Machado
de Assis é o continuador da tradição iniciada, na literatura brasileira, por
Manuel Antônio de Almeida. Os dois escritores tornaram-se amigos depois que o
autor de Memórias de um sargento de
milícias passou a proteger Machado na Imprensa Nacional, onde este, aprendiz
de tipógrafo, subalterno de Almeida, era considerado um preguiçoso. Trata-se de
um dos inúmeros casos em que o aluno se mostra maior que o mestre, é verdade.
Contudo, o influenciado permanece devedor de quem lhe indicou o caminho a
seguir, ainda que, no caso do autor de Dom
Casmurro, este tenha preferido, por austeridade ou imodéstia, não comentar
sobre a dívida – que, portanto, continua ativa, ou melhor, ativíssima, como
diria o agregado José Dias, um dos melhores personagens de Dom Casmurro.
A
geração espontânea, teoria desprezada em ciência, merece igual tratamento na
literatura. Gênios não nascem do nada. No caso de Machado de Assis, a leitura
meticulosa de Memórias de um sargento de
milícias, quando ele revisa o livro para a edição definitiva de 1862/1863,
representou a culminância dos ensinamentos que Manuel Antônio de Almeida lhe
transmitira desde os dezessete anos. Aquele que se tornaria o Bruxo do Cosme
Velho teve, sem dúvida, várias outras influências, mas seu salto sobre o abismo
da retórica nacional recebeu impulso significativo desse amigo e protetor. Dele,
Machado aprendeu que a grandiloquência e o sentimentalismo exacerbado dos
românticos eram superfluidades – e dele herdou, como já afirmei neste Rascunho (em agosto de 2010), a sutileza
da frase, a habilidade para construir narradores irônicos e o hábito – transformado
em verdadeira mania – de se dirigir ao leitor como se este fosse seu cúmplice.
Há
quem não goste de Machado – e eu próprio sou um admirador comedido dos seus
romances –, mas é inegável que, a partir de Memórias
póstumas de Brás Cubas (1881), sua obra enfrentou com bravura a recepção
tortuosa e arrevesada – leiam-se, por exemplo, as análises de Sílvio Romero –, pisoteou
a maioria dos ficcionistas, compreendendo seus antecedentes, contemporâneos e
pósteros, e conseguiu reafirmar a lição de Manuel Antônio de Almeida, agora de
maneira irretorquível: literatura e eloquência são forças antagônicas.
Miragens
Dom Casmurro, publicado em 1899, representa a síntese
das qualidades – e também dos defeitos – machadianos. Narrada pelo protagonista,
Bento Santiago, cuja alcunha dá nome ao romance, a história é um curioso flashback, que rememora certo possível
adultério. Na verdade, “casmurro” é um eufemismo no que se refere a Bento –
seus detratores foram magnânimos ou polidos. Já no primeiro capítulo temos uma
amostra da sua arrogância, sempre mascarada pela ironia: oferece a um jovem
poetastro – que, por não receber a atenção do narrador, dera-lhe o apelido de
“casmurro” – o livro iniciado, sugerindo-lhe considerar a obra como sua, pois o
título lhe pertencia, e concluindo: “Há livros que apenas terão isso dos seus
autores; alguns nem tanto” – uma ampliação da ironia, agora dirigida a todos os
escritores medíocres, e por meio da qual o narrador afirma, de maneira oblíqua,
a superioridade da sua própria escrita.
Bento
é um narrador peculiar, consciente de que “a verossimilhança [...] é muita vez
toda a verdade”, mas nebuloso a ponto de concluir que sua vida “se casa bem à
definição”. Esta poderia ser a tão ansiada chave para Dom Casmurro, solução, no entanto, somente cabível se Bento não se
desdissesse o tempo todo ou se descrevesse os demais personagens de maneira
plana, o que, no caso de Machado, bem sabemos, é impossível.
O
leitor maduro tem consciência de que a vida é uma luta entre a aparência de
verdade e o realmente verdadeiro, luta surda, em que o real é vítima de
constantes refrações – maneira sutil de dizer que o homem se acostumou a
defraudar a verdade. Assim, o romance, sob o comando de Bento, espelha parcialmente
a vida: seu tema central não é o adultério, mas o uso obstinado de subterfúgios,
de instrumentos que, a cada capítulo, enganem o leitor, levando-o por um
labirinto cujo final é a decepção, pois todas as possíveis certezas foram
corrompidas.
