agosto 29, 2011

Corpus Christi

O silêncio sobranceia a rua. O céu, massa cinzenta, recobre as casas. Apenas um eco surdo ressoa pelo quarteirão: passos, não de soldadesca, mas no ritmo manso, tímido, que dignifica o silêncio. Primeiro, vejo filas de mulheres vestidas de negro, trazendo ao pescoço fitas azuis ou vermelhas, das quais pendem medalhas, cruzes, não me lembro. Depois, homens trajando, sobre os ternos escuros, vestes longas, sem mangas, entre o escarlate e o vinho, abertas na frente. Carregam lanças de madeira, em cujas pontas, protegidas pelo vidro no formato de lírio, ardem velas. Há compenetração em cada fisionomia. O olhar cinza de minha bisavó, alta e digna em seu luto eterno, lança um derradeiro brilho, antes que as pálpebras se fechem lentamente. Então, sem que eu entenda por que, todos – homens, mulheres, crianças – se ajoelham nas calçadas, enquanto as filas seguem pela rua. Acima dos passos, escuto o som de uma bandeira que se desfralda e olho: bela tenda, cintilante, erguida por quatro varas que os homens de vinho seguram; sob ela, altivo, coberto pelo manto dourado, um homem carrega seu tesouro, objeto que imita o sol. À minha frente, o idoso trêmulo tira o chapéu e se inclina ainda mais. O silêncio me invade – é dilacerante, sob o céu plúmbeo, o mutismo respeitoso dos adultos, tão pequenos agora, sérios mas estranhamente tranquilos, enquanto os passos ressoam e os lábios de minhas tias se movem, repetindo, mais tarde descobri, uma oração.

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