A literatura
pode, muitas vezes, ser o único elo com nossa consciência. Um poema esconde a
força capaz de nos manter ligados a valores que desmoronam ao nosso redor — e
aos quais também somos convidados a renunciar. Quando vemos a virtude se
desintegrar e quando nos expomos, por nossas próprias opções, ao risco da
fragmentação moral, algumas poucas estrofes podem servir como uma âncora que
nos aferra à verdade.
Só muitos anos
depois daquele inverno em que mudei para a casa de minha bisavó pude compreender
a decisão de copiar, em letras de fôrma, na parede ao lado da escrivaninha, o
trecho do Canto 81 de Ezra Pound. Não posso precisar meus sentimentos, mas a
figura de um cínico é a que mais se aproxima das minhas lembranças. Eu me
sentia um misantropo sem filosofia, a não ser algumas páginas de Nietzsche; um
hedonista e seu inseparável aguilhão, o desespero.
Mas o poema
estava lá, na parede entre os dicionários e o telefone, letras imperfeitas e
grandes, linhas tortas, escritas sem grande cuidado. O poema estava ali todos
os dias. Era uma promessa — “O que amas de verdade não te será arrancado” —,
mas também uma advertência: “Abaixo tua vaidade / Tu és um cão surrado e largado
ao granizo”. Não era uma condenação, longe disso, mas um alerta: “o erro todo
consiste em não ter feito”. O que fazer, eu me perguntava — eu, “ávido em
destruir, avaro em caridade”. E a visita de Pound a Wilfrid Scawen Blunt era a
resposta: colher “no ar a tradição mais viva / ou num belo olho antigo a flama
inconquistada”.
O fragmento do Canto 81 substituiu a prece que
eu me recusava a fazer. A literatura foi minha âncora enquanto não redescobri
onde havia guardado meu coração.
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