Não
há inocência em Bento. E quanto mais o romance avança, mais temos certeza – a
única – de que ele é sardônico. Jamais saberemos se Capitu, sua mulher,
realmente o traiu, mas ele é claro ao afirmar suas intenções: “Capitu era
Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.
Se ainda o não disse, fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem
incutir na alma do leitor, à força de repetição”. A primeira parte da citação é
discurso vazio, rodeio, no qual, aliás, Bento é especialista; mas a última
frase não deixa dúvidas: ele tem um plano, quer levar seus leitores ingênuos à
confusão, a conclusões erradas, ou seja, a simplesmente acreditar no que diz.
Mas
não mereceria nosso crédito o narrador que revela o desejo de, num arroubo, ver
a própria mãe morta ou assassinar o filho inocente? Ou que afirma: “Eu
confessarei tudo o que importar à minha história”? Esse é o problema de Bento:
ele confessará apenas o que importar não à verdade, mas à sua história. E no
mesmo capítulo, ironicamente denominado “Adiemos a virtude”, dá um exemplo
esclarecedor: “[...] Agora que contei um pecado, diria com muito gosto alguma
bela ação contemporânea, se me lembrasse, mas não me lembra; fica transferida a
melhor oportunidade”. Que tipo de homem é esse, que não tem uma só “bela ação” para
relatar? Linhas abaixo, ele nos esclarece, destrinçando sua obscura moral: na
opinião de Bento, virtudes e pecados estão “aliados por matrimônio para se
compensarem na vida”, e “a regra é dar-se a prática simultânea dos dois, com
vantagem do portador de ambos”. Ora, se bem e mal são equivalentes, e se tal equilíbrio
é um benefício, então só nos resta perguntar, do começo ao fim do romance: onde
está o bem? E o mal? E que suposta igualdade de forças é essa, construída por
um discurso aliciador, bem arquitetado, mas permissivo? Que ele seja um homem
dividido entre o bem e o mal, até aí não há novidade – o problema é não nos
oferecer nenhuma prova fidedigna de bondade ou de maldade, sua ou de outrem,
mas apenas o discurso repleto de ironia.
O
riso à socapa de Bento não perdoa nem mesmo o ato de escrever, de narrar. No
longo capítulo “Um soneto” – longo para os padrões machadianos –, mostra-se digressivo,
mas termina com uma receita, em sua opinião infalível, para compor o poema: “Tudo
é dar-lhe uma ideia e encher o centro que falta”. Ou seja, escrever não
passaria de mera banalização.
Mas
Bento não recheia sua almofada de qualquer modo. Se ele fosse coerente, não
leríamos sua história, nem se o livro trouxesse, na capa, o nome de Machado de
Assis... São exatamente suas incongruências que nos atraem, principalmente
quando descobrimos com que disposição devaneia. Ele próprio, depois de recordar
o dia, na adolescência, em que imaginou receber a visita de Pedro II, conclui: “[...]
A imaginação de Ariosto não é mais fértil que a das crianças e dos namorados,
nem a visão do impossível precisa mais que de um recanto de ônibus”.
Nosso
narrador está sempre a um passo de fantasiar. Minutos depois de beijar Capitu a
primeira vez, volta a procurá-la, ainda excitado: “Fui ter com ela, e perguntei
se a mãe havia dito alguma coisa; respondeu-me que não. A boca com que
respondeu era tal que cuida haver-me provocado um gesto de aproximação”. E
conclui, recordando melhor: “Certo é que Capitu recuou um pouco”. Assim, há
delírios de todos os tipos: breves e longos, detalhados ou sintéticos. Certa
mulher leva um tombo na rua e Bento entrevê as meias “muito lavadas” e as ligas
de seda azul: é o que basta. Da manhã daquela segunda-feira até o dia seguinte
só pensará nisso, seus pensamentos e sonhos confluirão para as meias, que
imagina esticadas, e para as ligas, certamente justas. Ao final, sua
sofreguidão é tamanha, que já não saberá ao certo o que viu, e se viu, mas a miragem
se prolonga por dias.
Tal
é o narrador que jura ser afligido por um “escrúpulo de exatidão”... E poucas páginas
depois, ao fim do trecho no qual confessa os poderosos dotes de sua imaginação,
com que preenche as lacunas deixadas pelos “livros omissos”, convida o leitor a
agir da mesma forma – confissão indireta das reticências propositais de sua
obra.
