Na verdade, pelo menos desde setembro de 2008 Bento XVI demonstra sua preocupação em promover o diálogo entre crentes e não crentes. Em sua viagem a Paris, em seu famoso discurso no Collège des Bernardins, ele já afirmara que “uma cultura meramente positivista que relegasse para o âmbito subjetivo, como não científica, a pergunta acerca de Deus, seria a capitulação da razão, a renúncia às suas possibilidades mais elevadas e, portanto, o descalabro do humanismo, cujas consequências não deixariam de ser graves”.
E voltou ao tema, de maneira mais assertiva, em dezembro de 2009, durante a apresentação de votos de Natal à Cúria Romana, quando disse: “Penso que a Igreja deveria também hoje abrir uma espécie de ‘átrio dos gentios’, onde os homens pudessem de qualquer modo agarrar-se a Deus, sem O conhecer e antes de terem encontrado o acesso ao seu mistério, a cujo serviço está a vida interna da Igreja. Ao diálogo com as religiões deve acrescentar-se hoje sobretudo o diálogo com aquelas pessoas para quem a religião é uma realidade estranha, para quem Deus é desconhecido, e contudo a sua vontade não é permanecer simplesmente sem Deus, mas aproximar-se d’Ele pelo menos como Desconhecido”.
Atendendo ao desejo do papa, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, criou essa nova instituição permanente do Vaticano, o Átrio dos Gentios, destinada a promover intercâmbios e encontros entre crentes, agnósticos e ateus. Foi o que teve início em Paris – na Universidade de Sorbonne, no Instituto da França e na sede da Unesco.
Fechando o primeiro momento desse diálogo mais que necessário, realizou-se, na noite de 25 de março, uma festa no átrio da Catedral de Notre-Dame. Na oportunidade, a catedral foi aberta e todos foram convidados a participar de uma vigília de oração e meditação. Pouco antes, no telão que dominava a praça, apresentou-se a mensagem de Bento XVI, da qual coloco, a seguir, alguns dos trechos mais significativos:
A questão de Deus não é um perigo para a sociedade, não põe em perigo a vida humana. A questão de Deus não deve estar ausente das grandes interrogações do nosso tempo.
Queridos amigos, deveis construir pontes entre vós. Aproveitai a oportunidade que se apresenta para descobrir no mais profundo de vossas consciências, através de uma reflexão sólida e ordenada, os caminhos de um diálogo precursor e fecundo. Tendes muito que dizer uns aos outros. Não fecheis vossas consciências aos desafios e problemas que existem diante de vós.
Estou profundamente convencido de que o encontro entre a realidade da fé e da razão permite que o ser humano encontre a si mesmo. Mas muito frequentemente a razão se dobra à pressão dos interesses e à atração do vantajoso, obrigada a reconhecer isso como um critério último. A busca da verdade não é fácil. E se cada um está chamado a decidir-se com valentia pela verdade é porque não há atalhos para a felicidade e a beleza da vida plena. Jesus o disse no Evangelho: “A verdade os fará livres”.
As religiões não podem ter medo de uma laicidade justa, de uma laicidade aberta, que permita a cada um e a cada uma viver o que crê, de acordo com sua consciência. [...] Crentes e não crentes têm de sentir livres para ser o que são, iguais em seus direitos de viver sua vida pessoal e comunitária com fidelidade às suas convicções, e tem de ser irmãos entre si. Um motivo fundamental deste Átrio dos Gentios é promover essa fraternidade para além das convicções, mas sem negar as diferenças. E, ainda mais profundamente, reconhecendo que só Deus, em Cristo, liberta interiormente e nos permite reencontrar-nos na verdade como irmãos.