agosto 09, 2007


A questão do romance policial


Há um interessante diálogo correndo pela web, dedicado ao romance policial. Começou com o Leandro Oliveira apontando os aspectos que ele considera "fracos no gênero". Depois, Marco Polli, sem refutar os argumentos do Leandro, descreveu quatro pontos que, segundo ele, são características fortes desse tipo de narrativa. A seguir, Olívia Maia lembrou Todorov e Alexandre Soares Silva ofereceu uma ótima citação de G. K. Chesterton.

Decidi entrar na conversa por um simples motivo: o romance policial já me concedeu horas gratificantes de leitura. Raymond Chandler, Dashiell Hammett, P. D. James e, principalmente, George Simenon tornaram meus dias mais suportáveis, fizeram-me ver facetas inesperadas do real e do ser humano, e me ofereceram a oportunidade de estudar como um autor pode resolver os problemas que coloca para si mesmo – ao optar por determinado enredo, ao constituir uma personagem com estas ou aquelas características, etc. –, sem abdicar da preocupação de tecer sua própria voz, seu estilo, cuidando da linguagem e da trama, enfim, erguendo um pequeno universo que se sustenta por si mesmo.

No texto que dá início ao bate-papo, o Leandro aponta três problemas: 1. "São constituídos a partir de um único pilar"; 2. "a tendência de um mesmo personagem aparecer numa série de livros"; e 3. "a grande maioria dos livros policiais possuem um único foco".

Em minha opinião, inicialmente, fazem-se necessárias duas ponderações. Primeiro, acredito que os três problemas nem sempre são problemas. O fato de adquirirem a forma de um tropeço ou de uma qualidade depende do autor e das escolhas que ele faz. E, segundo, podem ser encontrados em qualquer tipo de romance. Ou seja, nenhum dos três pontos está necessariamente circunscrito ao romance policial.

Vejamos o primeiro. Há dezenas de autores que produzem suas histórias partindo de um único centro. E nem sempre falham. Aliás, inúmeros romances restringem sua trama a um único motivo condutor, e nem por isso são menores ou de má qualidade. Não oferecer subtramas nem sempre é um sinal de fraqueza. Muitos dos romances atuais, escritos em primeira pessoa, abarcam um universo restrito, e o drama se desenrola, algumas vezes, na consciência do narrador, em suas lembranças ou no que ele imagina, envolvendo um número pequeno de personagens e obrigando-os a se relacionarem principal ou exclusivamente com o narrador.

Quanto ao segundo ponto, há autores que nunca escreveram uma só linha do gênero policial, mas, ainda que não repitam os personagens, repetem os mesmíssimos narradores. Você salta de um livro a outro e o narrador está lá, com outro nome, com problemas diferentes, mas falando do mesmo jeito, utilizando as mesmas pausas, preferindo os mesmos verbos e enfocando os dramas com a mesma psicologia. Nesse caso, realmente é um defeito. Mas no que se refere aos romances policiais, a honestidade do autor em relação a seus leitores é exemplar. Quando você pega nas mãos um Simenon, sabe que as chances de se deparar com o comissário Maigret são imensas. E o autor não tenta esconder isso de você. Ao contrário, a cada livro nos mostra como Maigret é um homem de personalidade complexa, múltipla, que se repete em determinados aspectos – aliás, como todo ser humano se repete –, mas sem escamotear suas dúvidas e angústias.

Finalmente, no que se refere ao fato de os romances policiais se fixarem "em um único foco", ou seja, segundo o Leandro, se concentrarem ou no criminoso ou no detetive, essa observação também é relativa. Bons escritores podem optar por esse "único foco" e nos oferecer o mundo. E outros, alguns até mesmo geniais, não nos oferecem um foco específico, mas realizam o extremo oposto: uma narrativa que se espalha nas mais surpreendentes direções, algumas vezes sem nada concluir – uma opção que, em mãos inábeis, pode gerar um fracasso colossal.

Enfim, creio que os supostos defeitos listados pelo Leandro tornam-se qualidades nas mãos de um bom escritor, produza ele romance policial ou não. Ou podem ser defeitos, sim, mas isso independe do gênero. Talvez, se o Leandro optasse por nos mostrar exemplos, certamente concluiria que onde um autor errou, outro, ao optar pela mesma técnica narrativa, acertou em cheio.

NOTA (às 22h50 de sexta-feira, 10 de agosto) - O Babelia desta semana trata do romance policial: La novela policiaca vive un auge indiscutible. Prueba de ello son los aires de renovación que se perciben en España, el esplendor de la nueva narrativa negra francesa o la aparición de nuevos autores suecos, en la línea marcada por Maj Söjwal y Per Wahlöö o Henning Mankell. Lo negro experimenta, además, una afortunada contaminación de otros géneros con resultados muy potentes.

8 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto, Rodrigo. Rapaz, você não é o primeiro que fala do Simonon com ênfase. Eu, que me considero um leitor relativamente regular de policiais, confesso que nunca li.

Mais um para aquela lista interminável das futuras leituras...

Quem sabe em um feriadão...

digo disse...

Salve, Gregório! O Simenon tem várias características que me agradam, entre elas, o estilo conciso e um detetive com dúvidas éticas. Mas ele tem outros romances, nos quais o Maigret não aparece, qualificados pelo próprio Simenon como "duros", que são ótimos. Em termos de personagem, só o padre Brown, do Chesterton, se equipara a Maigret, em minha opinião, ainda que eles sejam díspares. E o Simenon tem outras qualidades que me agradam: além de ser um hedonista, tinha uma disciplina férrea para escrever. Vale a pena aumentar a "lista interminável" com ele. Forte abraço!

Anônimo disse...

Oi, Rodrigo, não venha apagar este comentário.

Queria aproveitar para pedir alguma recomendação sua sobre o P. James. Abraços.

digo disse...

Salve, Polli! Na verdade é a P. D. James. E baronesa! Dela, gostei muito de A torre negra e Morte no seminário. Espero que você aprecie o método de investigação do Adam Dalgliesh. Grande abraço!

Anônimo disse...

Como você viu, tenho total ignorância sobre tal pessoa, apenas a sigla era familiar, obrigado pelas dicas. Bom fim de semana.

digo disse...

Marco, meu caro: não se preocupe. O nome abreviado realmente dá margem a esse tipo de confusão. Obrigado e bom final de semana!

Lucía disse...

Rodrigo, tomei a liberdade de traduzir o teu post para o espanhol e publiquei-o no meu blog. Espero que nâo fiques zangado. Senâo posso apagar.
Posso fazer uma recomendaçao para o Marco Polli?: leja "Nào apto para mulheres" e "A máscara da caveira" da P.D. James.
Obrigada e um abraço.

digo disse...

Lucia, minha querida: obrigado por seu gesto de amizade! Fico orgulhoso de ver este post na língua de meus avós. E tenho certeza que o Marco aproveitará bem as suas indicações. Grande abraço!