Naufrágio
No
entanto, se Dom Casmurro fosse apenas
o vaivém de um narrador que aparenta viver entre a melancolia, a alucinação e a
desonestidade, não conseguiria prender nossa atenção. É preciso mais para
compor um grande livro. E Machado domina os instrumentos necessários. Vejam, na
descrição desta cena algo cômica, o uso perfeito da pontuação, o vocabulário
preciso, o período composto de maneira a, num crescendo, não só reconstruir os
gestos do Tio Cosme, mas, no fim, dar-nos a viva imagem da massa descomunal que
derreia a montaria:
Era gordo e pesado, tinha a
respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais
antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o
levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira segurava o
freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo – a isto seguia-se um
minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo
ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após
alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais,
dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a
besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme
acomodava as carnes, e a besta partia a trote.
Ele
também exibe perícia ao criar descrições cuja economia de recursos nos
transmite a impressão palpável do personagem. Não está todo nesta frase, diante
dos nossos olhos, o tenor amigo de Bento que, “quando andava, apesar de velho,
parecia cortejar uma princesa de Babilônia”?
Para
revelar a pobreza da família de Capitu, ele dissemina breves informações entre
os capítulos, de maneira que só o leitor atento formará um quadro completo. O
relato da penúria receberá ares sarcásticos quando se trata de Pádua, pai de
Capitu, mas sempre que a jovem for o eixo da narrativa, os elementos que
denunciam a miséria material surgirão camuflados pelo lirismo:
Não podia tirar os olhos
daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido
de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as
pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena,
olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não
cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão
comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos.
Pouco
antes do primeiro beijo, depois que Bento penteia os cabelos de Capitu –
“desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que
pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes” –, ele procura com
que prender as pontas das tranças; e rapidamente encontra, “em cima da mesa, um
triste pedaço de fita enxovalhada”, elemento que não sombreia a cena, mas a sublima
como um gesto de piedade onde, se não fosse Machado de Assis, só existiria
arrebatamento, paixão.
E
o que dizer das “curiosidades de Capitu”, tema ao qual ele dedica o Capítulo
XXXI? Tudo a interessa, principalmente aquelas informações que possam
distanciá-la de sua realidade. A “pérola de César”, no “valor de seis milhões
de sestércios”, sobre a qual José Dias fala, e que o imperador teria dado a
certa mulher, “acende” os olhos da jovem. No capítulo seguinte, de maneira a
reforçar, delicadamente, a ambição antes descrita, quando Bento entra na casa
de sua amada, encontra-a penteando-se num “espelhinho de pataca (perdoai a
barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão
[...]”.
Entre
os raros trechos de nossa literatura que merecem ser chamados de antológicos está
o Capítulo CXXIII. É o momento de fechar o caixão em que se encontra o corpo de
Escobar, melhor amigo do narrador, suposto amante de Capitu e pai de Ezequiel,
a criança que Bento acredita, de início, ser seu filho:
Enfim, chegou a hora da
encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero
daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres
todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a
outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou
alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo.
Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente
que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o
cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu
fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas
grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o
nadador da manhã.
Para
o leitor compreender os vetores que se entrelaçam nas últimas linhas é preciso
ler o livro, no qual as figuras marítimas estão presentes formando um sedimento
metafórico furtivo e aliciante, a começar pelos olhos de Capitu, “olhos de
ressaca”, pois “traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que
arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de
ressaca”. O “nadador da manhã” é o próprio Escobar, que, não por acaso, morrera
afogado. E lembrando-se de tudo com amargura – do amigo que ele supõe comborço
e da esposa que acredita adúltera –, o próprio Bento se refere a si mesmo “como
um marujo” a narrar “o seu naufrágio”.
Se
Capitu foi, de fato, essa Eva capaz de engolfar todos na sua volubilidade
ardilosa... Bem, há os que se dispõem a perder tempo com tal discussão. Mas diante
da estrutura subjacente à trama, aos liames que, a cada leitura, vamos
descobrindo, o enredo perde importância.
Machadismos
Mas
Machado às vezes cansa – e por esse motivo prefiro seus contos, nos quais,
graças à necessidade de síntese, está impedido de fazer tantos gracejos, tantas
paródias ao estilo de Laurence Sterne, outra de suas influências. Ele também
abusa da ironia, dos capitulozinhos explicativos, de certo eruditismo repleto
de amor pelas citações – um vezo de odor quiçá brasileiro, subdesenvolvido – e
das digressões, algumas bobas, como a que abre o Capítulo CXVIII:
Tudo acaba, leitor; é um
velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o que dura dura muito
tempo. Esta segunda parte não acha crentes fáceis, ao contrário, a ideia de que
um castelo de vento dura mais que o mesmo vento de que é feito, dificilmente se
despegará da cabeça, e é bom que seja assim, para que se não perca o costume
daquelas construções quase eternas.
