maio 30, 2012

O que de mim não sei


O que sei de mim, por Tua luz o sei; e o que de mim não sei, continuarei a ignorá-lo até que minhas trevas se mudem em meio-dia diante de Tua face. – Santo Agostinho

maio 29, 2012

Immaculata ex maculatis



“Um teólogo como Bento XVI é totalmente consciente de que a Igreja foi, é e será sempre, como diziam os Padres, ‘immaculata ex maculatis’: sem mancha em seu Mistério, que é o próprio Cristo, e, com frequência, demasiado suja em seu envoltório institucional, composta por homens a quem os sacramentos não transformaram em santos. O Papa sabe bem que a Pessoa da Igreja não deve ser confundida com seu pessoal.”

maio 23, 2012

Romano Guardini e a angústia do homem moderno


“[…] A angústia do homem da Idade Moderna, que é diferente da do homem medieval. Este também sentia angústia, porque o senti-la é algo que pertence ao homem enquanto tal, e o homem a sentirá sempre, ainda quando pareça que a ciência e a técnica podem lhe dar uma segurança ainda maior. No entanto, a causa e o caráter da angústia são diferentes em cada época. A angústia do homem medieval nascia, sem dúvida, do peso da limitação cósmica frente ao ímpeto expansivo da alma, que encontrava a calma nesse transcender constante a um mundo superior. A angústia da Idade Moderna, ao contrário, procede, não em pequena medida, da consciência de não ter nem um só ponto de apoio simbólico, nem refúgio que lhe ofereça seguridade imediata; da experiência, renovada constantemente, de que o mundo não proporciona ao homem um lugar de existência que satisfaça, de modo convincente, as exigências do seu espírito.”

Romano Guardini, El ocaso de la Edad Moderna

maio 22, 2012

Ecclesia militans


Hoje, muitos acreditam que a verdade não pode ser simples, objetiva, clara. O relativismo transformou a realidade num cenário nebuloso, opaco, no qual todos têm razão. Ou seja, onde ninguém está certo.

Em meio a estes dias turvos, quando grande parte dos intelectuais e da mídia nos dizem que bem e mal são indistinguíveis, o mal se traveste de humildade – e a mentira de inteligência. Palavras que, num primeiro momento, impressionam agradavelmente, refletem, depois de breve análise, o seu caráter contraditório e, muitas vezes, nocivo.

Numa realidade assim, o discurso de Bento XVI, proferido ontem, num encontro informal com os cardeais, ganha relevância surpreendente: “Hoje, a expressão ecclesia militans está um pouco fora de moda, mas, na realidade, podemos sempre compreender melhor que ela é verdadeira, carrega em si a verdade. Vemos que o mal está dominando o mundo e que é necessário entrar em luta contra o mal. Vemos como ele o faz de tantas maneiras, cruéis, com as diversas formas de violência, mas também mascarado como bem e destruindo, dessa forma, os fundamentos morais da sociedade”.

Na verdade, vivemos uma guerra permanente contra o mal, contra as falácias da herança iluminista e marxista – e, portanto, contra a mixórdia de niilismo e desconstrucionismo que assola o pensamento. Vivemos uma guerra cultural – e tenhamos certeza: somos convocados a participar dessa luta.

maio 19, 2012

Como corromper o pensamento de René Girard


Nesta entrevista, entrevistador e entrevistado, usando palavras melífluas, destilam corrupção: passo a passo, corrompem o pensamento de René Girard – e, pior, querem manipular Girard para corromper a Igreja; querem instrumentalizar Girard para transformar a Igreja no que eles desejam, no seu projeto particular e mesquinho. Como já afirmei aqui, eles querem, de Girard, apenas o que pode servir às suas ideias corruptoras, mas não querem a verdade de Girard – e a falsificam.

maio 18, 2012

Males do crítico envergonhado


Se não há certezas, se não há como definir o que é boa ou má literatura, então todos, absolutamente todos – escritores, críticos, biógrafos, professores – deveriam ficar calados. 

