novembro 06, 2013

O mercado é uma questão de educação e cultura

Em artigo recente, “O mercado é uma questão de língua”, Hugo Gonçalves aponta as dificuldades culturais supostamente causadas pelas diferenças – na sintaxe e no vocabulário – entre o português brasileiro e o de Portugal.

Ao contrário do que aponta o artigo, penso que a lusofonia não é uma ilusão. A ilusão está toda na idéia de que, no Brasil, há leitores. Mas não há. E a maioria dos existentes não consegue ler uma legenda de filme na velocidade necessária. Num país assim, as diferenças entre um português e outro ganham, é evidente, perfil monstruoso.

O problema fica claro quando Girão cita as edições do livro O Retorno, da ficcionista Dulce Maria Cardoso: em Portugal, a obra vendeu 18 mil exemplares; no Brasil, 2 mil (se é que chegou a tanto). Ora, a tese de que a má recepção do romance no Brasil se deve a dessemelhanças lingüísticas é inaceitável – significa querer mascarar o óbvio: no Brasil, repito, não há leitores. E se eles não existem – ou não existem na mesma proporção e com a mesma qualidade que há em Portugal –, não pode haver mercado.

Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais as editoras brasileiras se agarram às compras milionárias do governo federal, seu bote salva-vidas.

O que nos separa de Portugal não é a língua, mas o estado da cultura e da educação do brasileiro, que chega a cometer aberrações como a de erigir à condição de intelectuais artistas que, em outros países, jamais deixariam de ser o que realmente são: meras figuras de entretenimento.

Mas voltemos ao artigo: ali encontramos a compreensível decepção da editora Bárbara Bulhosa. Não sei se ela acreditou que duas décadas de governos de esquerda revolucionariam o Brasil. De qualquer forma, o que deveria ser uma revolução de repercussões seculares transformou-se num traque, infelizmente milenar, como, aliás, demonstrou a matéria recentemente publicada pela BBC, “‘Geração do diploma’ lota faculdades, mas decepciona empresários”, radiografia do Brasil que ainda demorará muito para ter bons leitores como Portugal: “Administradores recém-formados não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos não conseguem resolver equações simples, estagiários ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos”.

Quando se trata de educação e cultura, não há milagres, ainda que a esquerda tenha se especializado em produzir miragens, sua única vocação. Portanto, não coloquem a culpa na língua portuguesa, não tentem esconder o sol com uma peneira. A questão é simples: quando há educação e cultura, barreiras lingüísticas muito maiores se desfazem como estátuas de sal.

5 comentários:

Flávio Santos disse...

Querido amigo Rodrigo Gurgel,
Muito me agradou este seu artigo.

Posso tentar ir mais longe nesse assunto. Já eu, opino sobre uma decadência de fé e de esperança, que vem causando transtornos depressivos na grande massa da população.

Acredito estar nos transtornos depressivos os responsáveis culpados que levam o indivíduo a se distanciar da cultura, da amabilidade, do profundo interesse pelo saber.

Digo isto pela experiência própria de precisar estar, diariamente, refletindo com minha fé, a esperança de uma vida de luz, em resgate ao interesse pela sabedoria.

É isso.
Um forte abraço, amigo.

Cris Fontana disse...

Parabéns Rodrigo Gurgel ! Perfeita análise ! Com 75% de analfabetos funcionais no Brasil (dados oficiais) realmente o problema não é a língua portuguesa falada/escrita em Portugal . É, antes , o que não se aprende no Brasil . É como se escreve mal e mal no Brasil . É a "des"-literatura , amorfa, arrítmica , insossa, sem linha condutora , sem estilo , cheia de clichês , erros de concordância e lugares comuns . É risível esperar que os portugueses desaprendam português para igualarem-se ao descalabro brasileiro ! Desacordo já ! Ou a "Última flor do Lácio" acabará mesmo extinta !

Cris Fontana disse...

Parabéns Rodrigo Gurgel ! Perfeita análise ! Com 75% de analfabetos funcionais no Brasil (dados oficiais) realmente o problema não é a língua portuguesa falada/escrita em Portugal . É, antes, o que não se aprende no Brasil . É como se escreve mal e mal no Brasil . É a "des"-literatura , amorfa, arrítmica , insossa, sem linha condutora , sem estilo , cheia de clichês , erros de concordância e lugares comuns . É risível esperar que os portugueses desaprendam português para igualarem-se ao descalabro brasileiro ! Desacordo já ! Ou a "Última flor do Lácio" acabará mesmo extinta !

J.Paulo disse...

Tenho uma experiência que ilustra bem o caso e o tino da sua análise, Gurgel: Tenho um sobrinho que joga esses jogos online, com pessoas do mundo todo, através do jogo, é possível bater papo com as pessoas; já me aconteceu de me chamar atenção o português correto da outra pessoa conversando com ele, em comparação com as demais: não tem erro, em todas as vezes tratava-se de uma criança/adolescente de Portugal. Incrível a diferença da linguagem, a maturidade mesmo. Coisas que você não encontra numa brasileirada de 20, 30 anos ou mais... nessas horas que você pode comparar, e se dá conta, abismado, da situação degradante da educação brasileira. A situação aqui já transcende a questão da educação, mas sim é uma questão moral, é toda uma degradação moral, a qual tem como um dos sintomas principais a idéia de que o conhecimento não vale a pena. A coisa é desoladora.

Gilvan Albuquerque disse...
Este comentário foi removido pelo autor.