fevereiro 25, 2011
Os que nos atormentam em nome do nosso próprio bem
De todas as tiranias, aquela exercida sinceramente em prol do bem de suas vítimas talvez seja a mais opressiva. É melhor viver sob exploradores ladrões do que sob a onipotência moral dos intrometidos. A crueldade dos exploradores às vezes adormece, sua cobiça pode ser saciada em algum momento; mas aqueles que nos atormentam em nome do nosso próprio bem nos atormentarão para sempre, porque eles o fazem com a aprovação das suas próprias consciências. - C. S. Lewis
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fevereiro 19, 2011
Sociologia marxista
Como definir um teólogo católico que, numa longa entrevista, sabe citar Erich Fromm, mas não faz uma única citação dos Evangelhos? Qual o seu método? Qual a sua verdadeira intenção? Por que não há espaço, no seu raciocínio, para a transcendência? Por que a sua eclesiologia se resume à pobre análise da Igreja enquanto organização social e política? Que teologia é essa, que desconhece a Revelação e não medita à luz da Palavra de Deus? Ah, os nossos adoráveis teólogos marxistas e suas ideias mirabolantes... É incrível como só aceitam a Igreja que existe dentro de suas cabeças ideologizadas... Eles se autodenominam teólogos, mas são apenas sociólogos.
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fevereiro 17, 2011
O preço do naturalismo
No Rascunho deste mês, minha análise do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo.
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fevereiro 14, 2011
A esperança “imperecível”
O homem contemporâneo é prisioneiro de uma falsa esperança. Vejo-o caminhando por um dos nossos enlouquecidos centros urbanos, refém daquela beleza passageira que Baudelaire captou no soneto “A une passante”: tentando se apegar à “doçura que envolve” e ao “prazer que assassina” (na tradução de Ivan Junqueira), vê esse estímulo sensual desfazer-se como uma miragem; ao fulgor sucede-se imediatamente a noite, restando-lhe o vazio diante do que percebe escapar em meio ao “frenético alarido”. Restam-lhe três amarguradas exclamações – “Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!” (na tradução de Guilherme de Almeida) – e a destruição final, marcada por um futuro do pretérito que revela a impossibilidade a que ele está submetido: “não sei que fim levaste,/ Tu que eu teria amado”.
Esse amor condicional e incerto é a base da esperança do neopaganismo contemporâneo, cujos deuses não possuem templos e sequer representam forças da natureza, mas definham e renascem na fugacidade e no imediatismo que Walter Benjamin comemorou ao exaltar o flâneur.
Na verdade, o limite da esperança humana foi rebaixado. Os desejos que explodem, de instante a instante, solicitando uma satisfação tão imediata quanto impossível, revelam um desespero edulcorado pela promessa do consumo e pelo entretenimento. Um desespero sem fim, que obriga o homem a esgotar-se, física e emocionalmente, saltando de uma expectativa a outra, apegando-se às suas insignificantes esperanças, sem descanso, impedido de repousar sobre os frutos da sua própria experiência ou de suas raras fruições, movido por uma insatisfação realimentada constantemente. A realidade é sempre um “poderia ter sido” – um “tu” que ele “teria amado”.
Mas não para todos. A esperança que “atrai o futuro para dentro do presente” é algo concretamente possível, nos diz Bento XVI em sua encíclica Spe Salvi, cuja síntese, em minha opinião, encontra-se no trecho da Carta de São Paulo aos Hebreus: “A fé é uma posse antecipada do que se espera [...]” (11,1), pois, como lembra o pontífice, “fé é substância da esperança”.
Partindo da esperança desconhecida – que impele o homem e que se torna “causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro” –, o papa analisa o mundo que deixou de aspirar pelo eterno. Bento XVI recorda as bases filosóficas que levaram o homem a tornar-se prisioneiro da esperança restrita ao progresso da ciência e às infrutíferas tentativas de alcançar uma suposta liberdade perfeita – e demonstra as consequências éticas dessa escolha, todas insatisfatórias, como o século XX e o tempo presente cansam de nos dizer. Mas as palavras do pontífice não se prendem a certo escapismo. Ele sabe o quanto é “necessário um contínuo esforço de melhoria do mundo” – mas sabe também que “o mundo melhor de amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança”. Respondendo especificamente a Adorno e Horkheimer, depois de ter demonstrado a “ambiguidade do progresso”, o papa afirma: “Um mundo que deve criar a justiça por sua conta é um mundo sem esperança”.
Spe Salvi também é um convite ao cristianismo moderno, “que deve aprender de novo a compreender-se a si mesmo a partir das próprias raízes”. E Bento XVI demonstra, didaticamente, o que isso significa, salientando os “‘lugares’ de aprendizagem e de exercício da esperança”: a oração; o agir e o sofrer; e a fé no Juízo final, pois “se diante do sofrimento deste mundo o protesto contra Deus é compreensível, a pretensão de a humanidade poder e dever fazer aquilo que nenhum Deus faz, nem é capaz de fazer, é presunçosa e intrinsecamente não verdadeira”.
