Agora o verão se foi
E poderia nunca ter vindo.
No sol está quente.
Mas tem de haver mais.
Tudo aconteceu,
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas,
Mas tem de haver mais.
Nada de mau se perdeu,
Nada de bom foi em vão,
Uma luz clara ilumina tudo,
Mas tem de haver mais.
A vida me recolheu
À segurança de suas asas,
Minha sorte nunca falhou,
Mas tem de haver mais.
Nem uma folha queimada,
Nem um graveto partido,
Claro como um vidro é o dia,
Mas tem de haver mais.
Arseny Alexandrovich Tarkovsky
A todos – amigos, leitores, clientes – um feliz 2010, repleto de boas leituras, tranqüilidade e harmonia.
***
Observação (em 3 de janeiro de 2010):
Lauro Machado Coelho, em seu Poesia soviética (Editora Algol), apresenta outra tradução desse poema:
Agora o verão passou.
Ele podia nunca ter acontecido.
Está quente ao sol,
Mas isso não é bastante.
Tudo isso poderia ter ocorrido
Como um trevo de cinco pontas
Flutuando em minha mão,
Mas isso não é o bastante.
Nem o mal nem o bem
Desvaneceram-se em vão,
Tudo ardeu e houve luz,
Mas isso não é o bastante.
A vida tem sido como um escudo,
E tem oferecido proteção.
Tenho tido bastante sorte,
Mas isso não é o bastante.
As folhas não se queimaram,
Os ramos não se quebraram,
Claro como vidro o dia está,
Mas isso não é o bastante.
dezembro 31, 2009
dezembro 30, 2009
A quietude no meio do caos
O que desejo para 2010? O que sempre estou buscando? Qual o anseio subjacente a todos os meus pensamentos? Saul Bellow (foto) tem a resposta:
Sinto que a arte tem a ver com a conquista da quietude no meio do caos. Uma quietude que caracteriza a prece, também, e o olho do ciclone. Deter a atenção em meio à distração.
Que eu consiga viver no olho do ciclone, centrado em meus pensamentos, desprezando tudo que é supérfluo, frívolo, vulgar. Que eu seja um trapista vivendo no século.
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dezembro 26, 2009
Knut Hamsun
Dois ótimos textos que comentam a vida e a obra do escritor norueguês Knut Hamsun: a resenha de Javier Fernández de Castro, sobre o romance Vitória, e trechos da biografia escrita por Ingar Sletten Kolloen.
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dezembro 24, 2009
dezembro 23, 2009
Sem melancolia
Poucas coisas podem ser melhores para expulsar a melancolia desta época do ano – quando recordo, cada vez mais, dos familiares muito amados que se foram ou que, por várias razões, estão longe de mim – do que um antigo e singelo musical da RKO, com Fred Astaire e Ginger Rogers. É o melhor remédio contra a tristeza. E fiz questão de tomá-lo até a última gota hoje, assistindo a Top Hat (O Picolino), adorável comédia dirigida por Mark Sandrich, com as magníficas canções de Irving Berlin. Vejam, por exemplo, esta longa cena, em que Ginger e Fred dançam ao som de Cheek to Cheek. Astaire pode não ser um bom cantor, mas qualquer falha desaparece sob a música de Berlin e a leveza dessa dupla incrível:
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dezembro 22, 2009
Natal no Islã
Quando o mundo entenderá que o discurso do Islã não corresponde à sua prática? Quando o mundo entenderá que pluralismo, democracia e liberdade não são valores fundamentais para o islamismo? Vejam, por exemplo, o post de Marcos Guterman, no qual ele comenta matéria publicada no New York Times. Leiam e depois me respondam: é possível conviver pacificamente com o fundamentalismo muçulmano?
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dezembro 21, 2009
Um rasgo de bom humor
Há situações na vida que exigem um rasgo de bom humor. Quando a circunstância exata surge, gosto de repetir, por exemplo, a frase que decorava uma das paredes da Sapataria Relâmpago, na Praça da Matriz, na Jundiaí da minha infância: “O impossível fazemos na hora – milagres demoram um pouco mais”.
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dezembro 20, 2009
Cabaré intelectual
Na Folha de S. Paulo de hoje, John Gray faz críticas lúcidas aos principais ícones do comunismo moderno: a dupla Michael Hardt e Antonio Negri e o pretenso filósofo Slavoj Zizek, incluindo todos na categoria de “número de cabaré intelectual”.
