Muitos jovens escritores
se esforçam para levar o chamado “fluxo de consciência” — um aprofundamento da
técnica do “monólogo interior” — a níveis talvez nunca sonhados por James
Joyce.
O preço a pagar por essa
radicalização é mais do que a ruptura com a sintaxe, com a pontuação, ou o
exagero no uso da “escrita automática”, da livre associação de palavras.
Ao
abandonar qualquer possibilidade de discurso lógico — o que James Joyce não fez em Ulysses —, esses autores rompem todos os compromissos com o ato da
leitura, com a compreensão de suas narrativas. Ou seja, desprezam o leitor.
Alguns mantêm relativa
coerência no discurso de seus narradores, mas apelam a outro radicalismo: como
pretendem recriar a voz do inconsciente, pois acreditam que só dessa maneira
revelarão o que se passa no interior do homem, transformam o texto num despejo
das mais perversas patologias.
O resultado, ainda que não
seja incompreensível, é um texto quase sempre monocromático e tedioso, em que o
narrador apenas consegue repisar sua própria morbidez.
Ora, o “fluxo de consciência” não é, como alguns dizem, a
única linguagem sincera, a única linguagem verdadeira. E não é apenas por um
motivo: ele exige do autor esforço estilístico como qualquer foco narrativo. Dizendo
de outra maneira, seja qual for o narrador escolhido, o autor terá de mentir
bem.
Essa pretensão de
representar o inconsciente com absoluta fidedignidade nada mais é do que a
tentativa de recriar o que o autor acredita ser a voz do inconsciente, da forma como ele acredita ouvi-la — o que,
convenhamos, todos os escritores fazem com seus personagens e narradores.
Com uma diferença: é
impossível captar o fluir da consciência — ou o pensamento em estado puro, da
forma como ele brota a cada sinapse. E, repito, quanto mais nos aproximamos
disso, mais o discurso torna-se incompreensível, mais o discurso sepulta o
leitor.
Se não há naturalidade em
nenhuma narrativa, como muitos também afirmam hoje, então a artificialidade é a
senhora absoluta do “fluxo de consciência”.
Mas resta uma pergunta:
por que a voz interior, por que o fluxo do pensamento precisa ser necessariamente confuso ou expressar apenas o lado mórbido do narrador?
Respondendo, é curioso
como os escritores atuais preferem o monólogo da adúltera Molly Bloom e
desprezam a leveza de Clarissa Dalloway. Molly agrada mais ao freudismo que se
institucionalizou na ficção. Um freudismo que é não só endeusamento da libido,
mas principalmente banalização do homem.
No que se refere à confusão, quantas vezes não
conversamos com nós mesmos de forma ordenada, ainda que repisemos certos
pensamentos? Representar a voz interior, portanto, não significa,
obrigatoriamente, construir um discurso caótico. Como, aliás, Hermann Broch
mostrou em A Morte de Virgílio.
2 comentários:
Oi Rodrigo, parabéns pelo blog. É fantástico seu trabalho.
Não conheço as personagens que você cita porém acho que entendo seu ponto.
Talvez o que leva alguns autores a escrever dessa forma seja simplesmente o fato de que não sabem fazer algo melhor que isso. E buscam justificar sua falta de capacidade e empenho.
Ou talvez tenha a ver com a falta de apreço pela beleza já demonstrada amplamente por artistas "modernos" nas artes plásticas, fotografias, esculturas.
Um contraponto poderia ser o vídeo Why Beauty Matters do Roger Scruton. http://vimeo.com/112655231
Há um comentário em "Conhecimento e o Problema Corpo Mente" de Sir Karl Popper sobre um pensamento de Einstein que dizia "meu lápis sabe mais do que eu" - O que o cientista pretendeu significar foi que ao dar forma escrita ao pensamento e ao efetuar os cálculos no papel, obtinha muitas vezes resultados imprevistos. Pois no ato mecânico de escrever, já promovemos um distanciamento, para mim evidente, do fluxo inconsciente. Os textos de Joyce em Ulisses foram cuidadosamente preparados. Gostei do tema e do texto.
arthur
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