Escrevi, para o último número do Rascunho, sobre Isaac Bashevis Singer e seu No tribunal de meu pai (Editora Cia. das Letras). A seguir, um trecho de minha crítica:
Na verdade, a formação de Isaac Bashevis Singer corrobora o que George Steiner diz, na longa entrevista concedida a Ramin Jahanbegloo (in George Steiner: à luz de si mesmo), sobre o vínculo entre erudição e judaísmo: “A religião judaica é a única para a qual o sábio é uma bênção”. Naquele paupérrimo apartamento do número 10 da rua Krochmalna, o pequeno Singer não se dedicava apenas ao estudo prazeroso das tradições hassídicas, mas, atormentado por inesgotáveis questionamentos, lia tudo que estivesse à mão, incluindo Crime e castigo, de Dostoiévski: “Parecia um livro de histórias, mas era outra coisa. Estranho e elevado, lembrava-me a Cabala. Quem escrevia livros assim? Quem era capaz de entendê-los? Aqui e ali, uma passagem se elucidava, eu entendia um episódio, e me entusiasmava com a beleza de uma nova compreensão”. Poucos anos depois, movido pela compulsão de saber, aprende hebraico, lê poesia iídiche e devora Strindberg, Turguêniev, Tolstói, Maupassant, Tchekhov. Apaixona-se por Sherlock Holmes, estuda Hillel Zeitlin e Spinoza - mas também se debruça sobre um compêndio de física. Tragado por um turbilhão de idéias, ele é a materialização do judeu descrito por Steiner:
[...] é aquele que lê um livro com um lápis na mão [...]. É também aquele que corrige os erros mesmo ao ler um jornal. [...] Eu não falo em termos de gênio, porém designo uma sede incessante de conhecimento, de transcendência e de pensamento puro. Creio que o judeu é aquele que, até na soleira de uma câmara de gás, ainda corrigia um texto. Os rabinos o fizeram. Corrigir um texto é interpelar Deus dizendo-Lhe que se é fiel a esse câncer do pensamento, a essa patologia do absoluto que Ele colocou em nós, sem que saibamos por que, é dizer-Lhe o que isso nos custou.
agosto 20, 2009
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