Toda literatura
fornece uma visão falsa da vida, porque é o anverso da realidade – o artista
preenche as lacunas de seu caráter ou de sua experiência forjando material
espiritual imaginário.
Em primeiro
lugar, o artista, em suas produções, distorce a vida numa certa direção,
fabrica para ela um rosto falso – e então o leitor, que tende a ser convencido
a acreditar, erroneamente, que a vida é realmente assim para o escritor e
portanto pode vir a ser assim para outrem, tenta na vida real concretizar a
imagem que o artista inventou justamente com o fim de preencher a lacuna de
algo que ele não conseguiu encontrar. No final, as incongruências do sistema tornam-se
claramente visíveis, e o modelo é jogado fora; como resultado, o leitor
recrimina o escritor por ter distorcido a realidade.
A questão é que
os leitores apoiam-se, como quem se apoia
em algo inquestionavelmente real e forte, numa coisa que, para o escritor, era
apenas falseamento confortante e perfeitamente consciente da vida, tal como sua
própria experiência a revelou para ele, de forma desconcertante, uma espécie de
eufemismo feito na esperança – infundada, como ele próprio sabe melhor do que
ninguém – de que, dando tal aparência às coisas, ela possa realmente lhes
atribuir esse caráter – ao sujeitar a totalidade de sua experiência às nuanças
e padrões de seu próprio temperamento, ele se esquece por um momento do mundo
real e incognoscível nesta extensão de sua própria consciência imediata para
preencher – o que, ilusoriamente, parece ocorrer – toda a paisagem da
experiência. Para o leitor, é como se este mundo invertido fosse talvez o mundo
real que ele vem procurando, e, temporariamente, ele pode vir a aceitá-lo.
(Em Os anos 20)
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