da aula, diz ao menino: “Há muitos trechos surpreendentemente fracos em Beethoven. Mas são os trechos fracos que dão destaque aos trechos fortes. É como um campo sem o qual a bela árvore que nele cresce não nos daria prazer”.

Ora, não é assim com as obras literárias? Não é assim com o conjunto da obra de um escritor?

Quando alguém começa a escrever, sonha em criar obras indispensáveis, perfeitas e inovadoras em seus mínimos detalhes — mas essa preocupação muitas vezes inibe sua criatividade e estraga o que poderia ser espontâneo.

O bom escritor, ao contrário, sabe que é impossível ser genial o tempo inteiro. Sabe também que a chamada originalidade é uma quimera.

Aliás, o que move o bom escritor é apenas o desejo de contar sua história da melhor forma possível. Assim ele planta seu campo, de forma espontânea — e ali podem surgir algumas árvores raras.

julho 22, 2013

“Surda ao implacável relógio da atualidade” – a crítica literária segundo Milan Kundera

“Nunca falarei mal da crítica literária. Pois nada é pior para um escritor do que se defrontar com sua ausência. Refiro-me à crítica literária em seu aspecto de meditação, de análise; da crítica literária que sabe ler várias vezes o livro do qual quer falar (como uma grande música que podemos reescutar infinitamente, também os grandes romances são feitos para leituras repetidas); da crítica literária que, surda ao implacável relógio da atualidade, está pronta a discutir as obras nascidas há um ano, trinta anos, trezentos anos; da crítica literária que tenta captar a novidade de uma obra para deste modo inscrevê-la na memória histórica. Se uma tal meditação não acompanhasse a história do romance, hoje nada saberíamos sobre Dostoiévski, sobre Joyce ou sobre Proust. Sem ela, toda a obra está entregue aos julgamentos arbitrários e ao esquecimento rápido. [...] A crítica literária, imperceptivelmente, inocentemente, pela força das coisas, pela evolução da sociedade, da imprensa, transformou-se em uma simples (muitas vezes inteligente, sempre apressada) informação sobre a literatura da atualidade.” (Milan Kundera, em Os testamentos traídos.)

setembro 04, 2012

Coelho Neto: perseguido, mas brilhante

Em meu ensaio deste mês no jornal Rascunho, analiso o romance Turbilhão, de Coelho Neto, obra-prima desse autor injustamente perseguido e massacrado por grande parte da crítica literária nacional. A respeito do estilo de Coelho Neto, podemos, sem exagero, lembrar o que Milan Kundera fala, no ensaio “Improviso em homenagem a Stravinski” (em Os testamentos traídos), referindo-se à escolha de Johann Sebastian Bach pela polifonia pura, o que Kundera chama de “recusa tácita do futuro”:

a História não é necessariamente um caminho ascendente (em direção ao mais rico, ao mais culto), [...] as exigências da arte podem estar em contradição com as exigências do dia (dessa ou daquela modernidade) e [...] o novo (o único, o inimitável, o que nunca foi dito) pode ser encontrado numa direção diferente daquela traçada por aquilo que todo mundo sente como progresso. Com efeito, Bach pôde ler na arte dos seus contemporâneos e dos mais jovens do que ele um futuro que deveria parecer, a seus olhos, uma queda.