Depois de analisar os livros de Hardt e Negri, Gray conclui, implacável: “baboseira do tipo que visa a fazer o leitor se sentir bem, disfarçada de análise neomarxista”. Quanto a Zizek, árduo defensor do comunismo, Gray também acerta: ele “passa por cima do fato de que em nenhum lugar o terror sistemático realizou as metas utópicas do comunismo e que, em vez disso, criou formas novas e piores de tirania, ao mesmo tempo dizimando milhões de pessoas”.
Primores do pensamento a-histórico, ultrarromânticos anacrônicos, Hardt, Negri e Zizek realmente só podem ser lidos assim, como roteiristas de vaudeville. Mas Zizek, principalmente, escreve vaudeville de mau gosto, pois prefere fazer vista grossa aos gulags, à censura, à coerção e ao terror dos regimes comunistas – e, pior, acredita que pisotear cadáveres pode construir um mundo novo, sem injustiças.
Depois de analisar os livros de Hardt e Negri, Gray conclui, implacável: “baboseira do tipo que visa a fazer o leitor se sentir bem, disfarçada de análise neomarxista”. Quanto a Zizek, árduo defensor do comunismo, Gray também acerta: ele “passa por cima do fato de que em nenhum lugar o terror sistemático realizou as metas utópicas do comunismo e que, em vez disso, criou formas novas e piores de tirania, ao mesmo tempo dizimando milhões de pessoas”.
Primores do pensamento a-histórico, ultrarromânticos anacrônicos, Hardt, Negri e Zizek realmente só podem ser lidos assim, como roteiristas de vaudeville. Mas Zizek, principalmente, escreve vaudeville de mau gosto, pois prefere fazer vista grossa aos gulags, à censura, à coerção e ao terror dos regimes comunistas – e, pior, acredita que pisotear cadáveres pode construir um mundo novo, sem injustiças.
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dezembro 18, 2009
Presépios da infância
Sempre que se aproxima o Natal, minha memória volta-se à infância. Ainda que, no decorrer da vida adulta, tenha me afastado do catolicismo, preservo não só amigos do ano em que cursei filosofia no seminário – alguns deles, inclusive, ascenderam na hierarquia da Igreja –, mas também profundo respeito pelos rituais e datas festivas. É impossível me dissociar das tradições que marcaram minha vida e a de meus familiares. E, ao invés de lutar contra os sentimentos que me invadem, submeto-me a eles, deixo que a emoção emerja e cumpra seu papel, pois seria uma rematada tolice negar o que pulsa dentro de mim. Revisito, então, os melhores dias do Advento, aqueles em que meu pai nos levava a visitar os dois mais belos presépios de Jundiaí. No jardim de entrada da velha indústria Argos construía-se, anualmente, um presépio imenso, cheio de pormenores, com água corrente que fazia funcionar o monjolo e figuras que se mexiam. Contudo, ainda que essa maravilha de engenharia me impressionasse, a lembrança mais viva refere-se ao presépio da catedral Nossa Senhora do Desterro. A luz que atravessava os vitrais dissolvia-se na penumbra da nave central, e caminhávamos em silêncio por entre as colunas, até chegar ao estrado alto em que a cena do estábulo era reconstruída sem anacronismos. Ali, no fundo quase escuro, o recém-nascido – Aeterni Parentis splendorem aeternum, velatum sub carne, como diz a mais doce canção natalina, Adeste Fideles – era velado por seus pais e pelos pastores. Ali se concentrava o mistério do Natal, do Deus que se faz homem, mas sem qualquer arrogância, recusando todos os privilégios. Só mesmo alguém como Francisco de Assis, cuja espiritualidade, saudavelmente reacionária, abalou o Ocidente, poderia captar com tanta sabedoria a loucura da encarnação, traduzindo-a aos mais simples*, aproximando-a dos que buscam a essência da mensagem cristã, desvinculada, em sua origem, de qualquer pompa. Se posso, aos cinquenta anos, revisitar o catolicismo de meus avós, é essa religião que eu abraçaria, a do silêncio, inimiga da celebridade e da glória do mundo, algo entre o franciscanismo e a Trapa.
* O primeiro presépio foi montado por São Francisco de Assis, em 1223, na floresta de Greccio, na Itália.
* O primeiro presépio foi montado por São Francisco de Assis, em 1223, na floresta de Greccio, na Itália.
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dezembro 15, 2009
Lutar contra a vida frívola
Desidério Murcho está sempre a propor reflexões instigantes, como a publicada hoje, da qual extraio um trecho que colocarei em local bem visível no meu escritório:
A vida de praticamente todos os artistas, cientistas ou filósofos é um teste contínuo à força de vontade, uma luta constante contra todos os obstáculos das frivolidades do dia-a-dia, que nos roubam tempo e tornam mais fácil não fazer o que mais valorizamos.
A vida de praticamente todos os artistas, cientistas ou filósofos é um teste contínuo à força de vontade, uma luta constante contra todos os obstáculos das frivolidades do dia-a-dia, que nos roubam tempo e tornam mais fácil não fazer o que mais valorizamos.
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O verdadeiro Brasil
Às vezes o verdadeiro Brasil aflora, contestando o discurso demagógico, triunfalista e megalomaníaco do governo federal. Segundo notícia veiculada hoje, dados do Ministério da Saúde apontam que 58% dos brasileiros não fazem uso da escova de dentes e um terço da população nunca fez tratamento dentário. Cerca de 40 milhões de brasileiros já perderam todos os dentes. Ou seja, grande parte da população sequer imagina o que são cuidados básicos de higiene.
Esse é o Brasil real, emperrado, difícil de mudar, o presunto inesgotável de que falava Lima Barreto, o Brasil que a política antiliberal e populista do governo só entrava ainda mais.
Esse é o Brasil real, emperrado, difícil de mudar, o presunto inesgotável de que falava Lima Barreto, o Brasil que a política antiliberal e populista do governo só entrava ainda mais.
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Lima Barreto
dezembro 14, 2009
Deixar que as coisas sejam
Quando nos daremos conta de que o maior acontecimento que podemos esperar da vida não é um acontecimento propriamente dito, mas, na verdade, um meta-acontecimento, uma mudança de perspectiva que nos faça ver o real de outra maneira?
Manuel Cruz, catedrático de filosofia da Universidade de Barcelona, fala, de maneira admirável, sobre essa forma especial de se olhar a vida, de se estar aberto a novas possibilidades: “O segredo é extremamente simples. [...] Trata-se, em substância, de deixar que as coisas sejam, de não nos empenharmos em impedir sua emergência”.
Um meta-acontecimento: a “genuína condição de possibilidade de todo acontecimento”.
Leiam aqui o artigo/crônica de Manuel Cruz.
Manuel Cruz, catedrático de filosofia da Universidade de Barcelona, fala, de maneira admirável, sobre essa forma especial de se olhar a vida, de se estar aberto a novas possibilidades: “O segredo é extremamente simples. [...] Trata-se, em substância, de deixar que as coisas sejam, de não nos empenharmos em impedir sua emergência”.
Um meta-acontecimento: a “genuína condição de possibilidade de todo acontecimento”.
Leiam aqui o artigo/crônica de Manuel Cruz.
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dezembro 10, 2009
Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa
Quando o fim do ano se aproxima, a nostalgia dos livros que não li vem me apoquentar. Não me interessam os volumes que, felizardos, estão cheios das observações que escrevo a lápis enquanto leio. O que importa, o que realmente importa, são as pilhas aguardando sobre o criado-mudo, na escrivaninha... a fila interminável que me remói, enchendo-me de culpa, acusando-me de não ter cuidado do que era essencial.
Mas li tanto... Por que não me basta? Por que não me satisfaço com a velha desculpa, de que haverá tempo para todos os livros, incluindo os que ainda nem imagino? Não sei... Sei apenas que me entristeço pelo tempo perdido em inúteis afazeres, desperdiçado com livros ruins, que só me aborreceram, e com a dura necessidade de trabalhar para sobreviver.
Estão lá, no criado-mudo, As aventuras de Augie March, do Bellow, e Meridiano de sangue, do Cormac MacCarthy – exatamente os dois que mais desejo ler. Não consegui chegar perto, nem mesmo passar os olhos no índice ou na bibliografia, do estudo de Sylvie Courtine-Dénamy sobre Hanna Arendt, e o mesmo ocorreu com a biografia de Lampedusa, um dos autores que mais amo, escrita por David Gilmour. Há dois anos Poetas românticos, críticos e outros loucos segue invicto sobre minha mesa de trabalho; livros chegam e partem, mas o volume de Charles Rosen, espanado semanalmente, aguarda um gesto de boa vontade. E como posso me desculpar com George Steiner e Câmara Cascudo, cujos Lições dos mestres e Canto de muro não consigo terminar há meses, ainda que me agradem?
Talvez eu devesse ser mais sistemático ou, quem sabe, mais compulsivo. Não sei. Mas me incomodam esses volumes arrumados com esmero pela faxineira, como se ela soubesse da minha falta. E que desconforto sinto ao olhar para eles, como se tivesse cabulado a aula ou exagerado nos doces, ou, pior, traído um grande amor – uma daquelas traições sem volta, irremediáveis, que até mesmo o padre, na penumbra do confessionário, hesita perdoar...
