agosto 02, 2007


Diálogo com Rilke



Ao levantar os olhos do livro, das linhas próximas, e
ao deixar de vê-las
para contemplar a noite perfeita:
Oh! Os sentimentos pressionados se dispersam quais
estrelas,
como a fita de um maço
de flores desfeita.

Juventude suave, e severa, árdua indecisão,
ardores e arqueamentos delicados –
Por toda a parte o desejo de corresponder e em parte
alguma a ambição;
Terra suficiente, mundo demasiado.


[Tradução de
Marco Lucchesi, em Poemas à noite, Editora Topbooks.]


Há uma falsa idéia nesse poema de Rilke: a de que ele fala dos sentimentos e das sensações próprios da juventude. Talvez ele se refira apenas à juventude, mas prefiro pensar diferente. Primeiro, porque o "desejo de corresponder" e a "ambição" não me parecem antagônicos. E também por não acreditar que, quando somos jovens, a ambição inexiste. No entanto, é claro que o poeta trata de um outro tempo, e de uma cultura distante da nossa.

De qualquer maneira, o poema me agrada, pois, se ele expressa verdades típicas da juventude, então todos nós, leitores, permanecemos jovens. Não há leitor que, ao erguer os olhos do livro e contemplar a natureza, a vida ao seu redor, não sinta a tensão se diluir, seja porque descobriu dentro de si aquela certeza que reafirma o conteúdo da leitura, seja porque, desviando-se das idéias que o absorvem, ele acorda para o fato de que o pulsar da existência ultrapassa a sua angústia, subverte suas preocupações, tornando as dúvidas pequenas, quase sem importância.

Na verdade, o poema descreve essa atividade de contração e relaxamento que o ato de ler proporciona – toda ciência nasce de uma busca empreendida na intimidade, no silêncio, sendo, logo a seguir, referendada, negada ou redimensionada pelo real. Às vezes, ocorre o inverso. Mas sem o livro – seja ele o objeto onde espelhamos nossa experiência, seja ele o ponto a partir do qual repensamos o viver –, sem o livro, sem a possibilidade da comparação, da analogia, seríamos menores.

No que se refere estritamente à ficção, quantas gerações levaríamos para conhecer os vícios que Balzac nos mostra em um único romance? E quantas vezes, ao sermos apresentados a alguém, não ganha vida diante de nós um José Dias e seus superlativos? Ou até mesmo Conceição, ainda que sem as "chinelinhas da alcova"? E, pelo fato de conhecê-la, não se concretiza então a possibilidade de rompermos a lógica do conto e, astuciosamente, agirmos de maneira contrária à do imaturo Nogueira?

Poder compulsar a experiência humana, identificando-nos ou não com os personagens, as cenas e as idéias que os livros nos oferecem, permite que a vida continue sendo suficiente – e o mundo não nos esmague com seu excesso.

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