Sempre que se aproxima o Natal, minha memória volta-se à infância. Ainda que, no decorrer da vida adulta, tenha me afastado do catolicismo, preservo não só amigos do ano em que cursei filosofia no seminário – alguns deles, inclusive, ascenderam na hierarquia da Igreja –, mas também profundo respeito pelos rituais e datas festivas. É impossível me dissociar das tradições que marcaram minha vida e a de meus familiares. E, ao invés de lutar contra os sentimentos que me invadem, submeto-me a eles, deixo que a emoção emerja e cumpra seu papel, pois seria uma rematada tolice negar o que pulsa dentro de mim. Revisito, então, os melhores dias do Advento, aqueles em que meu pai nos levava a visitar os dois mais belos presépios de Jundiaí. No jardim de entrada da velha indústria Argos construía-se, anualmente, um presépio imenso, cheio de pormenores, com água corrente que fazia funcionar o monjolo e figuras que se mexiam. Contudo, ainda que essa maravilha de engenharia me impressionasse, a lembrança mais viva refere-se ao presépio da catedral Nossa Senhora do Desterro. A luz que atravessava os vitrais dissolvia-se na penumbra da nave central, e caminhávamos em silêncio por entre as colunas, até chegar ao estrado alto em que a cena do estábulo era reconstruída sem anacronismos. Ali, no fundo quase escuro, o recém-nascido – Aeterni Parentis splendorem aeternum, velatum sub carne, como diz a mais doce canção natalina, Adeste Fideles – era velado por seus pais e pelos pastores. Ali se concentrava o mistério do Natal, do Deus que se faz homem, mas sem qualquer arrogância, recusando todos os privilégios. Só mesmo alguém como Francisco de Assis, cuja espiritualidade, saudavelmente reacionária, abalou o Ocidente, poderia captar com tanta sabedoria a loucura da encarnação, traduzindo-a aos mais simples*, aproximando-a dos que buscam a essência da mensagem cristã, desvinculada, em sua origem, de qualquer pompa. Se posso, aos cinquenta anos, revisitar o catolicismo de meus avós, é essa religião que eu abraçaria, a do silêncio, inimiga da celebridade e da glória do mundo, algo entre o franciscanismo e a Trapa.
* O primeiro presépio foi montado por São Francisco de Assis, em 1223, na floresta de Greccio, na Itália.
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dezembro 18, 2009
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