Sempre que
releio “A busca do ideal” (in Estudos
sobre a humanidade), deixo, prazerosamente, que Berlin me conduza de uma
primeira visão geral sobre a história humana no século XX para o seu próprio
percurso intelectual, convencido, como ele, de que esse é um processo de
constante negação da barbárie, pois “somente os bárbaros não são curiosos sobre
o lugar de onde vêm, como chegaram aonde estão, para onde parecem estar indo,
se desejam ir para esse lugar, em caso positivo, por quê, em caso negativo, por
que não”.
Passo a passo
ele revisita todas as ilusões do pensamento, do ideal platônico ao marxismo,
todos esses castelos construídos no ar, que insistem em nos dizer que um dia a
razão triunfará definitivamente, dando início a uma era de cooperação e
harmonia universal, a “história verdadeira”.
Depois, ele nos
mostra como acordou – o lento despertar rumo ao “senso de realidade”:
Maquiavel, Vico, Herder –, até atingir sua visão pluralista (e jamais
relativista; como, aliás, ele insiste em sublinhar). Um pluralismo despojado de
qualquer utopia, firmado na realidade, segundo o qual “um mundo sem conflitos
de valores incompatíveis é um mundo completamente além de nosso conhecimento”.
Trata-se de uma
visão dura, sem dúvida. Mas absolutamente lúcida. Berlin não se permite
“descansar na cama confortável dos dogmas” ou ser “vítima de uma miopia
auto-induzida”. Não. Jamais haverá uma solução final para o homem, pois uma
sociedade sem problemas – ou um planeta sem problemas, sem divisões – é uma
sociedade “em que a vida interior do homem, a imaginação moral, espiritual e
estética, já não diz nada”.
E antes que nos
perguntemos o que o homem pode fazer, então, diante da realidade injusta,
insatisfatória, constantemente fendida, ele nos responde: “O melhor que podemos
fazer é manter um equilíbrio precário que impeça a ocorrência de situações
desesperadas, de escolhas intoleráveis”.
Esse é Berlin: o
olhar aberto ao real, sem jamais aceitar qualquer véu que edulcore a nossa
fragilidade. Nosso “equilíbrio inquieto” está “sob constante ameaça e em
constante necessidade de reparo”, ele afirma. E não há como escapar: “A
situação concreta é quase tudo” e “o risco moral às vezes não pode ser
evitado”. Só essa verdade nos livra da embriaguez ideológica. E só ela nos move
à negociação perene com os outros homens, à urgência de estarmos continuamente
reinventando o diálogo, a “intercomunicação entre as culturas”.
Isso não quer
dizer, no entanto, que devemos abdicar de certos bens incontestáveis, como a
liberdade, a justiça, a procura de felicidade, a probidade, o amor. Berlin é
claro: “Devemos buscar esses direitos e proteger as pessoas contra aqueles que
os ignoram ou recusam em admiti-los; e quando o diálogo se torna impossível,
podemos, então, nos sentir impelidos a guerrear com eles. Mas é necessário
sempre tentar convencê-los”.
Àqueles que
estão em busca de absolutos, o pensamento de Berlin parecerá decepcionante. Mas
aqueles abertos à construção do “equilíbrio difícil”, esses sabem que viver
significa nem sempre conseguir evitar escolhas penosas e soluções imperfeitas;
que a razão não é um instrumento plenamente eficaz; e que nossas escolhas não
são imbatíveis ou incontestáveis. Na verdade, a história já demonstrou que “a
busca da perfeição é a receita para o derramamento de sangue”.
O pensamento de Berlin, portanto, não propõe uma receita infalível para se chegar à verdade. Ao contrário, é um incansável convite ao inseguro exercício da liberdade.
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