Mas li tanto... Por que não me basta? Por que não me satisfaço com a velha desculpa, de que haverá tempo para todos os livros, incluindo os que ainda nem imagino? Não sei... Sei apenas que me entristeço pelo tempo perdido em inúteis afazeres, desperdiçado com livros ruins, que só me aborreceram, e com a dura necessidade de trabalhar para sobreviver.
Estão lá, no criado-mudo, As aventuras de Augie March, do Bellow, e Meridiano de sangue, do Cormac MacCarthy – exatamente os dois que mais desejo ler. Não consegui chegar perto, nem mesmo passar os olhos no índice ou na bibliografia, do estudo de Sylvie Courtine-Dénamy sobre Hanna Arendt, e o mesmo ocorreu com a biografia de Lampedusa, um dos autores que mais amo, escrita por David Gilmour. Há dois anos Poetas românticos, críticos e outros loucos segue invicto sobre minha mesa de trabalho; livros chegam e partem, mas o volume de Charles Rosen, espanado semanalmente, aguarda um gesto de boa vontade. E como posso me desculpar com George Steiner e Câmara Cascudo, cujos Lições dos mestres e Canto de muro não consigo terminar há meses, ainda que me agradem?
Talvez eu devesse ser mais sistemático ou, quem sabe, mais compulsivo. Não sei. Mas me incomodam esses volumes arrumados com esmero pela faxineira, como se ela soubesse da minha falta. E que desconforto sinto ao olhar para eles, como se tivesse cabulado a aula ou exagerado nos doces, ou, pior, traído um grande amor – uma daquelas traições sem volta, irremediáveis, que até mesmo o padre, na penumbra do confessionário, hesita perdoar...
dezembro 09, 2009
Reparação
Um documentário que reúne, entre outros, depoimentos do historiador Marco Antonio Villa, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli, certamente merece ser assistido. Reparação, dirigido por Daniel Moreno, parte do drama de Orlando Lovecchio – que perdeu uma das pernas no atentado ao Consulado dos EUA em São Paulo, cometido pela esquerda no ano de 1968, e que luta até hoje por uma indenização justa – para discutir a realidade da ditadura militar no Brasil. “A esquerda era golpista, assim como a direita”, afirma, com lucidez, Marco Antonio Villa.
Assistam ao trailer:
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dezembro 07, 2009
Ficção científica e mundividência cósmica
O professor Desidério Murcho, da Universidade Federal de Ouro Preto, sempre nos oferece reflexões instigantes. Vejam, por exemplo, este trecho de seu artigo “Azar cósmico e o futuro pós-humano”:
O sonho de explorar outros planetas carece de realismo. Mesmo que seja possível, é uma possibilidade de tal modo remota que não tem poder motivador. Isto deixa-nos, num certo sentido, onde sempre estivemos. Deixa-nos no provincianismo das nossas preocupações mesquinhas, que nos faz imaginar realidades distantes, na ficção científica, só para voltarmos a falar de nós mesmos e dos nossos problemas: guerra, discriminação, dominação, opressão das hierarquias, facciosismo, cegueira. O sonho que mais vale a pena sonhar, em ficção científica, é assim o domínio das tecnologias genéticas, que nos permitam ter bebés mais inteligentes, mais sensatos — menos humanos, num certo sentido. Se a humanidade é o que tem mostrado ao longo dos milénios — exploração dos fracos, frivolidade, injustiça, provincianismo — talvez valha a pena sonhar com um futuro pós-humano, em que os nossos descendentes, mais inteligentes e sensatos, possam fundar uma sociedade que, ao contrário de todas as sociedades humanas, não seja uma vergonha cósmica.
A íntegra do artigo pode ser lida aqui.
O sonho de explorar outros planetas carece de realismo. Mesmo que seja possível, é uma possibilidade de tal modo remota que não tem poder motivador. Isto deixa-nos, num certo sentido, onde sempre estivemos. Deixa-nos no provincianismo das nossas preocupações mesquinhas, que nos faz imaginar realidades distantes, na ficção científica, só para voltarmos a falar de nós mesmos e dos nossos problemas: guerra, discriminação, dominação, opressão das hierarquias, facciosismo, cegueira. O sonho que mais vale a pena sonhar, em ficção científica, é assim o domínio das tecnologias genéticas, que nos permitam ter bebés mais inteligentes, mais sensatos — menos humanos, num certo sentido. Se a humanidade é o que tem mostrado ao longo dos milénios — exploração dos fracos, frivolidade, injustiça, provincianismo — talvez valha a pena sonhar com um futuro pós-humano, em que os nossos descendentes, mais inteligentes e sensatos, possam fundar uma sociedade que, ao contrário de todas as sociedades humanas, não seja uma vergonha cósmica.
