abril 04, 2014

Ódio ao português – Antônio Torres e “As razões da Inconfidência”

No jornal Rascunho deste mês, escrevo sobre Antônio Torres, esquecido autor mineiro, cronista ferino e ácido que fez enorme sucesso entre as décadas de 1910 a 1930.

Na contramão da eloquência nacional, Torres repete nos textos o rigor que pautava sua conduta, sempre ética. Em Da correspondência de João Epíscopo (1917), não basta mostrar a teimosia com que Antônio Austregésilo Rodrigues de Lima, neurologista escolhido para a Academia Brasileira de Letras em 1914, abusa do chavão “de oradores de comícios, chapa retórica inteiramente gasta”, mas é preciso tripudiar, de forma didática, sobre o “venturoso clínico”:

[...] A sua frase vai, volta, sobe, desce, anda, desanda, empaca, corre um centímetro, enguiça logo depois, resvala para a direita, escorrega para a esquerda, range nas engrenagens, emperra, torna a mover-se, embaraça-se imediatamente, faz novo e último esforço para voar e vai engastalhar-se definitivamente no beco sem saída de um ponto final. Aí o motor de V. Exa. dá uma descarga; o aparelho começa então a funcionar, trepidando; a frase volta ao ponto de partida; tenta tomar nova direção; anda um instante, vibra e paf! novo empacamento! V. Exa. força a manícula; abre a caixa de gases; a frase sai zimbrando (como diria o Sr. Coelho Neto), às curvetas e ziguezagues, em linhas quebradas e sinuosas, e, cansada, arquejante, impotente, despedaça-se no ímpeto de uma derrapagem. Trilam apitos; corre gente, acode a polícia, grita a multidão: Não pode! Não pode! Prende! Lincha! Nisto se ouve tilintar aflitamente a campainha e é a Assistência que chega para socorrer o leitor desfalecido!

Um comentário:

F. S. Gregório disse...

Excelente ensaio. Não conhecia as obras de Antônio Torres, e fiquei muito interessado por elas. Li na íntegra a matéria no "Rascunho" e vi como o autor foi esquecido pelos ensaístas, talvez pela franqueza e acidez de espírito necessária à vida literária - isto sim incômodo aos homens pequenos nas virtudes. Parabéns Sr. Gurgel mais uma vez pelo trabalho de preciosa qualidade que tem realizado.