novembro 28, 2006

Mineirice e esperança


Quando Sofia nasceu, o Itacolomi estava escondido sob a névoa. Ouro Preto quieta no amanhecer, as calçadas úmidas, nossas vozes abafadas pela noite da espera, o cheiro de lenha queimada ainda tímido no ar e os sinos que anunciavam as primeiras missas: olhávamos a neblina perdidos como o bandeirante Antônio Dias de Oliveira. Em 1698, ao chegar, pouco antes do anoitecer, à entrada do vale do Tripuí, ele não conseguiu divisar o famoso pico – referência para um provável caminho do ouro –, que permanecia "velado pela carapuça de nuvens", diz Manuel Bandeira.

Isso foi há um ano. E cada um de nós, dos que estavam na casa da Rua Henri Gorceix, guarda daqueles dias suas próprias lembranças. Imagino que a memória da mãe deve ser principalmente sensorial. Ela carregou Sofia nove meses inteiros, e naquela manhã nevoenta deu à luz em um parto bíblico, marcado de dores, como se confirmasse o terrível anátema do Gênesis. O pai talvez ainda sinta, ao olhar a filha que dá os primeiros passos, uma ponta da mesma perplexidade daquela madrugada, quando ele subia as escadas somente para descê-las logo depois, até perguntar-me, atônito, "E agora?!". O mais feliz de todos foi João Pedro, que dormia, imperturbável nos seus doze anos, quase cataléptico, graças à ignorância do que é a incerteza ou a ansiedade. Quanto à avó, também acabou cedendo ao sono, mas se abríssemos a porta do quarto, veríamos que, semelhante aos dragões das histórias infantis, ela cochilava apenas com um olho, enquanto o outro, vigilante, esperava pelo terceiro neto.

Um lado de minha consciência julga inconcebível existirem casais, nos dias de hoje, dispostos a procriar. Mas todas as dúvidas caem por terra quando vejo Sofia balbuciando as primeiras palavras. Essas sílabas confusas têm o poder de neutralizar minhas críticas ao amor que, não contente em amar, se submete cegamente à natureza. Sofia dá gritinhos, desarruma as gavetas e os armários, faz caretas e me resigno às suas peraltices, adorando o sorriso que desperta em mim aquele esquecido gozo de viver.

Quem foi a Minas sabe do sotaque indolente das mulheres, das interjeições sedutoras, do "ei..." demorado que nos atrai e enlaça sem deixar espaços à recusa. Essa mineirice perdura e se renova em Sofia, menina marota que resume, em sua fragilidade infantil, nossa condição humana, efêmera, precária. Mas seu jeito mineiro de encantar concede-me alegria – e a imprecisa esperança que, às vezes, acredito esgotada para sempre.

(Crônica publicada na edição de 24 de novembro de 2006, no jornal Bom Dia Jundiaí.)

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