O relativismo, de fato, contagia toda a cultura.

maio 17, 2012

A coragem de Jean Daniélou, cardeal jesuíta


Minha primeira ideia foi dar a este post um título provocativo – A crise dos jesuítas na América Latina, Parte 2 –, pois ele é, sob muitos aspectos, uma continuação do texto que publiquei no início deste mês, repercutindo, com informações sobre alguns dos jesuítas brasileiros, o artigo do vaticanista Andrés Beltramo, La crisis de los jesuitas (latinoamericanos).

Não o fiz, contudo, para salientar a figura do cardeal Daniélou, cujo pensamento foi objeto de recente jornada de estudos na Pontificia Università della Santa Croce, em Roma, e de quem o vaticanista Sandro Magister publicou, há poucos dias, uma incrível entrevista, originalmente feita em 1972, mas que apresenta respostas, infelizmente atualíssimas, sobre as causas da decadência da vida religiosa.

Magister afirma que, na época, “a entrevista foi lida como uma acusação lançada contra a Companhia de Jesus”, e que o jesuíta Bruno Ribes, então diretor da revista Études, mostrou-se como um dos mais ativos em destruir a reputação de Daniélou.

À parte essas questões, a corajosa entrevista fala por si mesma (em espanhol, italiano, inglês e francês). A seguir, alguns dos melhores trechos:

Penso que há, atualmente, uma crise muito grave da vida religiosa e que não se deve falar de renovação, mas, sim, de decadência. [...] Esta crise se manifesta em todas as esferas. Os ensinamentos evangélicos já não são considerados como consagração a Deus, mas são vistos numa perspectiva sociológica e psicológica. Preocupamo-nos em não apresentar uma fachada burguesa, mas, no plano individual, não se pratica a pobreza. A dinâmica de grupo substitui a obediência religiosa; com o pretexto de reagir contra o formalismo, abandona-se toda a vida de oração segundo as Regras [...].

A fonte essencial dessa crise é uma falsa interpretação do Vaticano II. As diretivas do Concílio eram claríssimas: maior fidelidade dos religiosos e religiosas às exigências do Evangelho, expressadas nas Constituições de cada instituto e, ao mesmo tempo, uma adaptação das modalidades dessas Constituições às condições da vida moderna. [...] Mas, em muitos casos, as diretivas do Vaticano II são substituídas por ideologias errôneas, colocadas em circulação por revistas, congressos e teólogos. Entre esses erros, podemos mencionar:

– A secularização. O Vaticano II declarou que os valores humanos devem ser levados a sério. Jamais disse que devemos ingressar num mundo secularizado, no sentido de que a dimensão religiosa já não haverá de estar presente na civilização; e é em nome de uma falsa secularização que religiosos e religiosas renunciam aos seus hábitos, abandonam suas obras para inserir-se em instituições seculares, substituindo a adoração a Deus por atividades sociais e políticas. Entre outras coisas, vão na contramão no que se refere à necessidade de espiritualidade que se manifesta no mundo de hoje.

– Uma falsa concepção de liberdade que leva consigo a desvalorização das Constituições e Regras, e exalta a espontaneidade e a improvisação. Isto é tanto mais absurdo quanto a sociedade ocidental sofre atualmente de uma ausência de disciplina da liberdade.

– Uma concepção errônea da mutação do homem e da Igreja. Ainda quando os contextos mudam, os elementos constitutivos do homem e da Igreja são permanentes [...].

Como afirmei acima, a entrevista tem incrível e triste atualidade. É como se o cardeal Daniélou tivesse acabado de falar à Rádio Vaticano. E torna-se impossível, depois de ler sua íntegra, não retornar aos textos de Andrés Beltramo [La crisis de los jesuitas (latinoamericanos) e Más de jesuitas latinoamericanos (impresentables)] ou às afirmações que fiz em meu post. E que repito: Não, não se trata de uma crise eventual, infelizmente. Trata-se, na verdade, de nítida ruptura, de escancarado desejo de insubordinação, de um patente movimento de secularização e laxismo – que, pelo visto, teve início há várias décadas.

maio 15, 2012

Quais seus desejos ou sentimentos agora?

O horizonte do homem contemporâneo está limitado, em muitos casos, por um novo tipo de xamanismo. Os teólogos secularistas, os novíssimos gurus, a vanguarda dos cientistas, pensadores e médicos politicamente corretos, os escritores de autoajuda, a esquerda que recupera filosofias, símbolos e cultos pagãos: todos dançam nus, noite após noite, em torno de uma imensa fogueira, embriagados por algum tipo de chá, sonhando que copulam com golfinhos, ninfas, sátiros... São personagens de um vasto painel naïf, pueris em suas cantigas de roda, em seu enaltecimento do corpo, em seus rituais dionisíacos, em sua crença de que vivem além do bem e do mal, enquanto o mundo segue uma trajetória nada inocente. Lembram Nietzsche dando entrada no manicômio de Jena: fazem grandes reverências, andam de forma majestática, com o olhar preso ao teto, e agradecem pela “magnífica acolhida”. As diversas formas de “amor a Gaia” representam uma alucinação coletiva, um retorno ao que existe de mais primitivo. A esperança foi acorrentada ao transitório por esses ilusionistas, seguidores tardios de Franz Mesmer. E eles prometem, solenemente, o mais nobre dos fins ao homem de hoje, quando lhe perguntarão, cheios de ingênua arrogância: “M. Valdemar, can you explain to us what are your feelings or wishes now?”.

maio 10, 2012

Presunção e vanidade


“Somos tão presunçosos que gostaríamos de ser conhecidos por toda a terra e até por pessoas que virão quando não existirmos mais. E somos tão vãos que a estima de cinco ou seis pessoas que nos cercam nos distrai e nos contenta.” – Pascal

maio 09, 2012

Literatura, subjetivismo e covardia


Vivemos uma época de simplismos. Ou melhor, um tempo no qual o simplismo e o raciocínio esquemático pretendem substituir os caminhos do espírito que, demonstrando coragem e maturidade, olha para si mesmo, em seguida, prolongadamente, para o real, volta-se mais uma vez para o seu próprio eu – e só então expressa suas ideias, seus sentimentos.


Esta é uma época na qual a imprudência e a precipitação brilham a cada textinho de quatro ou seis parágrafos, escrito com a arrogância de ser não só uma reflexão, mas de apontar caminhos, soluções, regras, quando não verdades.


Um tempo em que os textos fedem a rascunho, a esboço. A boa menina faz seu resuminho escolar com capricho, usa canetinhas coloridas para as flores das margens, numera as linhas – e fecha a página do caderno com delicada iluminura. Mas o texto continua um resumo. O esquematismo refulge a cada linha.


Assim, a coluninha de jornal se transforma em ensaio, o conto estendido em romance, as trinta linhas repetindo lições de Derrida em crítica literária.


Ora, quando o centro da consciência já não é a verdade, mas apenas o gosto efêmero, então o subjetivismo comanda. É o império dos croniqueiros, coelhinhos de olhar róseo, tiques nervosos e pelagem branca, apressados e superficiais. Tempo triste, desolador – não só para a literatura –, no qual os homens, sem perceber, se transformam em covardes, pois só têm uma única resposta aos seus desejos pessoais e ao senso comum: Sim.

maio 08, 2012

À espera de justiça


Este mês, no jornal Rascunho, falo sobre o esquecido romance A falência, de Júlia Lopes de Almeida:

No tecido da literatura brasileira há um vigor que não cansa de pulsar. São os autores esquecidos, sobranceados pelos que, injustamente, se tornaram famosos. Traídos pelas convenções estéticas, pelas panelinhas que controlam os cadernos culturais e pelos críticos obedientes a modismos, esses menosprezados cumprem, no entanto, digno papel: o de aguilhoar o establishment e comprovar que, andando na contramão, também é possível produzir boa literatura. Silentes, preenchendo as prateleiras dos sebos ou o canto úmido das bibliotecas, tais obras sussurram aos novos escritores: “Não receiem tomar emprestados meus acertos e melhores lições”.

maio 02, 2012

A crise dos jesuítas na América Latina


Em seu texto de hoje, o vaticanista Andrés Beltramo fala sobre a crise vivida pelos jesuítas latino-americanos. Não, não se trata de uma crise eventual, infelizmente. Trata-se, na verdade, de nítida ruptura, de escancarado desejo de insubordinação, de um patente movimento de secularização e laxismo que congrega parcela significativa da Companhia de Jesus, ordem que já foi conhecida por sua absoluta fidelidade ao Papa.

