Desta
janela, emoldurada por lombadas coloridas, meu olhar não alcança a nitidez do
horizonte, linha líquida onde as cores se assemelham e sublima-se o relevo.
Não
sei se amanhece. Mas pouco importa. Volto-me para o salão imenso – e a luz
revela, além de fios brancos, migalhas de caspa sobre meus ombros.
Meus
passos ecoam sobre o piso de mosaico e reverberam lá no alto, contra abóbadas e
arcos paralelos. Só há livros. Livros e escadas de ferro que conduzem de um
mezanino a outro. Livros. E mesas. E cadeiras onde se empilham livros –
in-fólios, miniaturas, encadernações de mestres esquecidos.
Não
sinto calor ou frio. De um salão a outro, em linha reta, a arquitetura se
repete, janelas altas, luz refletindo sobre as lombadas, escadas ligando um
patamar a outro, uma sequência de estantes a outra.
Janela
após janela, brilham as lombadas desiguais. Salão após salão, as abóbadas aprisionam
o olhar.
Um
mordomo sonâmbulo introduziu-me aqui e pediu que eu aguardasse. Agora, até
mesmo a direção da entrada é uma dúvida. Olho para trás e vejo o corredor que
se afunila, cortado por centenas de fachos de luz. Viro-me, e a mesma imagem se
desenha, transformando a arquitetura na dimensão da impossibilidade.
Onde
estão meus anfitriões? Por que o mordomo não traz um chá, uma palavra? Aguardo
o toque de uma sineta, de uma campainha – ou da porta que, ao abrir-se, fará ranger
as dobradiças.
Retiro
os livros de uma poltrona e sento-me. Abro ao acaso o volume que mais se
encontra à mão. A luz imutável acorda as páginas amarelecidas, cujo folhear desprende
perfume e som apaziguador.
Página
após página, cresce a certeza de que o mordomo não voltará. Ninguém poderá
encerrar esta visita. Nenhum som, nenhuma brisa.
Flocos de caspa caem,
lentamente, enquanto o olhar percorre as linhas. Minhas costas arqueiam. A biblioteca
espera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário