Meus
amigos dirão que exagero. E os que não têm a nem sempre agradável experiência
de conviver comigo certamente afirmarão o mesmo. Mas cumprirei a tarefa de ser
previsível, ao menos no que se refere a esses pequenos prazeres que me concedo,
e afirmarei que o poder de se expressar a respeito de assuntos aparentemente
triviais, transformando-os de acordo com um conjunto particular de emoções, é uma
habilidade capaz de demonstrar o grau de aperfeiçoamento a que uma nação ou um
povo chegou. É o que sinto quando leio as crônicas de Gregory L. Pease, especialmente
a última, “It’s Not That Simple”. Ele transforma o ato de encher um fornilho
com tabaco, acendê-lo e fumar durante largos minutos num exercício de reflexão
e poesia. E não há, desculpem-me os sensíveis, ninguém que faça isso em língua
portuguesa. Em poucas linhas, Pease perscruta a relação do homem com o tabaco e
o cachimbo, analisando-a não como um passatempo – a malta antitabagista diria “vício”
–, mas como uma característica da sutileza, da complexidade e, por que não?, do
requinte a que nós, pobres humanos, podemos chegar. A crônica é, sem dúvida, o
gênero literário mais ingrato, transformada, quase sempre, em presa do efêmero
pelos escritores, mas Gregory L. Pease, ainda que fale de um gesto extremamente
fugaz, consegue torná-lo atemporal, histórico. Além, é claro, de conceder
alegria a este prosélito dos cachimbos.
novembro 28, 2013
novembro 25, 2013
A crítica de Otto Maria Carpeaux que o Brasil prefere esquecer
Em
1958, quando lança Presenças, Otto
Maria Carpeaux inclui no volume uma crítica devastadora sobre Canaã, de Graça Aranha. Não há o que
contestar na sua breve, mas corajosa, completa análise. E não deixa de ser
curioso o comportamento de muitos dos nossos scholars, que insistem em tratar Canaã como um romance, por qualquer motivo, fundamental. A impressão
que nos passam é triste: aparentam seguir a tese de que, para se firmar, para
efetivamente possuir um cânone nacional, dependemos de algumas muletas capengas
– uma delas, Canaã.
A seguir, a íntegra do texto de Carpeaux:
A seguir, a íntegra do texto de Carpeaux:
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novembro 21, 2013
João Francisco Lisboa finalmente reeditado na íntegra
Acaba de ser
reeditada a Obra Completa do
maranhense João Francisco Lisboa, um dos mais geniais prosadores da língua portuguesa,
sobre quem escrevi o ensaio “O ironista macambúzio”, presente em meu livro Muita Retórica – Pouca Literatura (de Alencar a Graça Aranha).
A edição é da Academia Maranhense de Letras, sob os cuidados de Jomar Moraes, a quem agradeço pelo envio dos 4 volumes e da simpática carta.
Graças ao gesto de boa vontade do acadêmico Jomar Moraes, poderei, finalmente, ler a íntegra de três textos há anos inacessíveis: os folhetins “A Festa de Nossa Senhora dos Remédios”, “A Festa dos Mortos ou a Procissão dos Ossos” e “Teatro São Luís”.
Como afirmou Álvaro Lins – juízo com o qual concordo ipsis litteris –, “que se compare a prosa do autor do Jornal de Timon, pelo senso estilístico e pela estrutura literária, com a de seus contemporâneos […], sem excluir José de Alencar, de expressão formal tantas vezes insuportável na frouxidão ou vacuidade do seu verbalismo […] — e ver-se-á, então, que João Francisco Lisboa não parece só um escritor de outra época, mas até de outro país e de outra literatura. Como prosador, aproxima-se dele, naquele tempo, tão só Manuel Antônio de Almeida” (em A glória de César e o punhal de Brutus).
A edição é da Academia Maranhense de Letras, sob os cuidados de Jomar Moraes, a quem agradeço pelo envio dos 4 volumes e da simpática carta.
Graças ao gesto de boa vontade do acadêmico Jomar Moraes, poderei, finalmente, ler a íntegra de três textos há anos inacessíveis: os folhetins “A Festa de Nossa Senhora dos Remédios”, “A Festa dos Mortos ou a Procissão dos Ossos” e “Teatro São Luís”.
Como afirmou Álvaro Lins – juízo com o qual concordo ipsis litteris –, “que se compare a prosa do autor do Jornal de Timon, pelo senso estilístico e pela estrutura literária, com a de seus contemporâneos […], sem excluir José de Alencar, de expressão formal tantas vezes insuportável na frouxidão ou vacuidade do seu verbalismo […] — e ver-se-á, então, que João Francisco Lisboa não parece só um escritor de outra época, mas até de outro país e de outra literatura. Como prosador, aproxima-se dele, naquele tempo, tão só Manuel Antônio de Almeida” (em A glória de César e o punhal de Brutus).
novembro 18, 2013
Para iniciar o projeto Relendo os Clássicos, um curso sobre Joseph Conrad
Como
anunciei aqui em agosto, já está no ar o primeiro curso da série “Relendo os Clássicos” – e começamos
com Joseph Conrad. São 4 aulas, em
que falo sobre o romance O Agente Secreto,
a novela O Coração da Treva e os
contos Mocidade e O Parceiro Secreto. As inscrições podem
ser feitas na página do Cedet On-line, na qual se encontram informações
detalhadas.
novembro 11, 2013
A sabedoria de Léon Bloy
“Não há
literatura ‘jovem’ – há pessoas de talento e nulidades...”
“Quando um
grande homem aparece, perguntai primeiro onde está a sua dor.”
“Não conheço
situação mais vizinha do inferno do que essa: um artista que não pode ver suas
obras sem nojo, um escritor que não pode se reler.”
“O visível é a
marca dos passos do Invisível.”
“Se,
verdadeiramente, um livro, sobretudo um romance, existe, só pode ser em virtude de uma concepção genial e unipessoal
da vida humana. É preciso, necessariamente, que haja nele o que se chama uma
idéia, isto é: uma maçã metafísica colhida na árvore do bem e do mal, e posta,
para amadurecer, na palha de um estilo qualquer.”
“O homem será sempre o
apaixonado escravo da dor. Fará dela sempre sua beleza e sua glória.”
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Léon Bloy
novembro 10, 2013
O mau humor de Léon Bloy
Arthur Rimbaud: “Um aborto que defeca aos pés do
Himalaia.”
Liev Tolstói: “Lido Anna Kariênina. Infinito nojo.”
H. G. Wells: “Ateísmo anglo-saxão. Esse homem dá a
impressão de escrever no fundo de um poço.”
Émile Zola: “Não existe escritor que tenha aviltado
tanto a língua francesa, não há sofista que tenha prostrado o pensamento
francês em lugares mais baixos, e não se imagina uma aparência de homem que
tenha merecido mais o suplício último.”
Filosofia: “A filosofia talvez não seja uma
ocupação maldita, mas é, certamente, o que há de mais inútil no mundo.”
Paul Verlaine: “Um anjo que se afoga na lama. Fachada
de igreja e porta de botequim.”
Flaubert: “La
Tentation de Saint Antoine é um dos livros mais tolos e mais abjetos de que
se honra a literatura contemporânea.”
Schopenhauer: “Fétido.”
Émile Zola: “Só mesmo eu
continuo a ler Zola. Os próprios porcos não querem mais.”
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Léon Bloy
novembro 06, 2013
O mercado é uma questão de educação e cultura
Em artigo
recente, “O mercado é uma questão de língua”, Hugo Gonçalves aponta as dificuldades
culturais supostamente causadas pelas diferenças – na sintaxe e no vocabulário
– entre o português brasileiro e o de Portugal.
Ao contrário do que aponta o artigo, penso que a lusofonia não é uma ilusão. A ilusão está toda na idéia de que, no Brasil, há leitores. Mas não há. E a maioria dos existentes não consegue ler uma legenda de filme na velocidade necessária. Num país assim, as diferenças entre um português e outro ganham, é evidente, perfil monstruoso.
O problema fica claro quando Girão cita as edições do livro O Retorno, da ficcionista Dulce Maria Cardoso: em Portugal, a obra vendeu 18 mil exemplares; no Brasil, 2 mil (se é que chegou a tanto). Ora, a tese de que a má recepção do romance no Brasil se deve a dessemelhanças lingüísticas é inaceitável – significa querer mascarar o óbvio: no Brasil, repito, não há leitores. E se eles não existem – ou não existem na mesma proporção e com a mesma qualidade que há em Portugal –, não pode haver mercado.
Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais as editoras brasileiras se agarram às compras milionárias do governo federal, seu bote salva-vidas.
O que nos separa de Portugal não é a língua, mas o estado da cultura e da educação do brasileiro, que chega a cometer aberrações como a de erigir à condição de intelectuais artistas que, em outros países, jamais deixariam de ser o que realmente são: meras figuras de entretenimento.
Mas voltemos ao artigo: ali encontramos a compreensível decepção da editora Bárbara Bulhosa. Não sei se ela acreditou que duas décadas de governos de esquerda revolucionariam o Brasil. De qualquer forma, o que deveria ser uma revolução de repercussões seculares transformou-se num traque, infelizmente milenar, como, aliás, demonstrou a matéria recentemente publicada pela BBC, “‘Geração do diploma’ lota faculdades, mas decepciona empresários”, radiografia do Brasil que ainda demorará muito para ter bons leitores como Portugal: “Administradores recém-formados não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos não conseguem resolver equações simples, estagiários ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos”.
Quando se trata de educação e cultura, não há milagres, ainda que a esquerda tenha se especializado em produzir miragens, sua única vocação. Portanto, não coloquem a culpa na língua portuguesa, não tentem esconder o sol com uma peneira. A questão é simples: quando há educação e cultura, barreiras lingüísticas muito maiores se desfazem como estátuas de sal.
Ao contrário do que aponta o artigo, penso que a lusofonia não é uma ilusão. A ilusão está toda na idéia de que, no Brasil, há leitores. Mas não há. E a maioria dos existentes não consegue ler uma legenda de filme na velocidade necessária. Num país assim, as diferenças entre um português e outro ganham, é evidente, perfil monstruoso.
O problema fica claro quando Girão cita as edições do livro O Retorno, da ficcionista Dulce Maria Cardoso: em Portugal, a obra vendeu 18 mil exemplares; no Brasil, 2 mil (se é que chegou a tanto). Ora, a tese de que a má recepção do romance no Brasil se deve a dessemelhanças lingüísticas é inaceitável – significa querer mascarar o óbvio: no Brasil, repito, não há leitores. E se eles não existem – ou não existem na mesma proporção e com a mesma qualidade que há em Portugal –, não pode haver mercado.
Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais as editoras brasileiras se agarram às compras milionárias do governo federal, seu bote salva-vidas.
O que nos separa de Portugal não é a língua, mas o estado da cultura e da educação do brasileiro, que chega a cometer aberrações como a de erigir à condição de intelectuais artistas que, em outros países, jamais deixariam de ser o que realmente são: meras figuras de entretenimento.
Mas voltemos ao artigo: ali encontramos a compreensível decepção da editora Bárbara Bulhosa. Não sei se ela acreditou que duas décadas de governos de esquerda revolucionariam o Brasil. De qualquer forma, o que deveria ser uma revolução de repercussões seculares transformou-se num traque, infelizmente milenar, como, aliás, demonstrou a matéria recentemente publicada pela BBC, “‘Geração do diploma’ lota faculdades, mas decepciona empresários”, radiografia do Brasil que ainda demorará muito para ter bons leitores como Portugal: “Administradores recém-formados não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos não conseguem resolver equações simples, estagiários ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos”.
Quando se trata de educação e cultura, não há milagres, ainda que a esquerda tenha se especializado em produzir miragens, sua única vocação. Portanto, não coloquem a culpa na língua portuguesa, não tentem esconder o sol com uma peneira. A questão é simples: quando há educação e cultura, barreiras lingüísticas muito maiores se desfazem como estátuas de sal.
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novembro 03, 2013
Murilo Mendes: “Camões – o homem sim”
“O
homem moderno efetuou a disjunção entre a palavra e o fato; é um homem dúbio,
farisaico. O homem Camões é firme e integral. Nele não combatem o sim e o não.
