A descoberta
O céu da manhã está encoberto. A primeira percepção é de que não há sol. Vejo-me, ainda criança, no quintal da casa de minha bisavó, à procura de algo. Ela, no seu imutável vestido negro, altiva, orgulhosa, pronta a educar-me nas mínimas oportunidades, me observa, de pé no alto da escada que leva à cozinha. A cena tem tantos detalhes – o tanque em desuso à direita; o canteiro circular no centro, com as roseiras; o corredor lateral que leva à entrada –, tantas recordações miúdas, observadas enquanto vejo a criança brincar, que imediatamente penso se não seria esse o melhor início para um livro de memórias. Há um único gesto surpreendente, no final: arranco, de sob a soleira da porta do porão, um ramo seco, semelhante a uma forquilha. Experimento um júbilo incontrolável, pois se trata de um tesouro, sem dúvida, cujos poderes não posso conceber. Ergo os galhos retos, compridos, pálidos e pontiagudos, balanço a descoberta no ar, pleno de satisfação – e minha bisavó sorri, não de qualquer jeito, mas tenho certeza que ela pensa: "Finalmente, ele encontrou. Agora tudo está bem". De sonhos assim, nos quais me sinto recompensado pelas matriarcas que me educaram, eu jamais deveria acordar.