Descobri o mundo no Gabinete de Leitura Ruy Barbosa. Na primeira visita, à tarde, sem saber como me comportar naquele ambiente sóbrio, silencioso, passei poucos minutos no salão de leitura. Dias depois, por algum motivo – eu teria 13, 14 anos? –, visitei o local à noite: fervilhava. Através de uma portinhola sob a escadaria, servia-se chá e café; os grupos, nas mesas, folheavam jornais e discutiam política; numa saleta ao lado, jogava-se xadrez em meio à neblina dos cigarros. E o melhor: dona Odete, a bibliotecária, permitia que alguns consulentes ultrapassassem o balcão e visitassem o acervo circulante. Logo eu percorria, deslumbrado, milhares de livros.
Eram os tempos da ditadura militar, e as obras de Marx e Lênin, retiradas do acervo, permaneciam fechadas em um armário, na sala da diretoria. Os emedebistas e a esquerda silenciada murmuravam pelos cantos contra o diretor da casa, o advogado Celso Zuchetti, um anticomunista brilhante e mordaz, de quem acabei por me tornar amigo.
No andar superior ficava o salão de estudos e o acervo de pesquisa, comandados pelo velho Daniel, homem simples, boníssimo, que orientava os mais jovens nos estudos. Sentado em sua mesinha, ele batia a sineta quando os sussurros das mesas subiam de tom, fazendo com que voltássemos a ruminar os livros. Numa das extremidades da sala, o retrato a óleo de Rui Barbosa nos observava, altivo como a República Velha.
Passaram-se semanas até que Daniel me franqueasse os livros guardados nas estantes da diretoria: uma Brasiliana completa, dezenas de raridades, luxuosas encadernações de clássicos portugueses – e os comunistas, que ao mero toque queimavam a ponta dos dedos.
Ultrapassei os difíceis anos da adolescência naqueles salões. Protegido pelos livros, ouvindo os debates dos mais velhos, acordando para um novo autor a cada noite, descobri que a idéia de fraternidade nasceu em uma biblioteca. De volta para casa, ao cruzar a rua do Rosário rumo ao sobradinho na Onze de Junho, eu era a minha última versão, sempre melhorada.
junho 24, 2009
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2 comentários:
nossa, adorei, no colégio que estudei podíamos ficar na sala de estudos rodeadas de prateleiras com livros. depois na época da faculdade eu era sócia de várias bibliotecas que permitiam que eu pegasse e folheasse os livros para escolher qual levar. momentos mágicos. beijos, pedrita
ah, esqueci de avisar, terminei de ler a romana do alberto moravia e comentei no meu blog. beijos, pedrita
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