A perplexidade do homem da maioria em relação ao homem criador está perdida |
Penso em muitas coisas
quando leio esses contos estendidos que hoje recebem o nome de “romance” —
impressos com letra grande e num papel de alta gramatura, do contrário caberiam
em 10 ou 15 páginas.
Faz alguns meses, fui à livraria,
peguei uma pilha de “romancistas” atuais, sentei numa poltrona e comecei a ler.
A tarde passou. Fui
interrompido duas ou três vezes. Recusei um café. E quando fechei o último
livro percebi que quase todos eram do mesmo autor.
Não eram — mas tratavam
dos mesmos problemas, com as mesmas lamúrias, a mesma conversinha fiada em
primeira pessoa, como se o autor estivesse abrindo seu coração para o
psicanalista ou, pior, para um dono de botequim.
Você lê esses “romances” e não se convence de que os autores são realmente escritores. É tudo frágil,
medíocre.
Uma angústia artificial
perpassa as histórias.
No fundo, todos reclamam
que não são felizes, como se a felicidade fosse o estado natural do ser humano,
do qual eles, pobres coitados, estão excluídos por algum erro do Universo.
Não são adultos falando,
mas adolescentes de trinta ou quarenta anos que ainda não sabem o que é
ansiedade, desespero, sofrimento. Não sabem e não imaginam.
Ou, pior, acham que
desespero é ter de decidir entre o jogo de futebol na tevê, uma transa por
obrigação e andar de bicicleta nas ciclovias do Haddad.
Tem-se a impressão de que eles
decoraram Sartre. Ou Clarice Lispector — mas a voz que narra é a de uma Clarice
diluída, desfibrada. Talvez seja o perispírito da Clarice.
Há outras opções de estilo:
pode ser um Guimarães Rosa canhestro — ou a corruptela de alguma tradução do Ulysses.
As frases raramente
ultrapassam 18 palavras. E são truncadas, como se o escritor sofresse de algum
problema respiratório.
A superficialidade desses
livrinhos faz-me lembrar do que Thomas Mann falava sobre o “tempo do homem
criativo”.
Mann dizia que esse tempo
“é de uma estrutura, de uma densidade e de uma produtividade diferentes
daquelas frouxamente tecidas e passageiras da maioria”. E que o “homem da
maioria”, admirado da “extensão de realizações que se podem acomodar neste
espaço de tempo”, pergunta ao homem criativo: “Quando vais fazer tudo isso?”.
Essa perplexidade do homem
comum em relação ao homem criador está perdida. Hoje, tudo é frouxo e
passageiro. Hoje, o homem da maioria olha o “romance” de 15 páginas e pensa:
“Isto até eu faço!”.
E ele tem razão.
4 comentários:
O Tempora! O Mores!
Obrigado por seu bonito, árduo e importantíssimo trabalho de transformar essa triste realidade em que o Brasil experimenta, Rodrigo Gurgel!
Que Deus te abençoe! Avante!
Thyago Lins.
Professor Rodrigo,
Possuo grande admiração pelo senhor.
Acho o senhor um homem digno.
Mas, confesso, que alguns de seus textos geram uma profunda dor em mim. É como se a realidade, até então habitando terras distantes, explodisse na minha cara. Dá vontade de desistir de tudo e abrir um açougue ou me tornar taxista. Em outras palavras, vontade abandonar meu belo mundo de auto-enganos e crescer.Aceitar que não sou, definitivamente, um escritor. Continue assim!
E o tempo desse homem criativo – creio eu – é assim denso porque o coração dele é feito de amorosa atenção e expectativa diante do real: fonte inesgotável de narrativas esperando “ouvidos” sensíveis e pacientes. É incrível como numa época em que ideias se multiplicam (melhor dizendo, se acumulam) a ponto de nos ensurdecer, encontremos tão poucas palavras que valham a nossa atenção.
Há algo me encanta no modus operandi da mente criadora: ainda que sua produtividade indique intenso movimento, é fundamental que o artista da palavra seja como um pescador experiente e silenciosamente atento ao mover das águas em busca do peixe raro, pois “a vida é breve, a arte é longa, a oportunidade passageira, a experiência enganosa e o julgamento difícil”.
E talvez uma das fortes razões para a existência dessa literatura superficial, tagarela e fútil, seja a pressa em muito dizer sem escutar antes. Por isso menciono os “ouvidos” não apenas sensíveis, mas também pacientes e persistentes. Pois os segredos que o real nos quer contar são escorregadios como o “peixe vivo” que Adélia Prado menciona no poema Antes do Nome. Pessoalmente, esse é o meu maior desafio ao escrever: calar as muitas palavras que me vem à mente, para ficar atento aos “peixes” que valem à pena.
E o tempo desse homem criativo – creio eu – é assim denso porque o coração dele é feito de amorosa atenção e expectativa diante do real: fonte inesgotável de narrativas esperando “ouvidos” sensíveis e pacientes. É incrível como numa época em que ideias se multiplicam (melhor dizendo, se acumulam) a ponto de nos ensurdecer, encontremos tão poucas palavras que valham a nossa atenção.
Há algo que me encanta no modus operandi da mente criadora: ainda que sua produtividade indique intenso movimento, é fundamental que o artista da palavra seja como um pescador experiente e silenciosamente atento ao mover das águas em busca do peixe raro, pois “a vida é breve, a arte é longa, a oportunidade passageira, a experiência enganosa e o julgamento difícil”.
E talvez uma das fortes razões para a existência dessa literatura superficial, tagarela e fútil, seja a pressa em muito dizer sem escutar antes. Por isso menciono os “ouvidos” não apenas sensíveis, mas também pacientes e persistentes. Pois os segredos que o real nos quer contar são escorregadios como o “peixe vivo” que Adélia Prado menciona no poema Antes do Nome. Pessoalmente, esse é o meu maior desafio ao escrever: calar as muitas palavras que me vem à mente, para ficar atento aos “peixes” que valem à pena.
Postar um comentário