Esses
machadismos – presentes não só em Dom
Casmurro –, incluindo a falsa naturalidade com que se refere ao leitor, dão
à obra, por vezes, um tom pernóstico. E é decepcionante que, no caso de Dom Casmurro, ele não tenha resistido à
tentação de fazer seu protagonista assistir a Otelo, de Shakespeare, criando um paralelismo extremamente
batido.
Mas
esqueçamos o Machado de Assis que aprecia perguntas de algibeira, cujo texto
pode desprender, aqui e ali, um odor de naftalina e nos concentremos naquilo
que ele tem de excepcional.
A interrogação
A
síntese do narrador de Dom Casmurro é
oferecida no Capítulo II. Bento, já idoso, relata a construção da casa onde
mora, réplica minuciosa da que habitou quando jovem: “O meu fim evidente era
atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”. Mas confessa
sua derrota: “[...] Não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se
o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e
essa lacuna é tudo”.
Nascida
de fatos reais ou de sua imaginação, a amargura de Bento se espraia pelo
romance. Ela está por trás de suas gozações, do ciúme incontrolável – que o
obriga a abafar “os soluços com a ponta do lençol” –, da sua persistente,
doentia relação monetária com Deus, dos seus acessos de ódio, nos quais se
rebaixa a uma frieza demoníaca – ao saber da morte do filho, não se emociona,
mas consulta a Bíblia para ver, semelhante a um burocrata, se a citação
colocada na tumba está correta; e depois de jantar parte para o teatro –, e no
egoísmo que chega a ser atroz.
Mas,
não nos enganemos: Bento nos escapa. Quando diz a verdade? Ao afirmar que as
mulheres o achavam lindo e não o deixavam em paz, no Capítulo XCVII, ou quando
confessa, no Capítulo CXLVI, como todas se enfadavam rapidamente dele? O certo
é que Bento conta sempre a sua
verdade; e ela pode variar ao sabor dos seus humores, das suas quimeras. Um
homem assim está fadado à desilusão, pois condena os que o circundam a estarem
aquém dos seus sonhos.
Não
é possível termos sentimentos imutáveis em relação a ele ou a qualquer uma das
outras personagens. Ou melhor, há uma que merece nosso carinho da primeira à
última página: Dona Glória, a mãe do protagonista. E gostamos dela graças à
condescendência de seu filho, o narrador, que não nos contou seus defeitos –
mas a presenteou, ao enterrá-la, com uma lápide sem nome, na qual escreveu
somente “Uma santa”, expressão tão elogiosa quanto vaga.
Bento,
o homem que diz bastar-lhe “um sono quieto e apagado”, é o mesmo que remói suas
decepções com mórbido prazer – e ri do começo ao fim do livro. Seu riso,
entretanto, é o que Machado nega ao protagonista do conto “A causa secreta”:
não o riso “jovial e franco” de Fortunato, mas o “riso da dobrez”. Evasivo e
oblíquo, seu sarcasmo é, no fundo, triste. Sua exclamação final assemelha-se a
uma interjeição de agonia, o grito de desespero do solitário que não suporta a
si mesmo.
Depois
da morte da mãe, ao visitar a casa em que morara na juventude, Bento vai ao
quintal; observa cada pormenor, cada árvore – e tudo parece desconhecê-lo. O
tronco da casuarina, antes reto, agora sugere um ponto de interrogação. O
narrador vasculha o ar, busca uma resposta, “um pensamento que ali deixasse”,
mas nada encontra. Então a ramagem sussurra algo, ele imagina que seja “a
cantiga das manhãs novas”, mas “ao pé dessa música sonora e jovial”, escuta “o
grunhir dos porcos, espécie de troça concentrada e filosófica”. Esse é o
autêntico desenlace de Dom Casmurro,
escondido no Capítulo CXLIV: talvez não nos agrade – como o próprio livro
desagrada a tantos –, mas o romance que recusa a solução óbvia das tragédias, ressuma
fel e despreza a verdade só poderia terminar assim, com seu mofino narrador acorrentado
à natureza: ele a interroga – e ela, por ser finita, limitada, oferece-lhe a pior
das respostas.
Um comentário:
fiquei tímida com seu incrível texto, amaria conseguir analisar dessa forma ou pelo 10% já me sentiria melhor. beijos, pedrita
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