fevereiro 28, 2010

Manifesto de apoio a Denise Bottmann

Denise Bottmann (de quem falei no post anterior) vem denunciando, sistematicamente, plágios de tradução em seu blog “Não gosto de plágio”. No mercado editorial brasileiro, infelizmente, os casos são inúmeros. Em sua última denúncia, a tradutora apontou o uso indevido de uma tradução do romance Morro dos ventos uivantes – feita por Vera Pedroso para a Editora Bruguera, em 1971 – pela Editora Landmark (em 2007).

Em resposta à denúncia, a Landmark agora move um processo contra Denise, exigindo vultosa indenização por pretensos danos morais e materiais e, pior, que a Justiça silencie o blog, antes mesmo que se realize o exame do mérito da ação impetrada.

Defendendo a liberdade de expressão e o seriíssimo trabalho de Denise, quatro dos mais importantes tradutores brasileiros – Heloisa Jahn, Jório Dauster, Ivo Barroso e Ivone C. Benedetti – acabam de lançar na web um manifesto de apoio à tradutora. Manifesto, aliás, que já assinei – e que convido todos a assinarem.

fevereiro 27, 2010

Só ignorantes ou desonestos gostam de plágio

Com seu blog “Não gosto de plágio”, a tradutora Denise Bottmann presta inestimável serviço à cultura brasileira, ao mercado editorial e a todos nós, que amamos os livros. Com raro ânimo, ela acompanha o mercado livreiro e o silencioso – e infelizmente pouco reconhecido – trabalho dos tradutores nacionais, além de abrir espaço aos artigos de dois dos nossos maiores tradutores: Jório Dauster, autor de traduções exemplares de Nabokov, e Ivo Barroso, tradutor das obras completas de Rimbaud, apenas para citar um de seus magníficos trabalhos.

A Denise Bottmann, todo o nosso irrestrito apoio.

fevereiro 21, 2010

Não a sentimos – mas ela está aqui

Reportagem do El País deste domingo, assinada por Lola Galán, apresenta o cotidiano, as idéias e os sentimentos de Kurt Westergaard, o caricaturista dinamarquês condenado à morte pelos extremistas muçulmanos, desde que, em 11 de setembro de 2005, publicou, no diário Jyllands Posten, uma caricatura na qual Maomé usa um turbante-bomba. Segundo ele, o objetivo do editor de Cultura do jornal, Flemming Rose, era colocar o dedo na ferida da autocensura que impera no Ocidente, no que se refere a temas relacionados ao Islã.

As conseqüências provocadas pela caricatura mostram, de fato, tudo que o Ocidente tem a temer. Na verdade, essa autocensura se espalha, atualmente, de maneira silenciosa, pelos países democráticos, nos quais a liberdade de expressão deveria ser um direito inviolável. Quando se trata do Islã, uma sombra avança sobre as consciências – e governos, jornalistas, escritores, ilustradores, todos temem se contrapor ao avanço do obscurantismo. Muitos de nós talvez não sintam essa autocensura – mas ela está em toda parte.

fevereiro 17, 2010

Esclarecimento

A Folha de S. Paulo de hoje, na matéria “Poetinha”, do caderno Ilustrada, cita meu nome duas vezes (a segunda, aliás, de maneira errônea).

Desejo apenas esclarecer aos meus leitores que a crítica de minha autoria à qual o jornalista se refere en passant, “A pequena alegria de Corsaletti”, publicada na Revista Sibila há alguns meses, analisa um livro em prosa do “poetinha”. Como todos sabem, não me dedico à crítica de poesia.

No mais, continuo achando os elogios aos textos em prosa do autor exagerados. E como disse ao repórter que me entrevistou:

1) tornou-se um hábito no Brasil tratar como gênios escritores que mal começaram a carreira – basta ter os amigos certos e... pimba!, temos um novo Flaubert. A média, na última década, é de um novo gênio a cada bimestre;

2) talvez dentro de vinte, trinta anos, quem sabe um século, possamos dizer, com orgulho, que tal escritor “incorpora a lição de Manuel Bandeira”. O tempo dirá, com absoluta certeza, se estou errado ou não.

fevereiro 03, 2010

Tardança

O caminhante noturno segue sua jornada descontínua e sem rumo. Ele volta, numa de suas viagens recorrentes, à casa da avó paterna. O velho sobrado está às escuras – e, passo a passo, enquanto se acostuma às sombras, ele descobre mudanças na arquitetura. A escada que leva ao sótão alargou-se, está mais firme. Apoiado ao corrimão, ele sobe, mas desta vez, à sua esquerda, onde no passado havia apenas a parede, agora se abre um vão gigantesco, profundo, no qual ele vê, lá embaixo, a sacristia de uma das igrejas que frequentou na juventude. Certo homem carrega os paramentos engomados, dos quais sobressai uma estola verde, e sorri, satisfeito por alguma razão, sem perceber o observador que, acima dele, acompanha cada um dos seus gestos. A luz que brota do vão ilumina os degraus; o viajante observa, sob seus pés, o detalhe das madeiras novas, infelizmente não envernizadas, e continua a subir. Fora do sonho, seguindo o viajante através do descampado de sua mente, o homem que sonha se pergunta sobre o sentido de o personagem se deparar, naquele trecho da escada, com a sacristia; mas, impedido de agir, de se manifestar, ele pode apenas inquietar-se, tamanha a sua fragilidade. Voltando a subir a escada, o viajante chega à parte do casarão que deveria estar exatamente abaixo de onde ele se encontra, mas isso não o incomoda. A esposa e a mãe estão ali, arrumando os armários, desfazendo malas e caixas, mas ele – e também o homem que sonha – é dominado por um único pensamento: quando sua avó chegará? E o que ela pensará de tudo aquilo? De todas aquelas mudanças? Aprovará que ele volte a morar ali? Com tais pensamentos, ele senta à beirada da cama de casal e, lentamente, vai sendo tomado pela angústia, como se previsse a chegada iminente da avó, que – e é isso o que realmente o incomoda – sabe impossível, ainda que desejável, pois ela está morta. Então, deita-se na cama e dorme, entristecido. O homem que sonha olha uma última vez as mulheres atarefadas e desperta. Cabe a ele toda angústia, agora.