agosto 27, 2009

“Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...”

Há um poema que, desde meus tempos de colégio, sempre releio. Lembro da tarde em que certa amiga o apresentou para mim, na cozinha ensolarada onde, com os livros abertos sobre a mesa, fazíamos um trabalho de literatura. Quando comecei a ler os versos – ah!, ainda posso reviver a mesma sensação... –, foi como se o mundo à minha volta subitamente parasse e eu, adentrando um salão desconhecido, amplo e majestoso, permanecesse extático, incapaz de qualquer movimento, possuído pela poesia. Foi, aliás, quando conheci Fernando Pessoa. O poema, “Hora Absurda”.

Gostaria de poder partilhar com vocês minhas ideias sobre esse poema, mas estou sem tempo, infelizmente. Contudo, deixo aqui o link para a breve mas lúcida análise que Pasquale Cipro Neto faz, na Folha de S. Paulo de hoje, dos quatro primeiros versos:

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...


E também reproduzo aqui duas das estrofes de que mais gosto:

Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...