Sem constância, não há escritor |
Qual o lugar
perfeito para escrever?
É o local que
conseguimos criar dentro das nossas possibilidades, nas circunstâncias em que
vivemos.
Se escrever é
realmente essencial, as dificuldades não importam: você conseguirá criar seu
espaço.
Nos últimos 12
anos, mudei três vezes de residência. Na primeira, a janela do quarto dava para
duas paisagens paulistanas: a rua movimentada, que os ônibus subiam forçando os
motores, e a quadra de uma escola. Eu escrevia obedecendo aos horários de
entrada, recreio e saída das crianças. Quando chegava o final de semana, pronto
a comemorar o relativo silêncio, descobria que a escola cedera a quadra para um
show de rock.
Mas há situações
diferentes: conheço escritores que lêem e escrevem num apartamento minúsculo,
com 3 filhos brincando à sua volta.
Você pode e deve
buscar o lugar ideal — mas a necessidade de escrever, tão premente em certos
casos, sempre se adapta à realidade.
Além disso, se
ficamos esperando pelo espaço ideal, jamais escreveremos.
A urgência de
escrever cria os locais — a urgência de escrever força situações. Um banco de
jardim, um café no qual possamos ficar esquecidos em alguma mesinha, o balcão
da padaria, uma biblioteca pública — qualquer lugar serve, desde que você possa
se concentrar.
Meu sonho é
escrever diante de uma janela aberta sobre o horizonte amplo, montanhoso, e
ouvir, ao fundo, o murmurar de um riacho. Mas passei dois anos escrevendo no
quarto de um apartamento em que, ao abrir a janela, se estendesse o braço,
tocaria o prédio vizinho.
Na verdade,
abstrair-se, concentrar-se, requer expediente. Isto é, decisões rápidas (e
muitas vezes simples) para se livrar das dificuldades. E persistência.
Quando a empregada
do apartamento grudado ao meu ligava o rádio no último volume, eu colocava
fones de ouvido e escutava Brahms. Depois de alguns minutos, não ouvia nada:
nem as musiquinhas suburbanas nem o meu clássico. Escutava apenas minhas
próprias idéias, ouvia as frases que se formavam e a voz que dialogava comigo
sobre qual verbo, qual substantivo expressaria melhor o que eu tinha a dizer.
Todos os
escritores repetem essa experiência: há minutos de aquecimento, em que as
idéias parecem emperradas, em que tudo incomoda — depois, mergulha-se numa
espécie de alheamento. Não é um transe, não perdemos contato com a realidade,
mas nosso mundo interior nos domina, ganha força, se sobrepõe às coisas que nos
limitam.
Escrevemos, então,
numa espécie de umbral localizado entre nossas construções mentais, o espaço em
que estamos e a consciência de nosso corpo.
Reviver essa experiência dia após dia exige disciplina — um ritual que precisa ser
construído, descoberto.
Em que horário sua
produção flui com facilidade? Tenho amigos notívagos, outros preferem o
amanhecer, alguns precisam de solidão, outros gostam da presença quieta de
alguém, dos movimentos cotidianos e simples de uma casa.
Alguns necessitam
que a mesa esteja limpa — ou que os objetos a seu redor fiquem perfeitamente
organizados. Um amigo só escreve depois de repetir determinados gestos.
É preciso
descobrir esse sistema pessoal de trabalho — e repeti-lo. Mas a descoberta só ocorre
se o escritor estiver atento a si mesmo.
A palavra
disciplina pode parecer pesada, mas uso-a no sentido de comportamento metódico.
Sem constância, não há escritor.
A disciplina
liberta a mente para o que mais importa: escrever. O escritor se prepara,
repete seu ritual, sente-se dono do seu minúsculo espaço, comanda aquele
período de horas em que dialogará consigo mesmo. E cria.
Depois de algum
tempo, conhecemos o caminho da luz solar sobre a escrivaninha — e como ele muda
à medida que os meses passam. Esse conhecimento nos conforta, nos liberta para
o desgastante e prazeroso exercício de escrever.
Quando o dia
termina, quando o tempo dedicado ao ritual se encerra, as páginas estão cheias
— e não de rabiscos sem sentido.
A disciplina é a
liberdade do escritor.
Um comentário:
Olá Rodrigo,
É ótimo receber preciosos conselhos daqueles que têm profundo amor pela literatura.
Vou aproveitar o espaço para lançar algumas dúvidas;espero que não se importe.
Gostaria de saber se tais títulos que aqui apresentarei,são importantes para uma boa introdução à linguística, e aperfeiçoamento da escrita literária.
''Flor do Lácio'' - de Cleófano Lopes de Oliveira
''Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa'' - Gladstone Chaves de Melo
''A Formação do Estilo pela assimilação dos autores", - de Antonio Albalat
As obras de Massaud Moisés:
A Criação Literária e Dicionário de Termos Literários, são boas referências?
Gostaria de uma opinião sua em particular; e se possível,indicações que,no seu entender,sejam mais importantes e de valor imprescindível.
Um forte abraço!
Mateus Henrique
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