outubro 10, 2012

Texto integral da entrevista que concedi ao “A Tribuna”, de Santos


A entrevista que concedi ao jornal A Tribuna, de Santos, publicada no último sábado (imagem acima) saiu, por problemas de espaço, com alguns cortes. A seguir, publico a íntegra do bate-papo que tive, por e-mail, com o jornalista César Miranda:

A Tribuna: Entre os autores analisados em seu livro encontram-se nomes clássicos (José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Raul Pompeia, Machado de Assis, Graça Aranha etc.). Além destes ficcionistas, há também prosadores como João Francisco Lisboa, Joaquim Felício dos Santos, Eduardo Prado, Nabuco e Taunay. Por que a escolha dos escritores acima? Qual foi o critério? Tem alguma admiração por eles?
Rodrigo Gurgel: O livro é uma compilação da série de ensaios que iniciei, em 2010, no jornal Rascunho, de Curitiba. Sou crítico literário do jornal desde 2006, mas em 2010 iniciei essa série, cujo objetivo é reler os principais prosadores da literatura brasileira, sejam ficcionistas ou não. A escolha desses autores nasce, portanto, não de uma admiração pessoal, mas da necessidade de empreender esse trabalho de releitura da prosa nacional. Trabalho, aliás, que continua e chegará aos prosadores contemporâneos. Nesse primeiro volume, agora publicado, tratamos dos prosadores do século XIX.

A Tribuna: Por que considera Canaã, de Graça Aranha, “o mais pedante romance brasileiro”?
Rodrigo Gurgel: Canaã é um romance artificial, construído com o objetivo de defender algumas teses caras ao seu autor. É apenas um mosaico de estilos diferentes, montado sobre um plano esquemático, carregado de psicologismo hiperbólico e rasteiro. Vejam-se os diálogos do romance: os personagens não conversam realmente, com naturalidade, mas as falas são apenas justapostas, de maneira que cada personagem represente um sistema filosófico ou determinados valores. É uma sucessão monótona de discursos, na qual, aliás, o povo brasileiro é ridicularizado do começo ao fim. Há algumas cenas famosas, que se tornaram antológicas, como a do parto de Maria, quando o recém-nascido é devorado pelos porcos, mas elas somente reforçam o esquematismo do romance. Como disse Otto Maria Carpeaux, “Canaã só convence leitores inexperientes”. Por todos esses motivos, o romance é de um pedantismo ímpar.

A Tribuna: Qual sua opinião sobre a crítica literária atual?
Rodrigo Gurgel: A crítica literária atual, no Brasil, pode ser dividida em dois grandes grupos. De um lado, temos críticos que seguem as escolas estruturalistas e pós-estruturalistas. Eles pretendem submeter a literatura a certas análises predominantemente lingüísticas, como se apenas a lingüística pudesse dar conta das inúmeras características que compõem uma obra literária. Esses críticos usam, quase sempre, um jargão cansativo, hermético, que afasta o leitor e, na verdade, acaba não explicando nada. Thomas Pavel, um dos críticos dessas escolas, diz, com acerto, que elas apenas criaram um “verniz onírico”, mais nada. De outro lado, temos críticos que, seguindo ou não o estruturalismo e o pós-estruturalismo, negam-se a realmente criticar. Eles sofrem do que eu chamo de síndrome do crítico envergonhado. É uma espécie de bom-mocismo, um tipo de hipocrisia. Esses críticos dizem que é impossível julgar, que ninguém pode dizer se uma obra literária é boa ou não, se uma obra literária deve ser lida ou não. Na verdade, o que eles querem é ser amigos de todo mundo, passar a mão na cabeça dos escritores e tratar todos da mesma forma, inclusive os que são medíocres. É claro que há críticos que fogem a esses dois grupos, mas formam a minoria das minorias.

A Tribuna: Quais críticos literários o senhor admira?
Rodrigo Gurgel: Otto Maria Carpeaux, um austríaco que se naturalizou brasileiro e nos deixou muito mais que uma obra voltada à crítica literária, mas o trabalho de um verdadeiro humanista, é, sem exageros, genial. Outros críticos que sempre releio, pelos quais tenho grande admiração, são Samuel Johnson, Charles Moeller, Northrop Frye, Edmund Wilson, Lionel Trilling, Joseph Pearce e Marcel Reich-Ranicki. Entre os brasileiros, gosto de Álvaro Lins, Augusto Meyer, Lúcia Miguel-Pereira, Temístocles Linhares, Wilson Martins e, mais recentes, Alexandre Eulalio, João Alexandre Barbosa, Marisa Lajolo, Alcir Pécora e Moacir Amâncio. No que se refere aos brasileiros, citá-los não significa que concorde sempre com eles, mas são grandes inteligências, que vêem a literatura não apenas sob o aspecto formalista, mas como um diálogo com a experiência humana.

