março 13, 2013

“Cansei-me da solenidade da queixa”, diz Saul Bellow

– Trechos da entrevista de Saul Bellow realizada em 1965 e publicada na Paris Review:

O sofredor derrotado

“Tudo aquilo em que o ser humano acreditava no século XIX [...] tornou inevitável que o herói do romance realista não fosse um herói, mas um sofredor que acaba sucumbindo.”

Sapateiros

“[...] Ontem à noite, na cama, eu estava lendo uma coletânea de artigos de Stendhal. Um deles me divertiu bastante, me comoveu. Stendhal estava dizendo como eram sortudos os escritores da época de Luís XVI por não terem ninguém que os levasse a sério. A obscuridade lhes era valiosa. Corneille estava morto havia dias quando alguém na corte julgou o fato importante o bastante para ser mencionado. No século XIX, diz Stendhal, teria havido diversos panegíricos públicos, e os funerais de Corneille seriam cobertos por todos os jornais. Há enormes vantagens em não ser levado a sério demais. Alguns escritores são excessivamente sérios em relação a si mesmos. Aceitam as ideias do ‘público culto’. Existe essa coisa de pôr em maiúscula o A do artista. Certos escritores e músicos compreendem isso. Stravinski diz que o compositor deveria praticar seu ofício exatamente como faz um sapateiro. Mozart e Haydn aceitavam encomendas – compunham sob encomenda. No século XIX, o artista esperava altivamente pela Inspiração. Uma vez que você se alce ao nível de instituição cultural, está em apuros.”

O absurdo da elegia

“[...] A literatura moderna foi dominada por um tom de elegia, dos anos 20 aos anos 50, a atmosfera de Eliot em A terra desolada, e ade Joyce em Retrato do artista quando jovem. A sensibilidade absorveu essa tristeza, essa visão do artista como único elo contemporâneo violentado em seus (patrícios) sentimentos por todos os aspectos da civilização moderna. Isso foi muito mais longe do que deveria ter ido. Caiu no absurdo, do qual acho que já tivemos o bastante.”

Literatura russa

“[...] Os russos exercem uma atração carismática imediata [...]. Suas convenções lhes permitem expressar livremente sentimentos sobre a natureza e os seres humanos. Nós herdamos uma atitude mais constrangedora e aprisionante em relação às emoções. Temos que contornar as imposições puritanas e estoicas. Falta-nos a abertura russa. Nossa trilha é mais estreita.”

Como resistir ao niilismo

“[...] Parece que o que perguntei em meus livros foi: ‘Como é que se pode resistir aos controles desta vasta sociedade sem virar um niilista, evitando o absurdo de uma rebelião vazia?’. Perguntei: ‘Existiriam outras formas, mais bondosas, de resistir e de escolher livremente?’. Acho que, como a maioria dos americanos, dei preferência ao lado mais reconfortante, mais meliorista da questão. Não estou dizendo que deveria ter sido mais ‘pessimista’, porque descobri que o ‘pessimismo’, em quase todas as suas manifestações, é tão vazio quanto o ‘otimismo’. Mas sou forçado a admitir que não aprofundei essas questões o bastante. Não posso me culpar por não ter sido um severo moralista; sempre posso dar a desculpa de que, afinal de contas, não sou nada amis que um escritor de ficção. Mas não me sinto satisfeito com o que fiz até agora, a não ser com o lado cômico.”

O caminho mais sábio e mais viril

“[...] Cansei-me da solenidade da queixa, perdi mesmo a paciência com a queixa. Compelido a escolher entre a queixa e a comédia, escolhi a comédia, como mais energética, mais sábia e mais viril.” [Refere-se ao romance Herzog.]

Um comentário:

Maurem Kayna disse...

Acredito de modo limitado em coincidências... o caso é hoje mais cedo um conhecido virtual provocou uma discussão acerca das mudanças na literatura acerca da expressão (ou não) de sentimentos. Ele defende (com mais arcabouço teórico que eu) que "os textos apenas expressam as mudanças sociais. Os sentimentos negativos em estão em relevo maior da década de 70 pra cá." Já eu penso que essa ausência de expressão de sentimentos tem relação com um certo policiamento que acaba por "enquadrar"a grande maioria dos autores dentro de um modelo mais aceito pela crítica e/ou pela academia. E eis que venho ler esses recortes da entrevista de Bellow (um dia depois de ter visto a adaptação para o cinema de Anna Karienina).