As denúncias apresentadas por Beltramo, contudo, ainda que gravíssimas, revelam apenas parte do declínio moral, filosófico e teológico vivido pelos jesuítas latino-americanos. Veja-se, por exemplo, no Brasil, o caso do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, cisto de filosofia marxista e projeto revolucionário que defende, abertamente, o que de mais radical há na Teologia da Libertação. Os jesuítas ali reunidos são, inclusive, anacrônicos – comprova-o o slogan de 1968 que serve como epígrafe e eixo estratégico do IHU: “Arrisca teus passos por caminhos pelos quais ninguém passou; arrisca tua cabeça pensando o que ninguém pensou”.

Sob o romantismo passadista dessa frase de efeito, esconde-se o esquerdismo e cultua-se, em nome da liberdade de pensamento, a vocação de afrontar o Magistério da Igreja e a Santa Tradição, tarefa que os jesuítas ali reunidos desempenham incansável e cotidianamente, amparados pelos superiores coniventes e por um episcopado dividido entre a tolerância excessiva – agradavelmente disfarçada de indulgência evangélica – e a timidez.

Agora mesmo prepara-se ali um Congresso Continental de Teologia, a ser realizado em outubro deste ano, cujo nome, no entanto, é deixado propositalmente incompleto, para camuflar o seu real objetivo: cultuar a Teologia da Libertação – é o que qualquer inteligência de média capacidade pode concluir dos textos que apresentam o evento.

Os jesuítas da Unisinos dão, assim, mais um passo no anelado projeto – deles e de parte dos nossos bispos – de desligar a Igreja latino-americana de Roma; de erigir a Teologia da Libertação à condição de pensamento hegemônico; de pensar e agir sem qualquer colegialidade – ou melhor, de construir uma falsa colegialidade, na qual as conferências episcopais passariam a falar ex cathedra e o Papa não seria o sucessor de Pedro, mas apenas um mero adereço.

Parte das consequências desse tipo de comportamento se manifesta na confusão moral, na achincalhação teológica defendida pelo jesuíta chileno Pedro Labrín, analisada com destemor por Andrés Beltramo. Há muito mais, contudo. A teologia defendida pelos jesuítas, incluindo os da Unisinos, é a grande arma de guerra que, nos últimos anos, destruiu a liturgia em centenas de nossas paróquias, transformando a celebração do Sacrifício de Jesus Cristo em festinhas de confraternização, reuniões sindicais ou encontros para se cantar, sapatear e saracotear ao ritmo de hinos protestantes ou canções que se assemelham a marchinhas de Carnaval.

Número significativo de jesuítas latino-americanos especializou-se em cumprir apenas a primeira parte da recomendação, apócrifa, de Inácio de Loyola – “Confia em Deus mas age como se o resultado de teus empreendimentos só dependesse de ti e não de Deus” –, preferindo esquecer o restante: “Entretanto, mesmo dedicando todos os teus cuidados a tais empreendimentos, age como se tua ação devesse ser nula e como se Deus devesse tudo fazer”.    

Sob a inspiração do Instituto Humanitas Unisinos – e de outros centros de teologia secularista –, os “padres de passeata” de Nelson Rodrigues se transformaram em perigosos neopelagianos, padres de chinelo, anelzinho de plástico imitando osso, rotas calças jeans e missas-relâmpago, nas quais a consagração é somente um elemento fortuito, superado pela “alegria de estar entre irmãos”. Eles certamente se acreditam os novos Franciscos de Assis, os novíssimos Inácios de Loyola, mas não passam de corruptelas do que a História da Igreja produziu de mais nobre e mais puro. Sob a bem cuidada imagem de vanguardistas, carregam o estandarte da decadência teológica, de uma teologia que não consegue erguer o olhar acima do próprio umbigo.

maio 01, 2012

O segredo do Papa Ratzinger


“À fé nula ou escassa de tantos homens de hoje, nas missas banalmente reduzidas a abraços da paz e assembleias solidárias, o papa Bento XVI oferece a fé substancial em um Deus que se faz realmente próximo, que se deixa tocar e comer.”

(Para aqueles que desejarem, em espanhol, a íntegra do artigo de Sandro Magister.)