julho 19, 2011

Poesia e silêncio

Como se descobre “que não é a razão que traz tristeza ou alegria”? O homem aberto às epifanias que podem nos engolfar é um místico – e também, escreva ou não, um poeta.

O fato de poetas e místicos viverem êxtases e descreverem seus momentos de arrebatamento, mas submetidos aos limites dos sentidos e dos signos da linguagem, em nada desmerece os resultados. Estes, ao contrário, apenas reafirmam que o homem “não poderá nunca suprimir de todo a ansiedade que o impulsiona para uma meta que todavia não pode ser alcançada no tempo”, como afirmou um sábio teólogo contemporâneo, Divo Barsotti – “il cercatore di Dio”.

No caso dos poetas, o texto que nasce de um arroubo, ainda que não se assemelhe, na forma, às descrições místicas que podemos encontrar, por exemplo, nos escritos de Santa Teresa de Ávila, revela a mesma “inadaptação do nosso psiquismo às experiências espirituais insólitas” – segundo a perfeita descrição de êxtase que São João da Cruz elaborou.

É nesse contexto que se inscreve “Of mere being”, de Wallace Stevens:

A palmeira no final da mente,
Além do pensamento último, se eleva
Na brônzea distância,

Um pássaro de penas de ouro
Canta na palmeira, sem sentido humano,
Nem sentimento humano, um canto estrangeiro.

Então compreende-se que não é a razão
Que traz tristeza ou alegria.
O pássaro canta. As penas brilham.

A palmeira paira no limiar do espaço.
O vento roça devagar seus galhos.
As penas de fogo do pássaro pendem frouxas.

O estranho pássaro de Stevens é certamente o mesmo que Keats ouviu, aquela ave que “não nasceu para a morte” e que já havia sido escutada “no triste coração de Rute, quando, ansiando pelo lar, ela ficou chorando em meio ao trigo do estrangeiro”. Um “canto estrangeiro”, diz Stevens, sem “sentido” ou “sentimento” humanos. Visão ou sonho que sonhei desperto?, pergunta-se Keats em seu “Ode to a Nightingale” – e o próprio poema é a resposta, a frágil composição que restou do súbito encantamento.

Não é diferente o assombro de Eugenio Montale:

Talvez uma manhã andando num ar de vidro,
Voltando-me, verei cumprir-se o milagre:
O nada às minhas costas, detrás de mim
O vazio, com um terror de bêbedo.

Depois como numa tela, acamparão de um jato
Árvores casas colinas para a ilusão costumeira.
Mas será tarde já; e eu partirei calado
Entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.

O caminhante na manhã envolta de um brilho inusual vê algo que se assemelha ao ouro e à “brônzea distância” do poema de Wallace Stevens. E o que, a princípio, parece um ofuscamento, transforma-se na revelação difícil de suportar. O “segredo”de Montale é parte do preço da experiência mística: “Se o homem”, afirma Divo Barsotti, “pudesse alcançar a finalidade de sua vida no tempo, depois de o haver conseguido, recairia no vazio de uma vida que não teria mais sentido”. Não por outro motivo as descrições dos êxtases – de místicos e poetas – são, quase sempre, sucintas e sempre algo incomuns, quando não confusas: como descrever o transporte cuja violência ofusca os sentidos, bem como a consciência de si e da realidade exterior?

O inadvertido místico de Montale parte em silêncio, fadado a viver entre os que não podem entendê-lo: calar-se talvez represente a melhor expressão para aqueles a quem foi permitido intuir Deus.

Um comentário:

Gabriel Viviani disse...

Só através do silêncio interior conhecemos a Verdade, encontramos a unidade do Ser. O poeta que não atinge esse silêncio, que não conhece essa Verdade (ou será: se reconhece nessa Verdade?), passa a vida lutando contra as palavras, expressando mal aquilo que intuiu. O místico encontra no silêncio aquilo que É, ou quem É. O poeta expressa com perfeição a realidade encontrada, porque o silêncio tornou clara sua visão interior.