A íntegra do artigo pode ser lida aqui.
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dezembro 05, 2009
A Osesp sob o comando de Frank Shipway
Ainda que a plateia tenha delirado com O festim de Baltazar, de William Walton (ouvi a peça tendo a impressão, durante alguns trechos, de estar assistindo a um filme de Cecil B. DeMille), o melhor momento da noite, nesta última quinta-feira, foi a Sinfonia nº 29 em lá maior, de Mozart. Sob a regência de Frank Shipway, a orquestra tocou com, digamos, sabedoria. O Andante, de extrema delicadeza, e o lirismo às vezes quase infantil de Mozart, que nos dá uma insuperável sensação de jovialidade, como se a alegria pudesse subsistir para além daqueles minutos em que nos protegemos na sala de concerto: Shipway conseguiu extrair da orquestra os sons, as variações mais tênues. Com um currículo impressionante, ele rege destilando a dignidade que se espera de um grande maestro, e demonstra, a cada gesto, não só dar o melhor de si, mas realmente dialogar com a orquestra; um diálogo não apenas profícuo, mas que obteve da Osesp o que ela tem de melhor. E ao final da programação, o observador atento pôde perceber como a própria orquestra agradecia ao regente por ter feito o que, neste ano de 2009, nenhum outro conseguiu fazer.
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dezembro 04, 2009
Desperdício
O populismo é mestre em esbanjar dinheiro público de maneira irresponsável. O Vale Cultura, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, só reafirma como é fácil fazer demagogia com o dinheiro dos contribuintes e ainda rotulá-la de "política de incentivo à cultura". O dinheiro poderá ser usado, inclusive, para se comprar revistas, jornais e gibis. Como vemos, a preocupação governamental está profundamente ligada à educação das massas...
dezembro 01, 2009
Senso comum e arte
Voltando às minhas leituras de William Hazlitt, coloco a seguir um dos bons trechos do ensaio “Por que as artes não evoluem?”, de 1814. Temo que minha tradução não seja exemplar, mas certamente permitirá aos interessados descobrir um pouco desse crítico infelizmente nunca divulgado no Brasil:
“O princípio do sufrágio universal, por mais aplicável que seja a questões de governo, que têm a ver com os sentimentos e os interesses comuns da sociedade, não é aplicável, de modo algum, aos assuntos do gosto, pois, estes, só podem julgá-los os espíritos mais refinados. A humanidade nunca pôde entender completamente os maiores esforços do gênio, em qualquer uma das artes. Há uma infinidade de belezas e verdades muito além da sua compreensão, que chegam a ser comuns no mundo porque o refinamento e a sublimidade se misturam com outras qualidades, de natureza mais óbvia e vulgar. O gosto constitui o grau mais elevado da sensibilidade, assim como a impressão que atua sobre as mentes mais refinadas, da mesma forma que o gênio é o resultado da força do sentimento e da invenção. Pode-se dizer, no entanto, que o gosto público é suscetível de uma melhora gradual, pois o povo termina fazendo justiça às obras de maior mérito. Semelhante ideia é um erro. A reputação que, ao final, e quase sempre lentamente, se concede às obras de gênio provém da autoridade, não do assentimento popular nem do senso comum do mundo.”
“O princípio do sufrágio universal, por mais aplicável que seja a questões de governo, que têm a ver com os sentimentos e os interesses comuns da sociedade, não é aplicável, de modo algum, aos assuntos do gosto, pois, estes, só podem julgá-los os espíritos mais refinados. A humanidade nunca pôde entender completamente os maiores esforços do gênio, em qualquer uma das artes. Há uma infinidade de belezas e verdades muito além da sua compreensão, que chegam a ser comuns no mundo porque o refinamento e a sublimidade se misturam com outras qualidades, de natureza mais óbvia e vulgar. O gosto constitui o grau mais elevado da sensibilidade, assim como a impressão que atua sobre as mentes mais refinadas, da mesma forma que o gênio é o resultado da força do sentimento e da invenção. Pode-se dizer, no entanto, que o gosto público é suscetível de uma melhora gradual, pois o povo termina fazendo justiça às obras de maior mérito. Semelhante ideia é um erro. A reputação que, ao final, e quase sempre lentamente, se concede às obras de gênio provém da autoridade, não do assentimento popular nem do senso comum do mundo.”
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