Cada artista segue um percurso único |
Os caminhos que a
imaginação percorre são irrepetíveis.
A própria maneira
como nos aproximamos da arte, para depois reelaborá-la e criar novas formas de
beleza, é surpreendente.
Leiam os diários,
as cartas, as entrevistas dos escritores: diferentes estados psicológicos,
hábitos opostos, sentimentos antagônicos — não importa se na raiz do ato
criativo há dor ou alegria —, tudo no artista leva-o a criar.
Numa de suas
inúmeras tentativas de compreender como a literatura nasce, o crítico e
ensaísta Edmund Wilson afirma nos seus diários:
“As novas anomalias e acidentes
da vida constantemente sendo assimilados pela faculdade artística —
imediatamente tomados e incrustados, tornados simétricos e iridescentes, como a
pérola da ostra — até que, quando as ostras morrem e só resta sua obra, os
anais da espécie humana parecem ser não uma sucessão de mortes, e sim um colar
de pérolas”.
Sempre penso a
respeito do caminho peculiar de cada artista — e guardo a certeza crescente de
que todas as explicações simplificadas são errôneas, pois cada pérola é um
exemplar único e inesperado.
Ontem recebi o
depoimento de uma aluna, a designer e ilustradora Laura Barreto, que só confirmou minhas certezas sobre a
complexidade do processo criativo.
Vejam o que Laura
diz:
“Quando eu era
pequenininha juntava pilhas de livros no recreio e passava todo tempo lá,
rodeada deles, mesmo sem saber ler nenhuma palavra. Quando me perguntavam o que
eu estava fazendo respondia que estava lendo imagens. Depois passei a odiar a
escola e ler virou uma obrigação chatíssima. Mas eu amava o português! Minha
professora era a melhor. Lemos vários clássicos da literatura brasileira. E
aprendi muito com ela... Enfim... Estudei Artes Visuais na UFMG, depois Design
Gráfico na UEMG... Aos poucos percebi que me tornei uma contadora de histórias.
Mas o fato curioso é que eu continuei lendo imagens e falando por imagens.
Tinha algo de indecifrável nas palavras e de indizível também. Agora eu estou
fazendo uma experiência de leitora!!!! Eu me apaixonei pela literatura da Jane
Austen. E eu amo a forma de Deus falar conosco através da Bíblia. Descobri a
filosofia tomista e tantas outras coisas incríveis! A experiência de leitora
apaixonada tem feito muito bem a mim e ao meu trabalho de designer e
ilustradora!”.
Ninguém pode
delinear os caminhos que trouxeram Laura até este momento, em que ela
redescobre ou reencontra formas diferentes de expor suas idéias, alimentar sua
criatividade, dialogar com a beleza.
O Edmund Wilson da
década de 1920 dizia que “a literatura é apenas o resultado de nossas brutais
colisões com a realidade, cujas repercussões, depois de nos recolhermos ao
abrigo de nosso íntimo, tentamos explicar, justificar, harmonizar, colocar numa
ordem lógica na corrente uniforme de um pensamento que se reestrutura depois de
ser, por um momento, destroçado e dilacerado por elas”.
Já pensei como
Wilson. Já admirei a relação entre arte e vida com o mesmo olhar que se supõe
realista, mas esconde pessimismo e simplificação exagerada.
Hoje penso de
forma diversa. Há mais do que meras “colisões com a realidade” no ato de criar.
A menina que, no recreio, juntava pilhas de livros sem ler uma só palavra não
estava apenas “colidindo com o real”, mas abria-se, por motivos insondáveis, à
busca da beleza.
7 comentários:
A literatura é o ombro que Deus me deu para carregar minha Cruz.
Emocionante, Paulo!
Enviei-lhe uma resposta por e-mail, Helena.
Muito obrigada pela resposta, professor!
Não sei nem o que dizer...
Feliz ANO NOVO!
Helena
Incrível, gostaria de parabenizá-lo por este ótimo blog. Fico triste com a desvalorização da literatura e até mesmo do ato de ler no país. Cria-se a falsa impressão de que a população lê muito quando o assunto da leitura é abordado na midia ou nas escolas. A verdade é que a maioria não lê nada. Venho analisando a minha convivência num bairro suburbano do Rio de Janeiro e percebo que fora uns e outros, quase ninguém lê. E quando lêem, saiam de baixo, porque é lixo puro. Mas, de qualquer forma, parabéns!
Marcos
Obrigado, Marcos. Um abraço!
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