O homem Camões é o Sim. Seu ato é fiel à sua palavra. Este Luís de Camões sabia
muito bem o que é o Verbo: por isso pôde encarná-lo.” (em O Discípulo de Emaús)
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Camões,
Murilo Mendes
novembro 02, 2013
Alcides Maia – o filho tardio de Alencar
No Rascunho deste mês, analiso Alma bárbara, coletânea de contos do
gaúcho Alcides Maia, publicada em 1922. A seguir, um trecho do ensaio:
“Água parada”, que abre o volume, já anuncia o saudosismo do autor e seu apego aos adjetivos. A narrativa idílica, que não chega a criar um conto, fixa-se no tema bucólico e aí permanece, definindo certa idealizada lagoa como “profunda, singular, diferente de todas”, com águas também “profundas”, novamente “diferentes” e, por fim, “atraentes”. Vencidos poucos parágrafos, a água torna-se “calada, solitária, arrastadora”, mais uma vez “atraente” e, a seguir, “indiferente”. Sob o domínio de tal adjetivação, o discurso pernóstico, de nítida influência alencariana, é conseqüência inevitável: “Lá embaixo, bem no fundo, estremeceria ainda, na algidez dos seus desejos torpentes, alguma iara sonolenta, das que outrora seduziam os guerreiros com seus olhos cerúleos e as suas verdes madeixas?”, pergunta-se o narrador. Não faltam — elementos indispensáveis nesse tipo de texto — os lugares-comuns, na forma de “beijos de brisas perfumadas pelas flores da encosta”.
“Água parada”, que abre o volume, já anuncia o saudosismo do autor e seu apego aos adjetivos. A narrativa idílica, que não chega a criar um conto, fixa-se no tema bucólico e aí permanece, definindo certa idealizada lagoa como “profunda, singular, diferente de todas”, com águas também “profundas”, novamente “diferentes” e, por fim, “atraentes”. Vencidos poucos parágrafos, a água torna-se “calada, solitária, arrastadora”, mais uma vez “atraente” e, a seguir, “indiferente”. Sob o domínio de tal adjetivação, o discurso pernóstico, de nítida influência alencariana, é conseqüência inevitável: “Lá embaixo, bem no fundo, estremeceria ainda, na algidez dos seus desejos torpentes, alguma iara sonolenta, das que outrora seduziam os guerreiros com seus olhos cerúleos e as suas verdes madeixas?”, pergunta-se o narrador. Não faltam — elementos indispensáveis nesse tipo de texto — os lugares-comuns, na forma de “beijos de brisas perfumadas pelas flores da encosta”.
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Alcides Maia,
Alma bárbara,
Crítica literária,
Don Segundo Sombra,
Ricardo Güiraldes
novembro 01, 2013
Paulo César de Araújo e os verdadeiros reacionários
Assisti
atentamente ao Programa Roda Viva desta semana, em que o jornalista e professor
Paulo César de Araújo, autor da famosa biografia de Roberto Carlos, foi
entrevistado.
O que sobrou do programa, depois de ouvir todas as ponderações de Araújo? De um lado, o profissional sensato, com pleno domínio do tema que escolheu para pesquisar e que, em qualquer país civilizado, teria seu trabalho reconhecido. Do outro, artistas populares que se dizem revolucionários, este ou aquele com fama de enfant terrible, mas que na verdade são reacionários na pior acepção do termo, ou seja, hostis à democracia, à liberdade de expressão.
Abaixo, coloco o primeiro bloco do programa. Os demais podem ser vistos no YouTube:
O que sobrou do programa, depois de ouvir todas as ponderações de Araújo? De um lado, o profissional sensato, com pleno domínio do tema que escolheu para pesquisar e que, em qualquer país civilizado, teria seu trabalho reconhecido. Do outro, artistas populares que se dizem revolucionários, este ou aquele com fama de enfant terrible, mas que na verdade são reacionários na pior acepção do termo, ou seja, hostis à democracia, à liberdade de expressão.
Abaixo, coloco o primeiro bloco do programa. Os demais podem ser vistos no YouTube:
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