setembro 09, 2014

A sabedoria das fórmulas

Cada família tem seus bordões, seus provérbios. Frases que repetem ensinamentos antigos e simples sobre a vida social ou a respeito de hábitos e valores que, na opinião dos mais velhos, não devem ser esquecidos.

Minha avó paterna, por exemplo, tinha uns ditos curiosos: quando falávamos sobre a necessidade de ir a certo velório, ela perguntava quem era o morto; e a depender de nossa resposta, arrematava numa delicada censura: “Mas não é parente nem aderente, meu filho...”. Quando eu passava a noite lendo ou preparando um trabalho para a faculdade, no dia seguinte ela dizia: “Não é bom pra saúde passar a noite suindarando, meu filho...”. Vovó havia transformado a suindara, a chamada coruja-de-igreja, num verbo útil e expressivo.

Manuel Bandeira, no seu “Itinerário de Pasárgada”, lembra como sempre esteve atento a cada manifestação da linguagem: versos de algumas histórias da carochinha, cantigas de roda, trovas populares, pregões rimados dos vendedores ambulantes. E ao recordar a influência de seu pai, ele diz: “Na companhia paterna ia-me embebendo dessa ideia que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”.

Bandeira tem razão: encontramos poesia – e também verdade – em muitos dizeres. Alguns anos depois da morte de meu pai, descobri, no Em busca do tempo perdido, um provérbio que ele muitas vezes me repetira com a voz em tom de grave advertência: “Os cães ladram e a caravana passa”. Proust o coloca na boca do Sr. de Norpois em À sombra das raparigas em flor.

Essa máxima – e várias outras que ele nos repetia – contribuiu, de alguma forma, para moldar nosso caráter. Há uma variação espanhola mais suave: “A palabras necias, oídos sordos”. Mas, definitivamente, não tem a força da imagem desses cães que, acreditando ser um obstáculo, conseguem apenas latir.

4 comentários:

Anônimo disse...

E algum mecanismo desperta em nós essas lembranças, sempre nos momentos oportunos. Um mistério! Consigo perceber até mesmo a “pedagogia” do meu pai, a fórmula que usava para nos despertar sentimentos antagônicos aos erros que cometíamos. Sabedoria dos “antigos” que tento imitar com meus filhos, mas hoje tudo parece ‘fake’, parece não ‘colar’.

Mais um belo e oportuno texto, Prof. Rodrigo.

Abraço,
Cristina Garabini

Marcos Guerson Jr disse...

Prezado professor,

Sei que é fora do tópico, mas o senhor poderia indicar uma tradução da Divina Comédia?

Grato,

Marcos Heleno

digo disse...

A melhor tradução em língua portuguesa é a do Vasco Graça Moura, Marcos.

Marcos Guerson Jr disse...

Obrigado pela dica professor.

Aproveito para avisar aos leitores interessados que encontrei a tradução indicada em promoção na Saraiva por R$ 46,64.

Grato.