A Tribuna: No bate-papo com leitores, o senhor vai falar também sobre a obra do escritor Olavo de Carvalho. Inclusive, o senhor fez o texto da orelha do livro A filosofia e seu inverso. Qual importância desse livro do Olavo de Carvalho?
Rodrigo Gurgel: Olavo de Carvalho tem importância fundamental na cultura brasileira. Seu livro O imbecil coletivo é um marco dos estudos culturais no Brasil e será relido por todas as gerações futuras. Sem ele, será impossível ao estudioso entender como a hegemonia marxista transformou o Brasil no paraíso da mediocridade. Olavo também elaborou um original, seriíssimo trabalho de análise do pensamento de Aristóteles, no seu Introdução à Teoria dos Quatro Discursos. Além disso, ele é um polemista magistral, uma das raríssimas vozes que tiveram a coragem de, nas últimas décadas, se antepor à nefasta hegemonia cultural da esquerda. Neste seu último livro, A filosofia e seu inverso, que reúne alguns de seus artigos e ensaios produzidos nos últimos anos, ele recusa, mais uma vez, o doutrinamento pós-moderno, ou seja, recusa-se a aceitar o tripé corruptor dos tempos atuais, um tripé formado por relativismo, hedonismo e ateísmo.

A Tribuna: Quando nasceu sua paixão pelas letras? Existe algum fato marcante?
Rodrigo Gurgel: Creio que nasceu do amor pelos livros, algo que, na minha família, sempre foi natural. Nós convivíamos com os livros como se fizessem parte da família. Lembro-me que meu pai me colocava sentado sobre o tampo da sua escrivaninha, abria no meu colo um dos volumes do Tesouro da Juventude e lia histórias para mim. É minha primeira lembrança em relação aos livros. Meu pai tinha uma vasta biblioteca, formada principalmente de livros jurídicos, e meus irmãos, minha mãe e eu tínhamos de, uma vez por ano, limpar todos os volumes, tarefa que demorava vários dias... Era uma festa, um trabalho feito com união, amor, alegria. Portanto, ler, para mim, sempre foi algo tão natural quanto respirar. Lembro-me, por exemplo, de minha avó paterna, que me deu para ler As mil e uma noites. E também da discussão que meu pai provocou, quando descobriu que ela me dera Madame Bovary para ler. Eu só tinha doze anos. Depois da discussão, que presenciei, minha reação foi a mais esperada: ler Flaubert com atenção ainda maior. 

A Tribuna: Quais são os livros que o acompanham em suas viagens? Que tipos de enredos prefere?
Rodrigo Gurgel: Ler apenas por prazer tornou-se algo muito raro na minha vida, infelizmente. Estou sempre lendo por motivos profissionais. Mas se tivesse de escolher alguns livros para ler despreocupadamente, apenas por prazer, eu ficaria com os escritores que mais amo: Flannery O’Connor, George Bernanos, Henry James, Joseph Conrad, Tolstói e Dostoyevski.

A Tribuna: O que o senhor leu recentemente que acha que vale a pena ler?
Rodrigo Gurgel: O ensaio de Ricardo Souza de Carvalho, A Espanha de João Cabral e Murilo Mendes; e Rumor dos cortejos, uma coletânea de poesia cristã francesa do século XX, organizada e traduzida por Pablo Simpson. 

A Tribuna: Gostaria de acrescentar algo mais?
Rodrigo Gurgel: Olavo de Carvalho diz, com acerto, que “a crítica literária é a primeira disciplina filosófica, porque a crítica é a expressão intelectual mais imediata da própria experiência literária”. E a experiência literária, por sua vez, nada mais é que uma abertura à variedade da experiência humana. Ler literatura, portanto, é alargar a imaginação, ampliar nossa visão sobre as possibilidades da existência, inclusive sobre as possibilidades éticas ou morais da existência. Se entendemos a literatura assim, então a função do crítico é mostrar essas possibilidades, tomar o leitor pela mão e mostrar a ele um dos inúmeros caminhos possíveis. Para fazer isso, ele precisa recusar a arrogância epistêmica e o monismo de julgamento que imperam hoje. Ele deve ler a obra literária perguntando também até que ponto ela realmente responde ao que pretendeu ser, se ela realmente consegue ser uma estrutura coerente. É o que busco fazer no meu trabalho e neste livro, Muita retórica – Pouca literatura.

3 comentários:

Pedro Garcia Burgalês disse...

Excelente entrevista. Meus cumprimentos.

PS.: O Sr. diz do Canaã:

"Vejam-se os diálogos do romance: os personagens não conversam realmente, com naturalidade, mas as falas são apenas justapostas, de maneira que cada personagem represente um sistema filosófico ou determinados valores."

Aqui nós temos um exemplo perfeito desse fenômeno.

Henrique disse...

Prezado Rodrigo. Sou há tempos seu leitor, tanto aqui no blog quanto no jornal Rascunho. Seu livro é um alento em meio à mediocridade da crítica literária que se faz hoje no Brasil. Até por isso, gostaria de lhe perguntar o que você acha dos cursos de Letras. Acho que já sei a reposta, mas você recomenda algum? Ou é melhor, de fato, seguir um caminho de autodidata nesse campo?
Obrigado,
Henrique

Leandro disse...

Bela entrevista. Parece que o Jornal boicotou o nome do Olavo, como sempre.