novembro 15, 2014

Literatura não é geração espontânea

Ler bons escritores e aprender com eles não significa copiá-los a vida inteira
Entre 2011 e 2012, um jovem amigo me procurou para falar sobre o curso que havia feito: um workshop de criação literária, cujo professor era — ainda é — um escritor de fama razoável. Notei, ao telefone, que havia certa urgência na voz dele; e marcamos um café para o dia seguinte.

Meu amigo estava angustiado. Como todo o jovem que escreve e deseja se aperfeiçoar, ele queria mais do que um curso: queria um norte, alguém experiente que lhe dissesse “siga por aqui”. Mas o workshop, que havia durado 4 horas, fora decepcionante.

Logo que sentamos à mesa, ele disse: “Sabe como o curso começou? Sabe qual foi a primeira coisa que ele falou?”. Eu respondi: “O quê?”. Meu amigo, com os olhos saltando e a boca cheia de indignação: “Ele foi para o meio da classe, ergueu os braços e falou como se fosse Moisés no alto do Monte Sinai: — Esqueçam tudo que vocês leram até hoje! Esqueçam todos os escritores que existiram antes de vocês! Vocês são os primeiros escritores na face da Terra! E hoje vão aprender que não existe, nunca existiu e jamais existirá um escritor melhor do que vocês!”. Eu já estava rindo, mas respondi: “Não acredito...”.

Os detalhes do cursinho, alguns insanos, não cabem aqui. Mas depois do café, no metrô de volta para casa, comecei a pensar em tudo. Não era possível que um escritor se dispusesse a começar seu workshop enganando os alunos. Aquela proclamação inicial não havia sido um conjunto de frases de efeito — ele realmente insistiu que os jovens deveriam parar de ler, pois “não podiam seguir modelos”.

Quando desci na estação perto de casa, já havia planejado o meu próprio workshop. Foi assim que nasceu o curso Bases da Criação Literária e todos os outros: com o objetivo de ir na contramão do que se ensina atualmente; mostrar aos alunos que não é possível começar do nada; que literatura não é geração espontânea; que ler os bons escritores e aprender com eles não significa copiá-los a vida inteira. E, principalmente, que existem forças, elementos que estão sempre presentes quando escrevemos — e ter consciência deles amplia o poder do escritor sobre o seu próprio processo criativo.

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