“É o Evangelho que me assusta”, diz Santo Agostinho com sua surpreendente franqueza, citado por Bento XVI. A verdade, de fato, sempre nos sobressalta. Mas que outra resposta pode ser oferecida à “ditadura do relativismo”, a não ser a fé que traz, em si mesma, a “segurança das coisas esperadas”? Tem razão o salmista que canta: “A minh’alma espera no Senhor / mais que o vigia pela aurora” [Sl 130 (129)]. Somos esse vigia que, por antecipação, experimenta o inexorável nascer do Sol. Apesar de aguardarmos numa “selva de liberdades autodestruidoras e arbitrárias”, num mundo cada vez mais anticristão, Bento XVI nos convida a, longe da fugacidade e do imediatismo, vivermos como Agostinho viveu: para Cristo, deixando-nos “envolver no seu ‘ser para’”, atados à esperança “imperecível”.
Esse amor condicional e incerto é a base da esperança do neopaganismo contemporâneo, cujos deuses não possuem templos e sequer representam forças da natureza, mas definham e renascem na fugacidade e no imediatismo que Walter Benjamin comemorou ao exaltar o flâneur.
Na verdade, o limite da esperança humana foi rebaixado. Os desejos que explodem, de instante a instante, solicitando uma satisfação tão imediata quanto impossível, revelam um desespero edulcorado pela promessa do consumo e pelo entretenimento. Um desespero sem fim, que obriga o homem a esgotar-se, física e emocionalmente, saltando de uma expectativa a outra, apegando-se às suas insignificantes esperanças, sem descanso, impedido de repousar sobre os frutos da sua própria experiência ou de suas raras fruições, movido por uma insatisfação realimentada constantemente. A realidade é sempre um “poderia ter sido” – um “tu” que ele “teria amado”.
Mas não para todos. A esperança que “atrai o futuro para dentro do presente” é algo concretamente possível, nos diz Bento XVI em sua encíclica Spe Salvi, cuja síntese, em minha opinião, encontra-se no trecho da Carta de São Paulo aos Hebreus: “A fé é uma posse antecipada do que se espera [...]” (11,1), pois, como lembra o pontífice, “fé é substância da esperança”.
Partindo da esperança desconhecida – que impele o homem e que se torna “causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro” –, o papa analisa o mundo que deixou de aspirar pelo eterno. Bento XVI recorda as bases filosóficas que levaram o homem a tornar-se prisioneiro da esperança restrita ao progresso da ciência e às infrutíferas tentativas de alcançar uma suposta liberdade perfeita – e demonstra as consequências éticas dessa escolha, todas insatisfatórias, como o século XX e o tempo presente cansam de nos dizer. Mas as palavras do pontífice não se prendem a certo escapismo. Ele sabe o quanto é “necessário um contínuo esforço de melhoria do mundo” – mas sabe também que “o mundo melhor de amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança”. Respondendo especificamente a Adorno e Horkheimer, depois de ter demonstrado a “ambiguidade do progresso”, o papa afirma: “Um mundo que deve criar a justiça por sua conta é um mundo sem esperança”.
Spe Salvi também é um convite ao cristianismo moderno, “que deve aprender de novo a compreender-se a si mesmo a partir das próprias raízes”. E Bento XVI demonstra, didaticamente, o que isso significa, salientando os “‘lugares’ de aprendizagem e de exercício da esperança”: a oração; o agir e o sofrer; e a fé no Juízo final, pois “se diante do sofrimento deste mundo o protesto contra Deus é compreensível, a pretensão de a humanidade poder e dever fazer aquilo que nenhum Deus faz, nem é capaz de fazer, é presunçosa e intrinsecamente não verdadeira”.
“É o Evangelho que me assusta”, diz Santo Agostinho com sua surpreendente franqueza, citado por Bento XVI. A verdade, de fato, sempre nos sobressalta. Mas que outra resposta pode ser oferecida à “ditadura do relativismo”, a não ser a fé que traz, em si mesma, a “segurança das coisas esperadas”? Tem razão o salmista que canta: “A minh’alma espera no Senhor / mais que o vigia pela aurora” [Sl 130 (129)]. Somos esse vigia que, por antecipação, experimenta o inexorável nascer do Sol. Apesar de aguardarmos numa “selva de liberdades autodestruidoras e arbitrárias”, num mundo cada vez mais anticristão, Bento XVI nos convida a, longe da fugacidade e do imediatismo, vivermos como Agostinho viveu: para Cristo, deixando-nos “envolver no seu ‘ser para’”, atados à esperança “imperecível”.
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